Eu desejei não ter aberto os olhos após ter caído. Na verdade, eu servi de almofada para uma “certa” pessoa. Bem, tínhamos agido como peixes atraídos por minhocas chamadas de Innocences. Puta que pariu, meus exemplos machucam até aos meus próprios ouvidos. Antes de abrir os olhos meus dedos sentiram o chão frio e liso. Tomei fôlego para tentar me pôr de pé, porém a certa pessoa me impediu, esmagando minhas costas e quase me transformando em vita-Bianca-diet. Usar uma pessoa de travesseiro para uma queda de cinco metros já é levemente doloroso, principalmente quando o ser cai de pé.

– Tudo bem aí, pupila? – Katherine disse, pulando de cima das minhas costas e pousando no chão com um ar de “foda-se”.

Um suspiro tão profundo e intenso eu tomei, tentando me acalmar. Eu juro que ia dar ela para o capeta usa-la como pano de chão. Não sei como isso pode ser possível e nem quero tentar saber. Eu estou descrevendo as coisas assim porque não consigo expressar minha raiva em palavras tão educadas quanto palavrões. Com algum esforço, eu me levantei e dei meu melhor para não dar uma voadora na cara da minha mestra.

– Uau... – a palavra saiu da minha boca por vontade própria.

Uma enorme sala branca com uma cúpula no teto. A sala era circular e devia ter uns dez metros de raio. Eu, Katherine, Tyki, Mitsuki, Júlia, Kanda, Allen e Samantha estávamos no centro. Ao longo do perímetro da sala havia cinco portas, devidamente colocadas e separadas como os cinco vértices de um pentágono. Ao olhar para os lados percebi duas figuras, um pouco distantes de nós. Lá estavam os gêmeos Hawthorne, na nossa frente, encarando-nos com olhos frios e vazios e sorrindo para nós, com sorrisos tolos projetados em seus lábios.

– Bem-vindos, Exorcistas. – Elizabeth fez uma leve referência. Ela riu docemente enquanto se virava para o irmão, que ainda nos encarava intensamente. – Tudo está pronto, doador de cu.

– Elizabeth? – ele se voltou para ela, fazendo biquinho. Ele apontou para Samantha como uma criança aponta para um brinquedo de vitrine. – Eu a quero como brinquedo. Ela é tão fofa! Tem olhos verdes!

– Louis! – ela o cortou, suspirando. Revirando os olhos, ela se voltou para nós. – Temos que fornecer as regras do jogo de hoje. – ela sorriu, fixando seus olhos em mim. – Hoje. Jogaremos um belo e longo jogo. Tanto vocês quanto nós, temos objetivos para realizar nesta Arca. Realizaremos os nossos sem mínima piedade às vidas contidas neste quarto da Arca. Inclusive as nossas.

O que eu tinha acabado de ouvir?! Naquele momento eu não fazia ideia do que aquilo podia significar: Inclusive as nossas.

– Enfim... – ela deu de ombros. Uma cópia sua surgiu ao lado da Segunda Noah. Como sempre, as mesmas roupas e aparência. – Poderia...? – a cópia assentiu e começou a mexer nos cabelos de Elizabeth. – Então, esse jogo tem algumas regras. Regra número um: Deverão se separar. Cada uma dessas cinco portas vai guia-los até um quarto, e cada um desses cinco quartos contém uma Innocence das cinco roubadas da Base minutos atrás. Informações: Isto é labirinto, tudo é conectado, porém é muito confuso de se guiar sozinho, por isso sigam a trilha. Regra número dois: Cuidado com as paredes. Regra número três: Vão se foder!

Meus olhos se arregalaram. A cópia desapareceu em fumaça e vi Louis agarrar a mão de Elizabeth antes de eles desaparecerem num borrão no vento. Mas... “Cuidado com as paredes?” “Sigam a trilha.” Essa garota estava drogada?

– Fiquem juntos. – Katherine grunhiu, ficando em posição defensiva.

Felizmente, não tivemos nem tempo suficiente para obedecer. Naquele segundo, eu não tive ideia do que estava caindo. Apenas percebi que algo cairia em cima de Katherine e de mim. Num impulso irracional, agarrei o braço dela e pulei para frente com toda a minha força. Senti meu corpo batendo contra o chão duro. Por um breve momento havia perdido os sentidos. Abri meus olhos com algum esforço para ver novamente o chão branco coberto por uma leve camada de poeira. Levantei e limpei a poeira dos meus ombros. Minha mestra já estava de pé ao meu lado, provavelmente tinha soltado minha mão e se levantado enquanto eu estava recuperando os sentidos. Meus olhos procuraram freneticamente pelo que quase havia nos atingido... Metal. Duas enormes paredes de metal rodeavam a Katherine e a mim. Elas aparentavam ser grossas e eram completamente lisas, sem nenhum prego, ligações, cabos ou coisas do gênero. Ambas se originavam de um mesmo ponto atrás de mim, como duas retas que formavam um ângulo agudo, inferior a noventa graus. Eu andei até o ponto para ter certeza que não se tratava de um ângulo reto. Virei para a minha mestra que olhava para mim sem certeza do que eu estava tentando fazer.

– Katherine... – disse eu num tom sério. – O ângulo da união dessas paredes é agudo, e elas não possuem pregos ou coisas do tipo, são barras de metal inteiras. Isso sugere que elas não foram trazidas até aqui, foram feitas aqui e agora. E como não possuem cabos de ligações a conectando a algum lugar, suponho que elas têm um tamanho maior cujo que está a nossa vista. Essas observações me levam a pensar... Que todos nós fomos separados pelas paredes. É como se revertêssemos os cinco lados de uma estrela com todas as pontas voltadas para o centro. Imagine as linhas como essas paredes. Enfim, acho que fomos separados seguindo a linha das portas. O próprio segundo Clã Noah separou os oito de nós, Exorcistas, com essas paredes. Pela aparência delas não há possibilidade de quebrá-las em menos de uma hora sem sofrermos algum dano físico.

– Não entendi merda nenhuma. – respondeu ela friamente. – Apenas que a barrinha de metal caiu.

– A porra das paredes caíram na porra do chão pra separar nozes, sacou? – grunhi para ela e acabei levando um soco na cara como resposta.

Tomei um longo e profundo suspiro e passei a mão pelo meu cabelo. Falar desse jeito caipira é o que eu faço quando fico nervosa. Meus dedos acabaram tocando o rabo de cavalo que Esperanza havia feito para mim. Minhas pálpebras desceram e encarei o chão. Não consegui protegê-las, e morreram tão rápido. Katherine cutucou o meu braço.

– Não demonstre tristeza, jumenta. – grunhiu ela. Seus olhos se dirigiram para o corredor vazio. – Quer entrar ali?

– Não temos escolha. – dei de ombros. Eu ignorei os meus pensamentos sobre Esperanza. – Tenho uma péssima sensação em relação a este lugar.

Ela assentiu e nos mantemos em silêncio. Falar sobre o que, afinal? Sobre a probabilidade de morrermos? O corredor era terrivelmente branco. Eu estava cheia dessa cor enjoativa. Fui em frente. O corredor era suficiente largo para que eu e Katherine andássemos livremente, sem bater uma na outra mas ainda sim era um corredor pequeno. O corredor tinha uma espécie de neblina que ocultava o horizonte, mas permitia que víssemos o que estava próximo a nós. O engraçado é que quanto mais nos aproximávamos da neblina mais ela sumia, como tivesse a única função de esconder o final do corredor. Devo adverti-lo que o corredor não era reto, bem... Ele tinha começado reto, mas logo depois nós deparamos com uma única curva que terminava o corredor, ele deixou de ser reto. E se você esperava uma coisa épica no final dessa frase, desculpe-me. Eu e Katherine corríamos em ritmos parecidos, e, ao virarmos a curva tivemos a mesma reação. O chão. O corredor em vez de ser reto como antes, era completamente curvo e cheio de entradas para outros corredores que também deveriam ser enormes. Porém o chão... Havia pegadas. Pegadas escuras. Não negras, sangue negro ou algo do gênero, mas sim, pegadas esfumaçadas, como se a pessoa que as tivesse feito tivesse pisado em um monte de poeira. As pegadas iam até um corredor próximo a minha mestra e eu, mas precisamente a terceira entrada a nossa frente.

– Provavelmente é a trilha que aquela menina mencionou. – Katherine revirou os olhos enquanto bufava. – Pegadas de pobre. Nem coragem de comprar tinta eles tem.

Eu não pude fazer nada a não ser rir. A calma de Katherine em situações como essa chega a ser hilária. Ela olhou para mim como se eu tivesse feito um ritual de macumba ou algo parecido. Logo ela fez um gesto com a cabeça que indicava para que seguíssemos andando, assenti e fomos seguindo as pegadas. Corremos por cerca de uns dez minutos seguindo as pegadas sem parar, para no fim chegarmos a encarar outra parede. Um beco sem saída. Deixei um grito estrangulado sair da minha boca, por causa da raiva. Não acreditei que tínhamos pegado a trilha errada. Não havia nenhuma outra coisa que pudesse ser uma trilha além daquela. Katherine e eu decidimos parar um pouquinho, pelo menos para tomar fôlego.

– Qual sua opinião em relação a isso, Kathy? – eu raramente a chamava de Kathy. Ela odiava aquele apelido, então eu só usava quando estava bem distraída.

– Kathy é o seu cu, filha da mãe. – ela grunhiu em meio a ofegos. – Sinceramente, estou pouco me lixando para os Segundos Noahs, o que me preocupa é como sairemos daqui.

– Tem razão. – respondi, apoiando minhas costas contra a parede. – Que merda. Fomos manipulados como marionetes para quando chegarmos no palco não ter ninguém a nossa espera. – como eu disse anteriormente, meus exemplos são uma porcaria. – E o pior é que só havia um caminho que se encaixasse nas definições de Elizabeth. Fomos idiotas por entrar nesse jogo ridículo.

Katherine estava prestes a falar algo quando ouvi ruídos esquisitos. Era o som de uma coisa se quebrando... Rachaduras no chão. Foi a única coisa que vi antes de não sentir mais o chão por alguns instantes. Ao abrir os olhos, me vi caindo. A queda durou cerca de um segundo, o que valia aproximadamente cinco metros de altura. Caí de bunda em uma superfície meio escorregadia e inclinada para baixo, era literalmente um tubo feito de pedras, o que fazia daquilo uma espécie de tobogã fechado. Tinha uma aparência estranha, como se tivesse sido esculpido daquela forma arredondada. Eu não sei como, mas eu consegui bater a cabeça... Não, o corpo inteiro contra uma barra de metal. Abri os olhos com algum esforço, a primeira coisa que fiz foi olhar para trás para ter certeza que Katherine não vinha descendo atrás de mim, não queria ser esmagada mais uma vez. Depois olhei para frente e me dei de cara com barras de prisão. Digo de ferro, com formas cilíndricas e eram cinco que proibiam a minha passagem. Eu fiquei meio confusa, provavelmente Katherine ainda estava lá em cima. Levei um arranhão na minha testa, ela estava sangrando levemente.

– Bianca, você está onde? – a voz de Katherine perguntou. Ela parecia vir... De baixo?

– No buraco...? – respondi meio confusa. Eu não estava lá em cima obviamente... Ela não estava vendo... Sei lá... O buraco que parecia a entrada pro inferno?

Katherine já tinha descido o “tobogã”. Suspirei, e encarei as barras. Pareciam bem sólidas.

– Bianca. – a voz dela falou num tom de advertência. – Saia daqui. Vá ajudar outra pessoa.

– O quê?! – berrei. Comecei a balançar meu corpo empurrando e puxando as barras de metal. – Sua velha maldita! Destrua essas barras para eu descer!

– Eu consigo cuidar deste aqui. Preocupa-me os outros que não têm condições de enfrentar um Noah desse tipo. – grunhiu a voz dela. – Quero que você entre em qualquer quarto que encontrar. Qualquer um. E ajude o Exorcista que estiver lá dentro a derrotar o Segundo Noah e recuperar a Innocence.

– Vá se foder, Katherine! – gritei. – Você me traz até aqui e depois me larga?! E eu não vou fugir!

– Não foi um pedido. – ela me cortou. – Confie em mim. Eu sei o que faço.

Eu ia berrar novamente, porém me calei. Ela estava certa. Era uma general de Innocence cristalizada, em comparação a ela, eu não passava de um saco de pancada. Meus punhos se fecharam em torno das barras e eu comecei a tremer. Não. Eu não ia agir de modo tão ridículo assim. Resmunguei numa altura que Katherine pudesse ouvir:

– Tá.

Falei apenas isso, antes de começar a subir.