The Unforgiven

Capítulo Único.


-Acorda, filho da puta!

Era cedo de mais para alguém me importunar na janela, será que ninguém percebera que eu estava bêbado de mais na noite passada?

Não conseguia reconhecer aquela voz, meus sentidos ainda estavam adormecidos junto ao álcool em minhas veias.

Mais pedras batendo em minha janela.

Me virei para olhar o relógio, eram seis e quarenta da manhã, resmunguei comigo mesmo, me levantando preguiçosamente enquanto tirava as mechas de cabelo do rosto.

-Beeertieee! Acorda!

Abri a janela de vidro, os olhos semi cerrados tentando se acostumar com a claridade prematura da manhã. Olhei para baixo, mas que diabos ele estava fazendo na porta de minha casa àquela hora?

Davey Havok sorria descaradamente, como se fosse normal acordar um bêbado na madrugada. Bom, pra mim seis da manhã era sim madrugada.

-E então, o que você quer mesmo? –Eu me apoiava na pia da cozinha agora, tomando uma grande chícara do café mais forte que havia em minhas prateleiras.

Davey se encontrava sentado na pequena cadeira, debruçado na mesa, sorrindo como uma criança problemática.

-Queria te ver.

Respirei fundo pedindo paciência para não acerta-lo com a faca que se encontrava naquela pia.

-Você tem algum tipo de problema mental, garoto. –Revirei os olhos.

-Porque me chama de garoto? Sou visivelmente mais velho que você, Bert. –Ele sorriu.

-Mas sua mentalidade é pior do que a de um bebê macaco com síndrome de down. –Eu sorri com minhas próprias palavras, tentando não gargalhar. –Te chamar de garoto foi só um jeito... Carinhoso que arrumei pra não te chamar de débil mental. –Sorri novamente, desta vez cinicamente irônico, ou ironicamente cínico, depende da sua opinião.

Davey corou quando nossos olhos se encontraram, como era bom presenciar aquilo. Como era bom saber que eu ainda provocava seus sentimentos.

-Agora é serio...

Ah, tá. Davey falando sério, ele só podia estar zoando com a minha cara.

-É que... Eu precisava conversar com você...

-Uh. Boa desculpa, mas tinha que ser a essa hora da manhã?

-Eu estava muito angustiado, Bert –Ele respondera ríspido, cruzando os braços e as pernas de um jeito afeminado. Davey nunca conseguira entender meu mal humor matinal.

Mas suas palavras me deixaram em alerta, me sentei ao seu lado, deixando que nossos olhos se encontrassem novamente.

Eu sabia que Davey poderia entender o que meus olhares significavam, mas agora definitivamente não era hora para brincadeiras. Pedi para que Davey continuasse.

-Eu estou ficando preocupado com você, Bert.

Tá... É isso?

-Uh. Você não é o primeiro a me dizer isso nos últimos três dias... –Tentei ser irônico, tentei sorrir. Mas meu rosto mostrava descaradamente minha curiosidade pela preocupação de meu ex namorado.

-Ando ouvindo coisas de você por aí, eu não sei se tudo isso é verdade ou não... Eu também não sei se você vai querer que eu saiba... Alias, eu já não tenho nada a ver com o que você faz ou deixa de fazer de sua vida... –Davey parou pensativo, sempre desviando seus olhos dos meus. -Na verdade, eu não devia mesmo ter vindo até aqui, foi um ato mal pensado, desculpe Bertie. –Tentara se levantar, sendo impedido por minhas mãos, que o devolveram brutalmente para cadeira pelos ombros.

-Não. Agora eu quero saber. Você já me acordou, já esquentei meu café, a conversa já começou, se você mencionar ir embora agora, vai embora sem seus dentes.

Davey riu franzindo a testa. Fazia tempo que não o fazia rir. Nostalgia.

De novo, era o problema das drogas. Maldição, eu nunca quis preocupar ninguém, só queria me drogar em paz para fingir esquecer de certas coisas do passado –muitas dessas coisas se referiam à Davey. Não queria voltar a ser fraco, mas eu sabia que eu era. Não queria que ele soubesse que eu já havia desistido de sua própria idéia de me manter limpo. E, definitivamente, não queria dar o braço a torcer e contar que minha súbita volta às drogas era pela dor de sua perda. Não, eu não iria contar. Eu iria continuar fingindo que estava tudo bem dentro do meu coração. É, eu ia continuar fingindo ser o Bert McCracken que sempre fingi ser.

Abraçamos-nos, ambos fingindo não sentir uma pontada gélida na espinha, causada por um toque carinhoso que já não acontecia há tempos.

-Por que você voltou pra esse mundo, Bert? Eu achei que já tivesse superado.

Suspirei fundo. Contar a verdade? Eu era orgulhoso de mais.

-As drogas eu superei sim, Davey. Mas foi outra coisa, talvez insuperável, que fez com que eu voltasse para me apoiar em cima do pó e das seringas.

-E o que é essa coisa? Posso saber?

-Poder até pode. Mas não acho que isso deva ser de seu interesse. É a minha vida Davey, só minha agora. Não quero ser uma pedra em seu sapato, não quero que fique se preocupando com minha qualidade de vida. Viva a sua vida. –Respondi a ultima frase num tom meio ríspido, o deixando confuso. É, eu não sabia se queria mesmo que Davey soubesse a verdade.

Entre ironias e rispidez, começamos uma discussão disfarçada entre sorrisinhos e jogos de palavras, tudo pedia para que eu calasse a boca de Davey com um beijo que poderia reatar nosso namoro. Era isso que eu desejava.

Mas eu continuei ríspido, coração gelado, e eu não sabia exatamente o porquê.

Minha vontade de sentir seu gosto, seu toque, seus lábios, sua pele branca e tatuada sobre a minha era quase insuportável àquela fase do campeonato. Davey sabia o quanto me provocava com o joguinho de olhares e palavras em meio àquela discussão. E eu continuava fingindo meu coração gelado, continuava fingindo não perceber ou não me importar com aquele joguinho.

Aquilo foi começando a ficar cada vez mais insuportável, e eu comecei a ficar cada vez mais incomodado. Até o ponto em que a discussão havia virado uma briginha infantil.

-Ah, vai se foder, Robert!

-Vá você, David! Eu não te devo nenhuma satisfação! Eu me drogo a hora que eu quiser, eu dou pra quem eu quiser! Não era assim que você queria quando terminou comigo? Cada um ter a sua vida? Então porque agora quer voltar a controlar a minha? Quer voltar atrás, é? –Gritei com a voz rouca, fraquejada pela angustia que aquilo me proporcionava.

Enfim senti meus olhos se encherem d’água. Eu não sabia entender se era ódio, pena, inferioridade, fraqueza ou amor.

Davey se encontrava na mesma situação. Balançou a cabeça com desgosto enquanto ficávamos nos fitando em silencio.

-Era isso sim... Era isso que eu queria, era nesse ponto da conversa que eu chegaria se você não fosse tão...Tão desnecessariamente estúpido, e se você deixasse ao menos uma vez ser levado por seus sentimentos. É, você não mudou mesmo, não aprendeu nada. –Davey agora me olhava com uma mistura de decepção e ódio. –O mesmo comportamento que fez nossa relação morrer ainda não saiu de você...

Continuei parado. A espinha ereta, congelada. De meus olhos saltavam o pânico. Medo de me deparar com a verdade óbvia dando um murro em minha cara.

-Bertie, querido, eu sei que sente a minha falta como eu sinto a sua...

Ele sabia. E mesmo assim fiz uma cara teatral de negação e nojo. Mesmo que eu quisesse lhe dizer a verdade, algo mais forte do que eu me proibia. Orgulho. E ninguém imagina o quanto isso pode te cortar e te dilacerar por dentro. Eu já estava em pedaços, mas resistindo assiduamente.

-Mas... Mesmo eu ainda te amando do jeito que sempre te amei, voltei a sentir uma repugna terrível por você, a mesma de nossa ultima briga, não achei que fosse sentir-me assim novamente em relação à você, Bert. Parabéns, você conseguiu destruir o que há de mais lindo no ser humano: O amor –Contraiu os lábios, uma mania que era minha. Seus olhos voltaram a se encher de lagrimas, e estas começavam a rolar por seu rosto abatido quando continuou. –Eu te amo Bert. –Sua voz era tremula e fraquejada. –Mas não dá, acho que você precisa crescer mais, e perder seu orgulho. Chega desses joguinhos, chega desse sorriso cínico, não vê o que esta fazendo?

Sem mais delongas. Davey bateu a porta com força, após perceber que eu não iria dar meu braço a torcer, apesar de minhas lagrimas falarem por mim.

Aquela chícara continuava em cima da mesa, e eu continuava parado, no mesmo lugar, a cabeça baixa, fitando minhas próprias lagrimas ao chão.

O ódio que eu sentia de mim mesmo por não ter conseguido dizer nada, me fez voltar pra cama, e passar o resto daquele dia lá.

A chuva batia brutalmente na minha janela, não sabia que horas eram, e nem há quanto tempo eu estaria dormindo naquela cama. Não tinha fome, não tinha mais sono, não tinha mais nenhum pensamento concreto que pudesse me colocar para fora daquele inferno particular... Aquela cama, a mesma na qual eu e Davey passamos nossos primeiros e últimos momentos juntos. Aquele lençol ainda possuía sua colônia forte, apesar de ter sido tantas vezes lavado. Eu podia vê-lo sorrindo para mim ao fechar meus olhos. Podia ver cada cena da pequena vida que tivemos juntos, cada cena de amor, cada cena de companheirismo, cada cena de carinho, cada risada, cada par de olhos brilhosos ao se encontrar. E chorei, chorei o suficiente para perder minhas ultimas forças e voltar a dormir.

E foi assim que minha vida começou a contar seu ultimo capitulo. Nunca mais ouvi falar de Davey, por muitos e muitos anos.

Até descobrir sua morte, em um acidente suicida de carro. À esse ponto eu já não tinha forças para nada, estava magro e acabado, já não podia me reconhecer no espelho, resultado das drogas e do ódio e sempre senti de mim mesmo após aquele dia miserável, quando rejeitei o amor da minha vida e o deixei ir embora pela porta da casa que um dia foi nossa.

Passei o ultimo dia de minha vida lamentando a mesma, sentado ao lado do túmulo recém construído de Davey, com uma garrafa de whisky, drogado de um jeito inimaginável. Prometendo que ia viver por ele até que meu corpo dissesse não.

Eu também não cumpri essa promessa.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.