“The evil, it spread like a fever ahead

It was night when you died, my firefly

What could I've said to raise you from the dead?

Oh, could I be the sky on the Fourth of July?”

Fourth Of July— Sufjan Stevens

A estufa em que parte da Ouvidoria acontecia era algo digno de um conto de fadas. Como o evento era realizado no inverno e havia a necessidade de manter um certo controle sobre a população que adentrava a morada real (e deixá-los entrar no palácio em si parecia pouco administrável), a enorme estufa que ocupava uma das áreas abertas do lugar fora a solução para o problema, anos e anos antes, quando o evento começara a ser realizado. Tinha a beleza das coisas antigas, com a construção se erguendo sobre eles como uma catedral gótica de vidro e uma coleção de flores das mais delicadas ocupando todos os cantos, em uma simulação de primavera tão real que era até um pouco difícil acreditar que nevava do lado de fora. Parecia-se mesmo com algo tirado de um livro de histórias. A diferença, lógico, era que os contos de fadas dificilmente contariam das tensões políticas que estavam se desenrolando ali dentro.

Aberash tinha que admitir que as horas estavam passando com bem menos incidentes do que ela, e, sinceramente, todos os organizadores do evento, esperavam. Só precisara auxiliar as selecionadas três vezes em mediações com cidadãos particularmente irritadiços, o que ainda estava dentro do esperado para as Ouvidorias. A tensão no ar era quase palpável, porém. Ter Caçadores em cada canto daquele lugar faria qualquer um agir com mais cautela, bruxo ou não. Ali não era o lugar para cometer passos em falso.

— Você parece melhor agora — disse Aberash, aproximando-se de Katherine, que estava sentada longe de todo o movimento.

— E estou — a garota parecia mesmo menos pálida, mas ainda havia um tremor leve em suas mãos. Não levantou seus olhos para falar com Aberash — Eu sinto muito. Com tantas coisas para lidar, ainda ter que cuidar de mim…

— Você não é a única com medo — Aberash disse, em tom firme — Elas só tem mais prática em fingir que não têm. — Katherine não parecia muito convencida, mas pelo menos parou de olhar para o chão e encarou a pessoa com quem conversava.

Se para Aberash já tinha sido um susto sentir uma agitação na magia ao seu redor e encontrar a fonte daquilo em uma Katherine fazendo um esforço visível para restringir seu poder enquanto tentava acalmar um barão particularmente fora de si, para a garota deveria ter sido bem pior.

— Como foi seu treinamento? — perguntou, querendo ter uma noção de como poderia ajudar ali.

— Foi bem feito e longo — a garota abriu um sorriso sem graça — Talvez não tenha treinado todas as vezes que me diziam para treinar, mas o problema não é bem esse…

— Entendo — e estava sendo sincera. Magia era uma força extremamente volúvel a qualquer mudança de quem a carregava, a Aberash sabia bem disso. Talvez não da mesma maneira que Katherine, mas sabia — Não tenho nenhuma solução infalível, mas sei uma coisa ou outra sobre, pelo menos, separar os poderes das emoções. Se quiser, posso te ensinar.

Finalmente alguma luz voltou aos olhos de Katherine, e Aberash agradeceu silenciosamente por ter escolhido as palavras certas. Como a responsável por trazer todas as selecionadas para aquele ambiente que as odiava, a mulher se sentia na obrigação de fazer o possível para que elas pudessem tirar mais do que estresse e tensão daquela experiência.

— Eu gostaria, sim! Muito obrigada — respondeu ela, sorrindo de verdade, agora.

— Ótimo, encontraremos um horário para isso mais tarde. Agora, que tal tentar de novo? — disse, fazendo um gesto em direção à parte ocupada da estufa. A expressão feliz de Katherine desmoronou.

— Mas… Já?

— Ora, lógico, ou você queria ficar sentada aí para sempre? — quem respondeu foi Elizaveta, aproximando-se em passos decididos. Vinha acompanhada de Lara e Leena — Vamos, vou te mostrar como lidar com nobreza rude.

— Ai… Tudo bem… — Katherine levantou-se, parecendo um pouco encorajada pelas garotas ao seu redor. Antes de ir, lançou um último sorriso a Aberash — Obrigada de novo!

Aberash desconsiderou o agradecimento com um aceno de mão, como se dissesse que não fizera mais que sua obrigação.

— Olhe, o segredo é parecer que sabe do que eles estão falando — Lara aconselhou.

— E quando não souber mesmo, nada que um pouco de bajulação não resolva — completou Elizaveta — Não faça essa cara, você vai acabar aprendendo na prática.

Aberash tinha torcido muito para que a competitividade entre as selecionadas não fosse forte o suficiente para esmigalhar a possibilidade de que tivessem bons relacionamentos, e era bom ver que, pelo menos para parte delas, as coisas começavam a ir bem. Leena, que havia ficado ao seu lado, parecia ter algo semelhante em mente.

— Aberash, tem um grupo de pessoas procurando por você — disse ela, revelando o porquê de ter ficado para trás — Sinceramente, não sei quem são e estavam pedindo para falar com você especificamente…

Aberash levantou as sobrancelhas, surpresa que eles tivessem tão pouca paciência assim. Esperava um encontro desses só quando a Seleção completasse um mês de ocorrência. Talvez as eliminações repentinas tivessem os apressado.

— Tenho alguma ideia do que querem, na verdade — disse, tranquilizando Leena — Onde eles estão?

— Perto das begônias, no fundo — disse apontando para a direção sem se preocupar que a vissem fazendo isso, o que fez Aberash rir um pouco. A garota já começava a ir embora quando acrescentou algo — Pareciam bem irritadiços.

— Ah, imagino que estejam… — o resto da frase Aberash completou em sua cabeça, andando na direção que Leena indicara: “não estão acostumados a terem suas perguntas deixadas sem resposta”.

Chegando perto do grupo, Aberash teve a confirmação de que eles eram exatamente quem ela esperara. Eram cinco, duas mulheres e três homens. Todos mais velhos que Aberash, e com a postura e apresentação que gente com dinheiro antigo possui. Tão evidente quanto a magia que vibrava deles.

— Bom dia, senhores, senhoras — cumprimentou, com uma reverência leve — Me informaram que fui requisitada. O Conselho os enviou?

— Os assuntos que viemos discutir são do interesse do Conselho, sim — respondeu uma das mulheres. A troca de olhares entre os cinco, contudo, fez Aberash desconfiar que o jogo de palavras que ela utilizara não fora coincidência. Não era surpresa nenhuma que o Conselho já começasse a ter divergências.

— Muito bem, e em que posso ajudá-los?

— Creio que sabe muito bem o que precisa fazer, senhorita Tigist — respondeu um dos senhores, sem esconder a impaciência — A carta enviada pelo Conselho semanas atrás foi perfeitamente clara.

— E minha resposta também não foi vaga, tenho certeza — para ser sincera, Aberash quase tinha jogado a carta fora, planejando dizer que nunca a recebera. Mas, pensando melhor, quanto mais mentiras acrescentasse às anteriores, mais difícil seria carregá-las — Prometi comparecer à próxima reunião, e lá estarei.

— Havia mais do que o convite à reunião na carta, senhorita.

Chamar aquela intimação de convite quase fez Aberash rir. Aquela situação toda era um tanto hilária, para ser sincera. Eles achavam mesmo que iam conseguir alguma coisa numa conversa cheia de dedos como aquela, num lugar cheio de não-bruxos e caçadores?

— Como eu escrevi em minha resposta — disse, transformando a vontade de rir em um sorriso paciente — Não acho prudente enviar esse tipo de informação, muito menos discuti-lo em um espaço público. Responderei a tudo que quiserem na reunião. Terminamos?

Normalmente ela aguentaria mais numa conversa como aquela, mas tinha mais o que fazer - mais vinte garotas para ajudar. Não era um dia bom para ficar enrolada na política estranha da nobreza bruxa. Ia tomar o silêncio como concordância e voltar para o centro da estufa, quando um deles segurou seu pulso, puxando-a de volta.

— Você deve estar acostumada a escapar com meias respostas — sua voz era ríspida. Tinham se postado de um jeito que dava impressão de encurralamento, e ela conseguia sentir a raiva de cada um — Não gostamos de segredos, principalmente dos que trabalham para nós. É bom mesmo que tenha todas as respostas na ponta da língua quando nos encontrarmos de novo… Afinal, não é como se eu precisasse de você para saber o que quero.

Aberash sentiu sua expressão se desmontar. A ameaça encontrou uma resposta muito familiar dentro dela, gélida. Talvez aquele fosse um dia realmente ruim, porque ela decidiu não combater o instinto com sua placidez de sempre.

— Faça isso, então — não achava que tinha mudado de postura tanto assim, mas o senhor soltou seu pulso no mesmo instante — Mexa no meu passado o quanto quiser. Não vai mudar minha motivações e compromissos, mas talvez ensine que vocês deveriam ter um pouco mais de cuidado — chegou um pouco mais perto, para ter certeza de que só eles escutariam a última parte — E com cuidado eu quero dizer medo.

Eles estavam mais desconcertados do que assustados, era verdade. Provavelmente passariam do choque para a raiva bem rápido, mas ela sabia que tinha plantando uma dúvida, que duraria o suficiente para pensar na mentira que contaria no dia da reunião.

— Tenham um bom dia, senhores — disse, retomando a postura conciliadora antes que dissessem alguma coisa — Se seus negócios eram somente comigo, aconselho que voltem para casa. O palácio não está em seu dia mais receptivo para gente como nós.

Se afastou antes de receber uma resposta. Ao invés de se dirigir ao centro da estufa, porém, foi na direção contrária, com o objetivo de ter um momento sozinha antes de voltar às suas responsabilidades. Precisaria de alguns minutos para derreter a frieza que acordara dentro de si.

*

Yeva sempre parava de contar as horas em algum momento. Quando era mais jovem - e mais impaciente - mantinha os olhos no relógio e na lista de nomes a cada pessoa que deixava a sala. Isso não ajudava e os minutos se arrastavam, pesados. A melhor estratégia era, então, parar de contar, se concentrar nos relatórios e nos relatos dos aldianos e fazer o possível para não parecer entediada.

Na realidade, porém, já fazia alguns anos que a tensão a impedia de sentir tédio. Ano após ano as reclamações tomavam um caráter mais sério, mais letal. Foi possível ver a mudança na expressão da população com o passar do tempo. Vinham mais assustados, mais cansados, mais radicais. Tinham chegado num ponto em que a Ouvidoria servia mais para ter uma noção de como andavam os ânimos da população e prever quanto tempo teriam até um conflito sério estourar do que para resolver alguma coisa. Como consertar os vários problemas que se amontoavam em suas mãos se a fonte era a mesma?

— Quem são os próximos? — Catherina lhe perguntou — Me perdi nas páginas.

— Os Bacharow, de Angara — num segundo, porém, a informação no aparelho foi atualizada — Ah, parece que conseguiram juntar mais duas famílias com eles, os interesses são parecidos.

— Aleluia — murmurou a garota, e Yeva conteve o riso. Entendia o sentimento. Catherina recobrou a postura no instante em que a porta do auditório foi aberta e o grupo de dez pessoas adentrou a sala.

A reclamação era simples: há mais de três meses o pagamento para os trabalhadores trabalhando na modernização na linha ferroviária que ligaria a cidade aos três distritos que a rodeavam não chegava. Se a eu de Yeva de anos atrás, nova no governo, a visse agradecendo por receber uma denúncia de corrupção, provavelmente morreria de desgosto. Pediu perdão à monarca jovem que fora, mas quando lidavam com problemas tão monumentais, coisas assim tendiam a parecer pequenas. E naquele caso, pelo menos, poderiam ter o impasse resolvido até a próxima semana.

De fato, era possível sentir um certo alívio na sala depois que as famílias deixaram o auditório. Um dos poucos problemas para o qual não tinham que fazer promessas, rezando para que não fossem tão vazias quanto sabiam que eram.

O estado de espírito da Czarina piorou drasticamente quando viu o próximo nome na lista, porém. Um grupo de Elista, sua cidade natal.

Se obrigou a ficar calma, mais cansada daquilo do que irritada. Não importava quantas décadas passassem, aquela pedra em seu estômago sempre aparecia quando lia o nome na lista. Os anos lhe ensinaram a controlar a ansiedade, mas a Ouvidoria era sempre um dia difícil. Se obrigou a respirar fundo, dizendo a si mesma que passaria rápido.

Quando as três pessoas entraram na sala, porém, qualquer tentativa de se acalmar caiu por terra. Mal ouviu o que eles diziam, concentrada no rosto de um deles. “É jovem demais” disse para si mesma, tentando ser mais alta que o som arrebatador de seu próprio coração. Olhou para o nome da família mais uma vez, confirmando que não era o mesmo sobrenome que estava ocupando suas lembranças. Olhou para a menina mais uma vez, buscando as partes de sua feição que não batiam com o rosto que tinham em mente. Isso já tinha acontecido outras vezes, se se concentrasse o suficiente, passaria. Mas não passou. A cada minuto as feições da garota pareciam mais familiares, mais com as dele. Não fazia o menor sentido, ele não tinha tido irmãos, nem filhos, obviamente. O que diabos era aquilo?

Mal registrou quando foram embora. Seus esforços estavam em não deixar o que estava sentindo transparecer em seu rosto. Nem isso era capaz de fazer, porém.

— Yeva, você está pálida — Damian sussurrou para ela, colocando a mão sobre a sua. Sua palma quente parecia extremamente errada, fora de lugar, por conta do frio em sua espinha — Tudo bem?

— Está sim — respondeu, arrumando forças para abrir um sorriso — Mas faz horas que não como nada, acho que minha pressão baixou, só isso.

— Quer que eu peça para que tragam algo?

— Não, não. Que falta de etiqueta seria comer enquanto as pessoas trazem seus problemas mais sérios — disse, tomando a deixa para sair dali por um segundo — Volto em cinco minutos.

Damian assentiu, dando-lhe um beijo na mão antes que ela se levantasse e saísse do auditório.

Do lado de fora, se surpreendeu com a luz alaranjada entrando pelas janelas. Tinha certeza que já era noite há muito tempo, talvez porque a luminosidade morna não combinava em nada com o caos que estava acontecendo dentro dela.

As memórias nunca iam embora de fato, mas fazia anos que não as sentia tão à flor da pele, com tanta força que pareciam ocupar cada milímetro de seus pulmões. Não conseguia entender. Sua vontade era largar tudo e passar o resto do dia revirando os arquivos, procurando uma explicação para o que vira. Quem era aquela garota? Porque se parecia tanto com alguém que tinha morrido há décadas? A não ser… A hipótese era tão macabra que a assustou só de pensar na possibilidade. E se ele estivesse vivo? Não conseguia entender como seria possível, mas talvez…

Yeva se obrigou a achar alguma compostura, precisaria dela pelas horas de Ouvidoria que faltavam. Resoluta, conseguiu aquietar as perguntas em sua cabeça por um segundo. Sempre soube que precisaria fazer isso em algum momento, só não achava que seria por um motivo tão absurdo. E estava assustada, lógico que estava, mas, pela primeira vez em anos, a necessidade de saber era maior que o medo.

Era hora de voltar para casa, ou o que sobrara dela.

*

— Mashkov, repetir a mesma sentença várias vezes não vai me fazer mudar de ideia — disse Aleksei, usando seu tom mais categórico.

Já passava da meia-noite, e, depois de um dia inteiro fazendo contorcionismos mentais para enfrentar cada problema que a população trouxera, a última coisa de que Aleksei precisava era passar mais um punhado de horas discutindo com os conselheiros reais.

O conselheiro soltou um suspiro exasperado, olhando para o czar em busca de apoio. Tudo que conseguiu de Damian foi um balançar negativo de cabeça.

— Eu e o czareviche estamos de acordo quanto a esse assunto, lorde Mashkov.

— Vossa Majestade, com todo respeito, que tipo de estratégia é essa? Temos o exército mais bem treinado do país em nossas mãos, treinado especialmente para uma guerra como a que virá. Por que esperar até não termos mais vantagem?

Aleksei fechou os olhos por um momento, buscando manter a calma para não soar como se estivesse explicando algo para uma criança - embora, de certa forma, sentisse que estava.

— Em primeiro lugar, não temos como identificar os bruxos em larga escala. O inimigo seria a população inteira, o que geraria absoluto caos.

— É um risco que teremos que correr, vossa alteza. Esse fato não parou seus ancestrais de lutarem uma guerra necessária.

— Meus ancestrais não tinha a tecnologia que temos atualmente. Ou você acha que em uma situação tão extrema as pessoas vão ficar caladas? Por enquanto a exposição e interferência internacional não valem a pena, mas uma guerra declarada as prioridades mudam.

— Como se não estivéssemos à beira do caos nesse exato momento — rebateu outro conselheiro — Que garantias temos que não teremos um escândalo internacional amanhã cedo, vossa alteza?

Só de pensar nisso Aleksei sentia a cabeça doer. Porque, bem, simplesmente não sabia. Parecia uma fantasia acreditar que a boa vontade da população e o sistema de segurança pesado instalado em todos os meios de comunicação para fora do país reteriam as informações sobre a magia dentro do país. A parte mais absurda, porém, era que funcionava. Tinha funcionado por séculos, e se ninguém sabia exatamente porque, também não sabiam quando pararia de funcionar. Parecia óbvio, porém, que uma guerra civil poderia ser um catalisador razoável para essa mudança.

— Os senhores falam como se estivéssemos sentados, esperando a guerra bater em nossas portas — interrompeu Catherina, sem se importar em conter o tom impaciente — Meus caçadores estão trabalhando sem descanso para descobrir uma maneira eficaz de identificar os bruxos.

— Já expus minha opinião sobre isso diversas vezes, vossa alteza… — começou uma das conselheiras, mas a czarevna o interrompeu antes que continuasse.

— E eu já lhe expliquei de todas as maneiras possíveis que é uma péssima ideia, lady Brynner. Mesmo que consigamos organizar um sistema para monitorar cada cidade e parar os bruxos no menor tempo possível, não podemos prever o tamanho do estrago — a última parte foi dita em um tom mais baixo, cansado — Corremos o risco de matar mais civis do que bruxos.

A estratégia a que a conselheira aludira era tão simples quanto perigosa: contaminar o sistema de abastecimento de água com Yasein, a substância que podia forçar um bruxo a revelar seus poderes. Não era muito difícil pensar no porque explosões aleatórias e incontroláveis de magia acontecendo no país inteiro seria uma má ideia.

— Certo, e quando veremos essa solução em que os caçadores tanto trabalham?

Catherina apertou os olhos, irritada. Aleksei quase conseguia ver seu cérebro trabalhando para conseguir uma mentira, mas pareceu desistir no meio do caminho. Se fosse uma situação menos tensa, Aleksei poderia ter achado graça do tom autoritário que a irmã usou, claramente tentando encobrir o fato de que não fazia ideia:

— Até o fim da Seleção de Aleksei teremos algo — não houve um conselheiro na sala que não parecesse exasperado — Eu sei que não é o ideal, mas todos nós sabemos a função dessa Seleção, não vejo porque não usar da distração até o fim. Se até lá não conseguirmos nada, discutiremos outras estratégias. De acordo?

Um burburinho de concordância encheu a sala e Aleksei se obrigou a não olhar feio para a irmã. Entendia o porque fizera o que fizera. E o prazo sempre existira, mas enquanto um entendimento silencioso poderia ter mais flexibilidade. Como um acordo verbal? Aleksei apostava que depois do quarto mês a pressão para fazer sua escolha se tornaria uma ameaça.

— Ótimo. Reunião encerrada — disse Damian, levantando-se sem esperar por uma resposta, o que dispersou os outros. Aleksei, já sonhando com sua cama, se surpreendeu ao ver que a mãe ainda estava na sala, olhando para a grande janela em frente à mesa de reunião. Não parecia ter percebido que só tinham sobrado os dois no local.

— Mãe? — disse, botando a mão no ombro dela com cuidado — A senhora não vai descansar?

Yeva piscou algumas vezes, deslocada. Estava assim desde o fim da Ouvidoria, e tinha permanecido anormalmente quieta durante a reunião. Aleksei tentou não se preocupar demais, provavelmente era só cansaço. Nunca a vira tão distraída, porém.

— Ah? Vou sim, querido — disse se levantando. Aleksei decidiu seguí-la até o quarto, sem conseguir se convencer de que aquilo era normal.

— Está tudo bem? — perguntou, repassando mentalmente tudo o que acontecera durante o dia. Não conseguia descobrir o que poderia tê-la afetado.

— Acho que sim… — disse ela, e pareceu perceber a vagueza de sua resposta, virando para Aleksei e lhe dando um de seus sorrisos usuais — Digo, está tudo bem, sim. Só estou cansada, hoje foi um dia… Intenso.

— Tem certeza?

— Tenho sim. Obrigada por me trazer até aqui. Pode ir dormir, querido, prometo que estou bem — ela riu quando ele permaneceu parado no mesmo lugar, desconfiando — Vá dormir, Aleksei.

Voltando para seu quarto, Aleksei não sabia muito bem o que sentir. Imaginara que teria um pouco de dificuldade para dormir, com um milhão de pensamentos girando em sua cabeça, mas não achava que sua mãe fosse ser a causa de sua inquietação. Estava tentando se fazer acreditar no que ela dissera, mas a única coisa em sua mente era seu sorriso. E como ele não alcançara seus olhos.