Saí de casa já parecendo ameaçadora com a minha jaqueta preferida jeans, shorts do tipo skeitista e... Tudo estragado por um par de sandálias de plástico. Com sandálias de plástico ou não, tenho certeza de que a expressão no meu rosto era bastante ameaçadora. A de alguém que vai cometer um assassinato. Ideal para um bom dia de trabalho. Logo que entrei na loja do Sr. Watson, vi meu alvo: Josh sentado logo atrás do balcão levando uma dura de seu pai. Minha colega de trabalho, Jessica Higurashi, ouvia tudo á alguns metros de distância, fingindo que não estava ouvindo realmente.

A sobrancelha direita de Josh parecia bastante inchada. Ignorei o fato de que o pai dele estava lá e já brigando com ele. Apenas avancei e, sem cumprimentar antes, lhe dei um soco no ombro. Só que não como costumava dar. Um soco forte mesmo.

- Ai! - disse surpreso.

- Você só pode ter problemas mentais! - gritei - Que tipo de delinquente pretende se tornar arrumando uma suspensão no primeiro dia de aula!?

Josh me olhou, surpreso. O pai dele ficou tão chocado que interrompeu seu sermão e apenas ficou olhando para mim, uma pirralha magrela dando uma dura num cara dois anos mais velho, vários centímetros mais alto e umas mil vezes mais forte.

- Lud, o Adam é um perdedor que...

- O Adam é um lesado! - repeti, irritada. - Mais um motivo para você pegar uma suspensão por causa dele. Seu maldito moleque irresponsável.

- Ludmille, eu não podia ficar sem fazer nada depois do que ele fez. - ele elevou a voz.- Não só podia como devia, seu panaca! - Elevei a minha mais ainda. - Eu posso me cuidar bem sem que você arranje encrenca por isso. Depois você pode ser expulso e todo muito vai ficar dizendo que foi por minha causa!

- Tudo bem então, Srta. Eu Sou Politicamente Correta. - disse com sarcasmo.

- Joshua Neil Watson, se eu souber que você tornou a brigar na escola... Ou fora dela... Ou por minha causa... Ou por qualquer outro motivo... Eu vou te dar um motivo para brigar de verdade. Seu... Homem das cavernas. Até parece que não é civilizado...

- Você é MUITO esquisita.

- Joshua! Diga para mim o que você aprendeu hoje.

- Que brigar é feio. - ele disse ainda mais sarcástico.

- E o que mais?

- Você é a única pessoa no mundo que pode agir de modo violento.

- Bom menino. - ignorei o sarcasmo e lhe dei as costas para vestir o uniforme.

Tenho certeza de que ele vai ficar bravinho e vai me ignorar por um tempo. Pois que ignore. Eu, sinceramente, não me importo. Sentei ao balcão da loja já usando o uniforme e evitei deliberadamente o olhar de Josh, que se afastou com a minha aproximação. Sem nada para fazer, abri o celular e reli a mensagem de Tiara, que eu tinha deixado por responder.

"Como você está, coração? Não tem entrado no msn. Está estudando demais? Essa é a minha bebê nerd. Conta pra mim, como está, amor? Eu estou com uma ressaca daquelas. A festa de aniversário da Kelly foi simplesmente o máximo. Uma garota acabou bebendo demais e dançando uma música da Kesha em cima do balcão. Não sei como conseguiram colocar bebida lá dentro.A Michele mandou um beijo. Ryan disse que está com saudades. Beijos."

Comecei a digitar uma resposta qualquer para ela. Não estava com cabeça para isso então. Estava odiando Josh por ter brigado com Adam, sugerindo que eu mesma não podia dar um belo soco naquele idiota quando necessário. Ele estava bravo comigo por não reconhecer que ele me salvou do Adam maligno. Pff. Por acaso alguém disse que eu sou uma donzela em perigo? Não preciso de ajuda nenhuma! Muito obrigada.

Como sempre, quando estamos brigados, nos ignoramos a maior parte do tempo, trocamos alguns olhares hostis e por vezes soltávamos algumas indiretas sarcásticas. Eu me saí melhor no tratamento frio e nem olhar para ele, pois estava concentrada em outra coisa: Meus pés! Eles estavam tão desesperadoramente doloridos que eu podia sair chorando como um bebêzinho. As sandálias de plástico dadas pela minha mãe estavam me fazendo subir pelas paredes.

Ou melhor, fariam, se eu pudesse andar sem estourar as mil bolhas que ardiam por toda a extensão dos meus pés.

Ao fim do expediente, eu queria poder voar para não ter de tocar o chão. A loja estava vazia, à excessão do Sr. Watson, Josh e eu. Sentada num dos bancos feitos para experimentar sapatos e tirei as sandálias. Examinar o amontoado de bolhas vermelhas que eram os meus pés me fez ficar enjoada.

Eu não tinha nenhuma opção senão ir para casa com as sandálias assassinas. Era isso ou ir de pés descalços por umas vinte quadras. Rogando pragas ao vento, tirei o uniforme e saí mancando do provador. Do lado de fora, encontrei Josh com cara de poucos amigos e braços cruzados. Eu sua mão direita, brilhando como um sonho, estava a chave do seu carro.

- Vou te dar uma carona. - anunciou, sem sequer olhar para a minha cara.

- Com essa cara de felicidade? Eu dispenso sua companhia, obrigada.

- Não seja mal educada. - ele finalmente olhou para o meu rosto. - Também não estou necessitando da sua NADA agradável companhia, mas meu pai me obrigou.

- Seu pai o que? - ergui as sobrancelhas

- Ele acha que você é um bom exemplo. - Josh fez uma careta de asco - Comparou você com as minhas ex-namoradas, que adorariam me ver brigando por elas.

Bom exemplo! Nunca fui tão ofendida em toda a minha vida. E o pior é que nem podia culpar Josh por me olhar com aquela expressão antipática. Certamente, odiara que minha mãe brigasse comigo e me comparasse a meus amigos "bons exemplos". Acabei corando, mesmo sem saber por que. Larguei a mochila no ombro e saí andando/mancando/sofrendo sem lhe dar uma resposta.

Talvez tenha sido minha expressão de profundo sofrimento por ser comparada a um bom exemplo... Talvez tenha sido por que estava mancando e mal me aguentava sobre os meus próprios pés... Só sei que a minha frágil falta de reação no fim da discussão fez Josh se sentir culpado. Talvez eu esteja mesmo me tornando uma donzela em perigo. Tem que ver isso aí, Lud. Eu não sou uma princesinha que precisa de ajuda. Eu sou MUITO FÊMEA e posso chutar a bunda do Adam E do Josh quando quiser. Ele não precisa parece culpado ou preocupado comigo. Eu não preciso que ele me faça ficar ainda mais apaixonada por ele.

- Ei, qual é o problema dos seus pés?

- Não é da sua conta.

- E que diabos de sandálias esquisitas são essas? - até Josh acha que as minhas sandálias são horríveis. Minha mãe deve me odiar... - Você deve estar cheia de bolhas nos pés, não é verdade?

Comecei a cantarolar alto a abertura de Bokusatsu Tenshi Dokuro-chan. Claro, eu parecia totalmente idiota andando torto e cantarolando "Pipiru piru piru pipiru piii" enquanto era seguida por um Josh irritantemente solícito. Acho que preferia quando estávamos brigando.

- Bokusatsu teeeenshi... Batto de dosu dosu Dokuro-chaaaan... - cantei alto.
- Você ficou maluca? - Bingo! - Pare de cantar essa coisa esquisita, aposto que nem sabe o que significa.

- Significa "Dokuro-chan, o anjo que te bate até a morte".

- Eu não quero discutir seus gostos de emotaku estranha. Apenas me siga até o carro.

Estávamos do lado de fora e ele abriu a porta do carro para mim. Apontou para o banco do passageiro com uma expressão ameaçadora que dizia que ia me pegar no colo e me jogar no porta-malas se eu não aceitasse de uma vez. Suspirei para me acalmar antes de me largar no banco com violência. Esse simples gesto fez com que uma das bolhas estourasse ou coisa assim. Nojento! Doloroso! Soltei um gemido exasperado enquanto Josh ocupava o seu devido lugar e ligava a ignição.

Dez quadras em silêncio, exceto por uma vez em que bati o pé e soltei um gemido de dor. A partir da décima quinta, Josh tentou conversar comigo, e eu respondi com monossílabos. Eu me irrito, pois sempre que brigamos, ele é o maduro. É sempre ele quem percebe que estamos agindo como uma dupla de retardados e pede desculpas. Até quando a culpa não é dele. Eu devia matá-lo, sinceramente.

- Ei, Lud, não sabia que Adam é tão importante pra você. - ele falou irritado - Da próxima vez, deixo ele te assediar o quanto quiser.

- Não é essa a questão! - exclamei, frustrada - Fiquei brava por que você apelou para a violência e por que foi suspenso. E eu posso cuidar de mim mesma, não preciso que me defenda.

- Ah, é? O que você pretendia? Arrancar a língua dele a dentadas?

A idéia tinha me passado pela cabeça, mas achei sinceramente nojento por isso desisti dela. Claro que não admiti isso em voz alta. Ao invés disso, soltei um suspiro alto enquanto soltava o cinto de segurança.

- Esquece! Não dá pra conversar com você.

Felizmente, já estávamos na frente da minha casa, o que era perfeito para a minha saída dramática. Infelizmente, eu me atrapalhei com o cinto e demorei mais do que o planejado para... ahn... Saí dramaticamente. Josh riu. Aquele infeliz. Marchei dolorosamente para a varanda.

- Ei, Lud, espera!

Ele saiu do carro e me seguiu até a varanda da minha casa. Eu ia entrar e bater a porta na cara dele, como ele merecia por ser superior e por passar de irritado a alegre em menos de dez minutos. Esse maldito bipolar dos infernos. Nem mesmo pensar na abertura de Bokusatsu Tenshi Dokuro-chan me acalmar. Pelo contrário, me deixou com vontade de fazer com Josh o mesmo que Dokuro-chan faz com seu amigo Sakura (Ela não é chamada de "Anjo que te bate até a morte" à toa).

Ele segurou meu pulso antes que eu pudesse entrar em casa - O que eu não poderia, por que tinha esquecido as chaves, então limitei-me a apertar a campainha.

- Desculpe. - aposto que ele nem sabe por que está ser desculpando... - Vamos, eu não queria ofender você e nem nada.

- Você NÃO sabe pelo que está se desculpando. - acusei - E me ofender é tudo o que você faz. Você me chamou de emotaku!

- Como chamam então os quase emos viciados em desenhos japoneses?

- Anime não é um desenho, seu noob. É um anime.

Ele usou sua arma secreta então: Segurou meu queixo entre o indicador e o polegar e abriu aquele sorriso que mais parecia um crime. Nenhum dente branco e perfeito era mostrado, mas aqueles lábios levemente curvados num sorriso de canto me faziam ter pensamentos pecaminosos.

- Andamos brigando muitas vezes sem um motivo específico, então não tem tanta importância se eu não sei por que estou me desculpando.

- É verdade. - suspirei, fingindo que sua proximidade não me perturbava em nada. - Acho que estamos na fase de estrangulamento mútuo do relacionamento.

- Talvez seja hora de ter uma D.R.

Ele riu baixinho. Aquele rosto incrivelmente atraente combinado ao riso rouco familiar. Eu devo ser mesmo uma descontrolada dominada unicamente pelos hormônios, pois eu o beijei. É, acho que por essa vocês não esperavam. Isso foi a coisa mais imprevisível que a imprestável da autora conseguiu pensar até agora. Podem xingar muito no Twitter. E nos comentários também.

Como eu ia dizendo antes, sem sequer preparar psicologiamente os leitores para isso, eu beijei Josh. Sim, foi na boca. Durante algum tempo, foi completamente o máximo. Digo, depois de tanto tempo de enrolação e dramalhões mexicanos, eu finalmente o beijei.

Jesus, POR QUE EU FIZ ISSO!? Eu só podia estar sob efeito de drogas alucinódisíacas naquele instante! Estava tão fora de mim que até inventei uma mistura de droga alucinógina com afrodisíaca na minha mente!
Quando afastei meus lábios dos dele, de boquiaberta com a minha própria burrice - para não falar na minha devassidão -, Josh estava com os olhos fechados e os lábios entreabertos. Ele me encarou por um breve segundo em que nós dois demos um passo para trás cada um. Estava tentando pensar numa boa razão para ter feito aquilo, mas é claro que não havia nenhuma. Felizmente, fui salva pelo meu avô: A porta foi aberta.

- Ludie! - ele exclamou - Você chegou cedo. Olá, Josh.

- S... Senhor... - Eu sei que você está em choque, Josh. Desculpe.

- E... Obrigadapelacaronatevejonaescolaamanhãatémais. - falei e fui atropelando meu avô para entrar em casa de uma vez por todas.

Josh possivelmente não tornará a falar comigo, depois do meu descontrole descontrolado. Juro que não era minha intenção beijá-lo, mas a minha boca foi lá e beijou e depois... Oh, preciso muito de um chá gelado.