The Inevitable - Interativa

Chapter VII — Winter Bird


“A sabedoria com as coisas da vida não consiste, ao que me parece, em saber o que é preciso fazer, mas em saber o que é preciso fazer antes e o que fazer depois.”Leon Tolstoi.

As luzes deslumbravam-na. Mesmo que não fosse admitir, todo aquele cenário fazia com que se lembrasse daqueles contos bobos que lia com seus quatro irmãos na hora de dormir, onde um viveram felizes para sempre era sempre incluído na sentença final. Bobagem, ela pensou, dispersando toda aquela baboseira que anos de melosidades lhe trouxeram.

“Você me acostumou mal, Benjamin”, ela pensou, e imediatamente, como uma nuvem escura de poeira e cinzas, algo gelou-lhe o estômago e aquela sensação agradável do deslumbramento foi assoprada para longe, bem longe.

Castamente, cruzou as mãos sobre a musselina bege do vestido que haviam enfiado nela algumas horas antes — e que a privara de se sentar por um tempo igualmente grande — e virou a cabeça para o telão, onde as imagens das diversas Selecionadas e poucos Selecionados encontravam-se em quadrinhos miúdos, exibindo-os em tempo real. Tentou manter a expressão serena e admirou o próprio reflexo; as madeixas alouradas haviam sido retocadas para o evento, não deixando evidências do cabelo ruivo que escondia por baixo da tintura, e os olhos âmbar-esverdeados exibiam um brilho que nem ela mesma conseguia decifrar.

— … como foi sua a reação, Príncipe Alexander, quando viu todas essas belas moças entrarem no castelo? — o apresentador pressionou.

Birdie e todas as outras Selecionadas, que se encontravam sentadas em fileiras próximas às cadeiras da família real, voltaram-se para o futuro monarca. Ele levou uma das mãos até a nuca e riu descontraidamente, flertando com a luz de LED como se fossem bons amigos.

As câmeras o amam, Birdie pensou.

— É uma situação estranha, não posso negar. Você vive sua vida inteira recluso a um grupo de pessoas e, de repente, tem um esquadrão de moças andando de lá para cá, — seus olhos voaram, por um momento, para o grupo de Selecionadas, — Mas é um diferente bom — Alexander acrescentou — Muito bom.

Isso rendeu risinhos da fileira de Selecionadas.

— Vocês já sabem os nomes de todas elas?

Em unissono, os irmãos responderam:

— Não.

Apenas Alexander disse um tímido “sim”.

Isso rendeu um sorriso de Birdie.

— É mesmo, Vossa Alteza? — o apresentador pareceu surpreso, voltando sua atenção novamente para o príncipe herdeiro.

Ele corou e não pareceu tão descontraído dessa vez.

— Hm…

— Ele gosta de decorar coisas — Max interrompeu, salvando o gêmeo de uma situação constrangedoras — Quando éramos crianças, ele decorou o nome de toda a família real de Ravka.

— Mas eles têm vinte e dois membros!

— Conte com Alexander para saber o nome e cara de todos eles — Max riu, e então deu uma piscadela — Sem ofensas, é claro.

— Ofensas a quem? À família real de Ravka ou Alexander? — Alexandra indagou, mantendo-se no personagem.

Ela é boa nisso, Birdie notou, eles todos são. Ela se perguntou se não era um pré-requisito a família real ser tão simpática com as câmeras; mais provavelmente anos e anos de experiência lidando com o público, afinal, o que é um monarca apático? Certamente um monarca odiado, e todos sabem o que acontece com os odiados na história. Irina mesma costumava dizer que o ódio leva à queda, e sua tutora raramente estava errada.

— Isso vai ser interessante — um dos poucos selecionados da princesa Alexandra comentou de lado, aparentemente para Birdie — Faça um bom jogo, princesa.

Ela não tinha dúvidas de que seria interessante, nem de que faria, decerto, um bom jogo.

“Todo o inferno está contido nesta única palavra: solidão.”Victor Hugo.

— Obrigada — ela disse em voz baixa quando Lisa, uma de suas criadas, lhe estendeu os lençóis finos sobre a cama. Ansiosa, a garota que parecia ter pouco mais de dezoito anos, e ainda assim a feição de uma garotinha de doze, trocou o peso de um pé para o outro, esperando por alguma ordem de Winter — Você já pode se retirar.

Incerta, Lisa olhou de volta para a camisola da nova ama e para o corpo esbelto ainda coberto pelo roupão branco, o vapor quente do banheiro ainda embriagando seus sentidos, o leve cheiro de sabonete misturado ao ar.

— Eu posso me trocar sozinha — Winter disse, cruzando os braços embaixo dos seios — Pode ir. Obrigada.

A jovem criada molhou os lábios carnudos, e parecendo ligeiramente desapontada, virou-se para deixar o quarto. Já no portal, virou-se rapidamente para acrescentar alguma coisa numa voz tão pequena quanto ela própria.

— Se tocar aquele sino ali — ela apontou para um sinete dourado preso por uma corda ao lado da cama — Eu vou estar aqui num piscar de olhos.

Silenciosamente, Winter acenou com a cabeça e se virou, escutando apenas o bater de leve da porta quando a mocinha deixou o quarto. Com um suspiro pesado, arrancou a toalha que envolvia a cabeleira loura e sacudiu a cabeça, as madeixas platinadas caindo no ombro ainda úmidas. Estendeu a toalha em cima no divã.

O luxuoso quarto ainda parecia distante, frio, diferente. Lisa, Marie e Jackie já haviam colocado as roupas que trouxera em cabides e dobrado tudo organizadamente nas gavetas do armário, mas havia aquela pequena mala ao lado da cama que ela fora bem insistente em desfazer por si mesma.

A Arte da Guerra descansava no fundo. Já havia lido e relido o livro diversas vezes, mas apenas sua presença era reconfortante; gostava de olhar para a capa já um tanto obsoleta, para o título conhecido do autor com quem tinha tanta… Intimidade. Ela se deitou de bruços sobre os lençóis recém-estirados e abriu o livro na primeira página, onde foi, uma vez mais, surpreendida pela foto antiga e desbotada de Molly Harper.

“A mulher mais bela e encantadora que eu já conheci”, seu pai, o senhor Cross, dissera uma vez há tantos anos, dentro daquele escritório que fazia com que Winter se sentisse pequena. Ainda mais naquele dia, quando o homem parecia tão… Vulnerável.

Ela afastou aqueles pensamentos e se comparou, pela milésima vez, com aquela pequena fotografia de uma mulher já morta que pouco tivera influência em sua vida — ou assim ela se convencia há muitos anos.

Fechou os olhos e encarou sua estratégia para o dia seguinte. E, como sempre, Sun Tzu aplicava-se belamente:

Concentre-se nos pontos fortes, reconheça as fraquezas, agarre as oportunidades e proteja-se contra as ameaças”.

“É melhor ser absolutamente ridículo do que ser absolutamente chato.” —Marilyn Monroe

Alice ainda estava embriagada de sono quando sua criada a arrastou para a sala onde haveria uma reunião com todas as Selecionadas e Selecionados. Ela e Keeley tiveram uma afinidade espontânea na noite anterior, ela só não entendia o porquê de ter de acordar tão, tão cedo. Bocejando de dois em dois minutos e lutando para manter as pálpebras abertas, ela estalou o pescoço de um lado para o outro, então os cotovelos e dedos.

Oh, my! — Keeley exclamou, arrepiando-se — A senhorita vai quebrar alguns ossos nessa brincadeira, estou avisando.

Alice riu.

— Fortalece as articulações — assegurou, dando uma piscadela brincalhona para a mulher, aparentemente anos mais velha que ela e que não estava comprando aquela conversinha. Estalou as costas e Keeley se encolheu, mas não disse mais nada.

Na porta da sala, acenou.

— Pronto. A Senhora Patki não tolera atrasos, então acho bom se adiantar. E tente parecer um pouco mais…

— Mocinha? — Alice revirou os olhos.

— Disposta.

Ela entrou. Lá, numa fileira que mais assemelhava a um exército, estavam as garotas com quem pouco tivera a oportunidade de socializar no dia anterior. Viu Ashley Korolenko e Thea Sutherland, Selecionadas com quem havia chegado; ambas pareciam bem sóbrias, com os cabelos amarrados no topo da cabeça e encarando a figura minúscula que se colocava como um general na frente delas todas.

Alice colocou-se entre as duas moças com quem já havia trocado algumas palavras, que sorriram de leve com sua presença. Thea competia por Alexandra também, mas Alice estava decidida a fazer amizades.

— O que está acontecendo? — perguntou à ruiva, Ashley.

— Andra Patki — ela balançou a cabeça discretamente para a mulher que impunha tanta rigidez — Ela é a nossa… Tutora, acho.

Andra Patki. Pele bastante morena dos cabelos negros e pesados, amarrados num coque profissional, tão pequena quanto uma adolescente antes de virar mocinha, mas tão elegante, tão perfeita em seus rosto fino, olhos escuros e sobrancelhas cheias que tal fato parecia desimportante —senão ainda mais sedutor. Portava-se como uma bailarina, as vestes verdes e sapatos de dança, um lenço bege em cima dos ombros.

Imediatamente, Alice tanto a admirou quanto a temeu.

— Vejo que nossos últimos participantes decidiram dar o ar da graça — ela disse, impassível, e a direta não foi dirigida apenas a Alice — Vamos começar com as introduções; eu sou Andra Patki, tutora para todas as ocasiões em que vocês possam se encontrar. Ensinarei etiqueta, modos, carisma e questões políticas que três de vocês virão a precisar. Lhes ensinarei línguas, dança, postura e qualquer outra coisa que venha a ser necessária.

Silêncio, como soldados obedientes.

— Sejam bem vindas e bem vindos ao Palácio Real de Illéa, onde serei útil pelo tempo em que vossas jornadas durarem.

…Algumas mais longas que outras, é claro, Alice completou mentalmente.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.