The Last Time

Quebrando o hábito


Anita acordou em um sobressalto; havia adormecido na metade do DVD. Olhou ao redor, estava escuro e o quarto não lhe era familiar, só então notou o braço que envolvia caloroso sua cintura. O relógio digital ao lado da cama mostrava que era 2h da manhã. Ela sorriu; havia cochilado no sofá e agora acordara na cama aconchegada pelo abraço de Mike. Virou o corpo para que pudesse ficar de frente para o rosto adormecido dele, os olhos levemente puxados fechados na pele clara, a barba escura e espessa emoldurando o rosto asiático tranquilo.

Ela passou as costas da mão pelo rosto dele que pareceu despertar, mas sem abrir os olhos.

- Ann? – A voz dele soou rouca e arrastada pelo sono.

- Sim.

- Já é de manhã?

- Não.

- Hum – ele grunhiu quase voltando ao sono novamente.

- Você devia ter me acordado – Ela ainda acariciava o rosto dele.

- Eu não consegui, seu sono era bonito demais para atrapalhar - Ela riu baixo, ele abriu os olhos e continuou – Se eu fosse um cara decente eu tinha te colocado no quarto de hóspedes.

- E por que não colocou?

O braço dele que a envolvia a puxou para mais próximo dele e ela encostou o rosto em seu peito.

- Porque eu sou um cara muito egoísta, não ia conseguir passar a noite longe de você.

Ela abriu um sorriso.

- Ah é? E como antes você conseguia?

- É, mas antes a tentação não estava dormindo na minha casa.

Ela depositou um beijo suave no pescoço dele.

- Fico feliz por não ter me acordado.

- Ah é? Se você gostou então eu posso fazer mais vezes?

- É claro que pode,você não tem ideia do quanto me faz bem.

Ele fechou os olhos novamente e sorriu.

- Você me faz um bem muito maior.

Ela se esticou um pouco e beijou seus lábios.

- Duvido muito, mas sabe, eu acho que nós devíamos dar um passeio hoje, durante o dia.

- Seria maravilhoso e...

- Na Charlotte é claro.

Ela sentiu o corpo dele se enrijecer junto ao dela e os olhos dele se abriram assustados.

- Na verdade eu estava lembrando aqui, Chester e eu vamos fazer uma passada de som que deve durar o dia inteiro, creio que não vai dar pra passear com a Charlotte hoje...

Ela soltou uma risada que ecoou por todo o cômodo silencioso.

- Está com medo Mike?

- Não, claro que não eu... eu só vou estar ocupado hoje, amanhã nós vamos para Midland, não se esqueça, nada pode sair errado.

- Okay, vou deixar essa passar só por causa do show, mas quando voltarmos nós vamos dar uma volta de moto.

- Claro, eu nunca disse que queria morrer velho mesmo.

Ela riu novamente.

- Larga de ser bobo Mike, não vou deixar nada acontecer com você.

- Esse é o tipo de coisa que EU deveria dizer.

- Não se preocupe, você já tem uma promessa a cumprir, do resto pode deixar que eu cuido.

- O que? Aquela coisa toda de não te deixar fugir? Eu nunca entendi aquilo.

- Uma hora você vai entender – a voz dela saiu com um tom um pouco mais sério.

- Hum, quanto mistério...

- Você não precisa se preocupar Mike, até agora não estou com a mínima vontade de fugir.

- Acho que isso é bom.

Ele a puxou para si mais uma vez e ela se aconchegou junto ao calor do corpo dele, logo ambos voltaram a dormir.

**

Era cerca de 8h da manha e Kady mastigava com lentidão uma tigela de cereais, estava jogada, ainda de pijamas, no sofá de frente para a TV, meio sonolenta e descabelada quando o celular tocou.

- Uhm – ela grunhiu ao telefone ainda com a boca meio cheia

- Kady? – Uma voz grave e calma soou do outro lado, fazendo com que ela engolisse o cereal às pressas.

- Rob!

Ele riu nervoso do outro lado da linha.

- Sim, liguei em má hora?

- N-não, claro que não.

- Ah, que bom então, ahm, eu queria saber se você está livre hoje a tarde, afinal a gente ainda não teve nenhuma das nossas aulas de bateria não é mesmo?

A voz dele soava nervosa, apressada e ao mesmo tempo ansiosa, Kady se sentia inebriada pelo som tão doce daquela voz.

- Eu não vou fazer nada hoje a tarde, por mim tudo bem em começar nossas aulas.

- Perfeito! – ele sentia que soou mais eufórico do que devia e logo retomou o tom calmo – A que horas posso buscar você?

- Bom eu saio do trabalho às 17h.

- Posso pegar você na saída do trabalho então?

- Claro, pra mim está ótimo.

Ele se despediu e desligou, logo uma onda de euforia tomou conta dela e ela começou a pular pela casa enérgica.

- OH MEU DEUS! EU VOU SAIR COM ROB BOURDON!!!

Ela começou a gargalhar sozinha pela casa, era um sonho da adolescência se realizando.

Tomou um banho e foi se vestir para ir ao trabalho, dessa vez o visual tinha que ser um pouco melhor, mas não ia exagerar em nada.

Colocou uma calça jeans escura, uma regata vermelha um pouco comprida e justa ao corpo e umas sandálias de salto não muito alto, prendeu o cabelo castanho e ondulado em um rabo de cavalo e passou uma maquiagem leve para o dia. Pegou o carro e foi até a fábrica, ficou olhando alguns papeis em sua mesa, cumprimentando, sorridente, os colegas que iam chegando e agradecendo a alguns elogios.

Anita chegou com dez minutos de atraso, mas com um sorriso que mal cabia no rosto, bem diferente do dia anterior

- Bom dia Ann!

- Bom dia Kady, desculpe o atraso!

Anita estava bem melhor, vestia suas roupas melhores novamente, com suas botas de salto fino, que Kady sabia que eram suas preferidas, só os fios loiros que pareciam um pouco eletrizados, provavelmente pelo vento forte da moto.

- Ah parece que hoje você encontrou o caminho do closet.

Anita sorriu animada.

- É.

- E então, o que aconteceu? Resolveu seus problemas com o Chester?

- Shhhh, não fale em voz alta, ninguém sabe disso – Anita soltou o ar, cansada. A noite com Mike tinha sido tão boa que ela se esquecera da lista de problemas. – Não, na verdade o Chester é o menor dos meus problemas agora.

- Como assim?

- Acho que posso confiar em você não é?

- E você ainda pergunta garota? Anda, senta aqui, me conta qual é esse problema máster!

Anita puxou uma cadeira e se sentou mais perto de Kady.

- Eu roubei um cara.

- O QUE?

- Shhhh, tenta não falar alto okay? Faz muito tempo que isso aconteceu, eu ainda não tinha nem ido pra faculdade. Trabalhava num bar e o dono era amigo desse cara, Drew Rheon, é o nome dele. Sempre que ele ia pra Phoenix usava o cofre do bar pra guardar o dinheiro que usaria lá – Ann fez uma pausa e mordeu o lábio inferior – Eu descobri a combinação do cofre e aproveitei uma das idas dele até lá e peguei 5 mil dólares do cofre. Hoje em dia não é muito, mas naquela época foi o suficiente pra fugir de Phoenix. Eu tinha um histórico muito bom e consegui uma bolsa na faculdade... Bem, deu pra arranjar – Ela deu um meio sorriso.

- Nossa Ann, eu nunca imaginei uma coisa dessas.

- É, só que agora Drew reapareceu querendo o dinheiro de volta, eu não entendo, ele tem tanto dinheiro por que se preocupa com uma quantia dessa que pra ele é irrelevante?

- Mas você não tem o dinheiro?

- Eu não tenho tanto assim na minha conta, se ele esperasse, eu poderia usar parte do meu salário pra pagá-lo, mas ele me deu só quatro dias, não sei como arranjar esse dinheiro em tão pouco tempo. Ele sugeriu que eu vendesse Charlotte, mas minha moto vale muito mais do que isso, não vale a pena vendê-la pra pagar algo que não chega a valer nem um terço dela.

Kady ficou em silencio pensando um pouco.

- Já pensou em pedir um adiantamento pro Lee?

- Sim, mas eu mal comecei no trabalho, ia pegar mal pedir um adiantamento.

- Bom, não custa tentar, diga a ele que precisa do dinheiro pra se estabelecer melhor, que está com alguns problemas com as contas do apartamento, garanto que ele vai ajudar.

Anita considerou a proposta da amiga, era uma boa ideia.

- É, talvez dê certo, vou conversar com ele.

O rosto de Kady então se iluminou.

- Ótimo! Agora você não vai nem acreditar em quem me ligou hoje de manhã!

Anita sorriu.

- Pela sua cara, posso até imaginar – ela encostou o dedo nas têmporas, fingindo pensar – Hummm... Rob Bourdon?

- Sim! – Kady deu um grito eufórico e logo começou a contar os detalhes de sua manhã para a amiga.

**

- Você está um tom abaixo, tente elevar outra vez.

Mike falava para Chester enquanto olhava para o painel dentro do pequeno estúdio de sua casa. Chester aumentou o tom e cantou com um pouco mais de força.

Memories consume

Like opening the wound

I'm picking me apart again

Memórias consomem

Como se abrissem a ferida

Eu estou me criticando de novo

- Ainda não está bom Chaz, tente outra vez.

I don't know what's worth fighting for

Or why I have to scream

I don't know why I instigate

And say what I don't mean

Eu não sei pelo que vale a pena lutar

Ou por que tenho que gritar

Eu não sei por que provoco

E digo o que não quero dizer

- Até que enfim! Achei que não ia acertar nunca, qual o seu problema Chaz? Normalmente você acerta de primeira.

Chester despencou cansado na cadeira ao lado de Mike.

- Não é nada demais Spike, só alguns problemas familiares.

- Hum, eu sei que não é da minha conta, a sua cara está dizendo que você não quer falar. Samantha ou Talinda?

Chester mordeu o lábio. Por pouco não respondeu “Anita”.

- Não é nada demais Spike, eu juro – Mike podia ver a mentira cintilando em seus olhos, mas se Chester não queria falar, o que ele poderia fazer? – Mas em compensação você está com uma aparência ótima Mike, como andam as coisas com a Anita?

O rosto de Mike se iluminou, ele contou a noite que teve com ela para o amigo sem entrar muito em detalhes, mas o que ele disse foi o suficiente para que Chester acreditasse que Anita realmente estava seguindo suas palavras.

“Essa foi a última vez Chester, eu não vou mais insistir.”

A voz dela ainda soava amarga na cabeça dele.

- CHESTER? Cara você não ta legal.

- Desculpe Mike, eu estou um pouco cansado hoje, mas vamos lá, qual a próxima musica da Setlist?

- É, do jeito que você ta fugindo o problema é grande, okay, vamos de Wretches and Kings.

- Wretches and Kings?

- É, por que a surpresa?

- Ah, por nada, só que ela não é uma das que a gente costuma tocar.

Mike ruborizou.

- Eu sei, só queria variar.

- Hum, sei, mas isso não tem nada a ver com o fato de você ter insistido pro Brad colocar a Pushing me Away na list também não é?

- Ah com certeza não, só um presente pros fãs – Mike deu um riso sem graça.

- Okay, por mim tudo bem, ela vai gostar.

Chester entendeu que Mike estava encantado com Anita, era impossível não se encantar. Durante o resto do dia ele se esforçou para não errar as passagens, com sucesso, se ele prestasse atenção isso realmente não era uma tarefa difícil. Cerca de 17h ele resolveu ir embora, teriam que estar no aeroporto muito cedo amanhã e ele ainda tinha algumas coisas para organizar. Se despediu de Mike e pegou o elevador até o estacionamento subterrâneo; ao chegar lá deu de cara com uma surpresa, alguém que tinha o tronco deitado pelo banco de uma moto com a pernas penduradas balançando.

- Ann?

O rosto sorridente dela se virou para quem o chamava, mas ela conteve o sorriso assim que o reconheceu.

- Chaz

- Hey, tudo bem com você?

Ela levantou da moto e ficou de pé de frente para ele.

- Tudo ótimo, e com você?

- Ótimo também.

- Hum, eu tenho que subir Chester, mande lembranças a Talinda por mim. Tchau.

Ela ia saindo em direção a porta, mas ele parou em sua frente bloqueando a passagem dela.

- Por que não atendeu a nenhum dos meus telefonemas?

- Eu achei que tinha sido clara quando disse que aquela era a ultima vez.

- Você nunca foi clara Ann.

- Bom, eu estou sendo agora, quero que saia da minha vida.

- Você está blefando – ele riu nervoso.

- Por que acha isso?

Ele a puxou pelo braço, deixando-a tão próxima de seu tronco que podia sentir sua respiração falhando rente a seu peito.

- Porque pensei que me amasse.

Os olhos castanhos dele caíram sobre ela quase a hipnotizando, num súbito ela puxou o braço que ele segurava e empurrou seu tronco para longe de seu corpo.

- Droga Chester! Por que você faz isso? Você me atrai como se eu fosse seu bichinho pra quando eu resolver ceder você simplesmente dizer que não me quer, que não vai machucar sua esposa – A voz dela saía histérica e instável – Sinceramente? Eu cansei. Cansei de mendigar pelas sobras do seu amor, de ser sua distração. Eu disse que não ia mais insistir por nada de você. Agora sai da porra da minha frente que eu quero entrar em casa.

Ele deu um meio sorriso.

- Por que está tão nervosa? O Mike não conseguiu amansar você?

Ela revirou os olhos.

- Eu não tenho que ouvir isso, passar bem Chester.

Ele a puxou pelo braço mais uma vez, dessa vez com mais violência.

- E se eu largasse tudo, se me separasse de Talinda e viesse correndo pra você, largaria o Mike por mim?

Anita sentiu seu corpo enrijecer, ela não tinha pensado nessa possibilidade.

- Você nunca largaria a Talinda – a voz dela saiu quase como um sussurro.

O sorriso dele tinha um tom sarcástico.

- Você está me enlouquecendo tanto que eu nem sei mais o que pensar – a voz dele também tinha o tom baixo, mas logo a expressão dele tomou um tom mais suave – O vôo para Midland amanhã sai as 5h da manha, sua passagem está com o Mike, a da sua amiga, Rob ficou de entregar. Vejo você no aeroporto amanhã?

Ela puxou o braço para longe do aperto dele mais uma vez.

- É, acho que sim. Posso entrar em casa agora?

- Claro.

Ela deu as costas para ele e foi em rumo a porta do elevador.

- Anita!

A voz dele gritou seu nome a suas costas

- Sim? – Ela disse entre dentes.

- Não duvide do que eu sou capaz de fazer por você.

Ele então deu as costas e saiu andando rumo ao carro. Ela entrou no elevador e assim que a porta se fechou ela levou as mãos ao rosto. Por que diabos ele sempre a deixava nesse estado?

**

O corpo de Kady tremia da cabeça aos pés, ela estava com as baquetas nas mãos, mas sentia que elas oscilavam tanto que poderiam cair a qualquer momento.

- Tente se acalmar, okay? – A voz rouca que ela ouvira mais cedo no telefone. agora estava ali, bem rente ao seu ouvido – Segure as baquetas com mais firmeza.

Rob estava sentado atrás dela e agora segurava as mãos trêmulas de Kady tentando ensiná-la a tocar bateria.

- Com você atrás de mim vai ficar ainda mais difícil.

Ele riu tímido.

- Por que? Muitas pessoas ensinam a tocar assim.

- Eu não vou conseguir tocar uma nota sequer com você ai atrás.

- Você quer que eu saia?

Ela demorou um pouco pra responder.

- N-não.

Ele hesitou por um instante, mas então deslizou a posta do nariz pelo pescoço dela. Kady sentiu todos os pêlos do corpo se arrepiarem ao toque dele, as mãos que seguravam as baquetas se afrouxaram completamente e as duas hastes de madeira despencaram sobre o surdo da bateria, com o susto provocado pelo som da queda das baquetas Rob se afastou de Kady e se levantou um pouco envergonhado.

- M-me desculpe Kady, eu não quis ir rápido demais.

Ela também se levantou e ficou de frente para ele.

- Não se desculpe, pra ser sincera – ela hesitou e mordeu o lábio inferior pensando no que diria a seguir – eu não estou aqui por causa da bateria.

Ele deu um passo para frente para ficar mais perto dela e fitou em silêncio, deslizou a ponta dos dedos pela extensão de seu braço e segurou seu rosto com as mãos, que estavam um pouco geladas, mas não tremiam.

- Que bom, por que eu sou um péssimo professor.

Ela fechou os olhos e ele logo encostou os lábios no dela, ela entrelaçou os dedos nos cabelos meio comprido dele e ele a puxou mais para si, ambos estavam em completo êxtase.

Quando se separaram sem ar, ele tinha o olhar um pouco triste.

- O que foi Rob?

- Você tem certeza que quer se meter comigo? Eu posso não ser o melhor pra você.

- Do que você está falando?

- Eu não sou tão retardado quanto imagina – ele deu um sorriso um pouco pesaroso – minha vida pode ser cheia de problemas.

Kady sorriu complacente.

- Por algum motivo, eu estou ainda mais curiosa pra conhecer você.

Ele riu e a puxou para perto dele mais uma vez.

- Okay, mas depois não diga que eu não avisei.

E então eles dois se entregaram em um beijo urgente, que Kady sonhara durante anos.