Issa

O fogo iluminava tudo. O rosto da pequena garota com lágrimas nos olhos e uma mulher em sua frente, caída e sangue em suas roupas. As minhas mãos estavam levemente queimadas, o fogo se quer me tocava. O desespero nos olhos da garota era visível, ela me observava com medo.

Levantei bruscamente. Eu estava deitada na cama, suando frio. Observei as minhas mãos, nenhum sinal de queimaduras ou cinzas. Olhei para o lado. Sentada na cama estava Halias, minha irmã. Ela observava fixamente suas mãos, os olhos marejados, parecia que logo iria chorar. Levantei, indo abraça-la.

- Não foi sua culpa... – disse baixo, como se fosse um segredo.


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O dia estava tedioso. Era como se o tédio fosse uma massa viva que resolveu passar o dia, ou melhor, a vida naquela cabana. Desde que eu e Hali nos mudamos para a pequena cabana no meio da floresta, o tédio se tornou membro da família. Hali tinha ido caçar algum animal, provavelmente para o almoço. Suspirei, estava totalmente perdida em meus pensamentos quando o barulho da porta me trouxe a tona como se fosse uma espingarda. Virei-me calmamente, esperando encontrar a loira, mesmo que fosse incomum ela abrir a porta de forma tão agressiva.

Qual não foi a minha surpresa quando, na porta, ao invés de uma moça loira e esguia, encontrei duas pessoas. Um homem, moreno e olhos azuis penetrantes, com aparência forte e uma mulher morena com olhos castanhos, traços delicados até para uma fada. Os dois vestiam roupas negras, parecia ser couro. Respirei fundo, larguei a vassoura que usava para varrer a casa.

- Quem são vocês? – perguntei, tentando dar um sorriso, mas não fui bem sucedida.

- Nós é que perguntamos, quem é você? – o homem se pronunciou. – Não é normal uma mulher viver sozinha em uma floresta. – ele foi bem sugestivo.

- Acho que tenho direito de saber quem vocês são, afinal, entraram na minha casa sem permissão. – respondi.

- Nos desculpe. – a mulher disse. – Nós estávamos atrás de uma bruxa. – o homem olhou feio para ela, como se eu fosse a bruxa disfarçada.

- Como podem ver, não sou uma bruxa. – também olhei feio, indo em direção à porta, para fecha-la.

- Olhe o que encontrei escondido. – escutei a voz familiar. – Acho que alguém queria nos matar. – Hali apareceu, com a espada apontada para as costas de um homem, que segurava uma arma.

- Seu amigo? – perguntei já estressada, para o casal. O garoto possuía cabelo castanho claro, um tom mais claro que o que arrombara a porta de casa, mas este tinha a aparência mais frágil. Eles demoraram a responder. Olhei para Hali, que parecia estar um pouco confusa.

- Mas... Que droga é essa?! – ela perguntou, gritando, quando pareceu assimilar a porta arrombada. Fez um movimento rápido desarmando o garoto raquítico, andando com passos rápidos até a porta. Analisou a porta por alguns segundos. – Sabe o tempo que levei fazer essa porta?! – ela gritou se virando para o casal, sem um pingo de paciência. – E ainda me colocam um homem com uma arma apontada para mim, em frente à minha casa! – ela fez gestos de indignação.

- O que? – perguntei calmamente. – Apontaram uma arma para a minha irmã? – falei ainda calmamente, mas por algum motivo, todos me encararam. Peguei o primeiro objeto de dentro da casa, no caso o vaso de planta que ficava na entrada. – Melhor ter uma boa explicação. – disse, dando alguns segundos de defesa para o grupo, que ficou em silêncio. – Péssima resposta. – falei, jogando o vaso na cara do homem, que para mim, era a maior ameaça. Após receber o vaso de presente, massageou o rosto, que estava vermelho.

- Eu não vou mata-la... Eu não vou mata-la... – ele repetia como se tentasse se acalmar. A morena colocou a mão no ombro dele, parecendo tentar passar sua calma para ele. A moça me encarou como se dissesse que dali não viria boa coisa. Acabei sorrindo, gargalhando. – Ela é louca. Vamos mata-la logo, vai ser menos um louco no mundo. – o homem gesticulou para os amigos.

- Não seja rude Hansel. Matamos bruxas, é diferente. – a morena disse, repreendendo-o com o olhar. Com o canto do olho vi Hali engolir em seco, e não posso negar, senti um calafrio quando escutei ela mencionar o nome dele.

- Gretel... Acho que... – o loirinho raquítico falou, apontando em direção a porta, no caso para nós. Observei Hali, ela estava segurando a vassoura.

- Saiam daqui caçadores! Não ousem entrar em nossa casa com essas mãos sujas de sangue de bruxas! – a loira gritou, batendo neles com a vassoura. Por um momento tive a imensa vontade de rir. Parecíamos de fato duas loucas. Eles se afastaram da porta, nos olhando como se loucura fosse contagiosa. Achei de fato cômico ver os grandes caçadores de bruxas com medo de duas mulheres que moram dentro da floresta.

- São duas loucas! – o homem gritou novamente, desviando ocasionalmente da vassoura. Parou a vassoura repentinamente. – Agora chega de brincar. – ele falou calmamente, arrancando o instrumento de limpeza das mãos de Hali. – Eu sei que tem uma bruxa aqui. E eu vou encontra-la. – ele soou mais assustador que qualquer monstro. Isso até ser acertado por mais uma cerâmica.

- Fique longe dela. – falei novamente. – Ouse tocar em um fio de cabelo dela que irei usar seu fígado no almoço. – a ameaça pareceu o bastante para o homem me considerar a bruxa que eles tanto procuravam. Ele sacou uma arma, enquanto a mulher sacava um arco-e-flecha, ambos apontando para mim. Olhei para todos os lados, procurando uma arma, caso necessário, mas algo chamou a atenção de todos. Uma risada que causava calafrios. Todos olharam para cima, procurando a origem do som.

Uma bruxa sobrevoava por ali, observando com um sorriso maligno no rosto.

- Eu vim buscar a encomenda para a Rainha. – disse como se anunciasse suas ações. Ela observou calmamente todos nós, até olhar confusamente para Hali e o loiro. – Ela disse cabelos loiros. Loiros é amarelo. Cor de ouro... – a bruxa começou a sussurrar, como se estivesse indecisa. Então ela mergulhou em nossa direção.