Já havia amanhecido quando despertei. Minha mãe estava me observando, sentada em minha cama, e a primeira coisa que vi foram seus olhos sobre mim.

- Dê-se por feliz, pelo menos por hoje. O Dr Bryar desmarcou a consulta.

- Hein?! Bom di...- olhei as horas em meu celular, que ficara no criado-mudo. Eram-se quase 14h - é... boa tarde também, mãe.

- Hunf. Eu achei melhor mesmo ter sido desmarcado, você devia estar exausto por conta de ontem. - ela estava tão distante... eu não podia evitar sentir sua frieza.

- Mãe?

- Sim?

- Mãe, eu preciso que a senhora confie em mim. Não me trate desse jeito

- Te tratar desse jeito, como?

- A senhora sabe.

- Me desculpe, mas não sei.

- Sobre Gerard, sobre...

- Não vamos falar disso, por favor.

- Mas, mãe...

- Mas nada. Eu preciso assimilar o que está acontecendo. Está tudo errado, filho. Eu não sei por que, mas eu sinto que está. Eu estou com medo.

- Medo?- De perdermos um ao outro.

- De novo essa história... - murmurei comigo mesmo

- O quê?

- Essa história. Ninguém vai perder ninguém. O que aconteceu ontem é que... é que... - respirei fundo e ela me interrompeu.

- Nem você sabe... Bom, Frank, eu vou descer. Caso precise de ajuda por causa de sua mão, me chame.

- Tudo bem...

Ela levantou-se e seguiu para porta, saindo logo em seguida.

Eu me sentia pesado, estranho... Minha cabeça doia, doia muito. Talvez fosse por conta do remédio que tomei. Eu não sei. Aliás, nos ultimos dias, a unica coisa que eu sabia é que eu tinha um mão machucada. Somente aquilo parecera real, porque também latejava. Não só a mão, o meu corpo inteiro parecia sofrer. Porém somente a minha mão seria válida para julgar como dolorida. Se eu dissesse como eu estava cansado... cansado de mim. O mundo caiu sobre minha cabeça e deixou escombros demasiadamente pesados sobre meus ombros. Eu sentia o chão, mas é como se eu não o pisasse. Houve tremores de terra sobre meus pés, somente sobre meus pés e abriu-se um buraco. Nesse buraco, eu permaneço, porque me empurraram. Mas, quem me empurrou? Existe um culpado? Gerard? Não... Gerard jamais faria qualquer maldade comigo. Embora eu não entenda o significado dele em minha vida, não completamente, pode-se assim dizer, eu sei que ele não me machucaria. Eu quem me machuco. Eu quem deixo isso acontecer. Eu me sinto um perfeito idiota, ao mesmo tempo em que não há motivo para sentir-se idiota se eu não posso evitar o inevitável. Provavelmente, se eu fosse apenas um ser ocupando espaço em qualquer lugar, isso não aconteceria. Eu seria inútil. Inútil como uma pedra, até que encontram utilidade para a mesma e usam-na para atingir alguém. Quem estaria me usando para atingir o que quer? Gerard? Mas... não! Não, ele não me usaria, isso não. Eu sinto algo intensamente forte por um homem que jamais toquei e não sei se tocarei. Não é que aja necessidade de caricias tão explicitas, a necessidade em questão é tê-lo. Tê-lo me basta. Mas não sou de ferro e queria, sim, tocá-lo. Queria ter o abraço amigo, queria sentir-me um inteiro e só ele me proporcionava isso, mesmo que em sonhos, mesmo que fosse um fruto proibido para a realidade. Respirar estava se tornando algo desastroso. Eu jamais pensei em morrer, eu amo viver, absolutamente, mas eu não sei se escolheria permanecer acordado ou dormindo para sempre pelo simples fato de ver o amor da minha vida parado em minha frente, olhando para mim. Seja em qualquer lugar, eu queria isso. Acho que só Gerard me salvaria de mim mesmo. Acho que somente ele poderia me mostrar como é prazeroso viver, realmente. E quem entende o fato de que ele pode não existir?

- Eu existo. Eu estou aqui. Nenhuma dessas confusões me fará fugir de ti.

- Então insisto, cadê você? Por que não posso te ver, somente ouvir?

- Estou dentro de você, em cada parte que você procurar. Estou aonde você quiser me achar.

- Eu preciso saber exatamente o que devo fazer. Me diga, seja meu guia, não consigo mais entender.

- Não estou no espelho, não estou no vento. Estou em seus sonhos, em seu pensamento. E, nem por isso, deixo de ser real. O obstáculo que te impuseram você só vai descobrir o porquê no final.

- Preciso fechar os olhos para pode te sentir? E como agir todas as vezes em que eu não te vir?

- Duelo interno, haverá um deserto, e um dos seus dois "eus", morrerá. Só preste atenção, muita cautela e emoção, não perturbe ou questione sua razão, isso pode atrapalhar.

- O tanto que peço, não sei se converso, não sei se eu rogo para continuar. E rezo, confesso, para que tudo tenha uma melhora, com você por perto pra sempre, e agora?

- Já disse e digo, não tem problema, eu repito, existe uma força maior do que se explica. O significado do sentimento que carregamos por dentro obtém entendimento maior que a vida.

- Se devo esperar-te, então o farei. E, mesmo cansado, não desistirei. Se somos uma parte e fomos dividos em dois, torço para que juntos sejamos eternos, depois.

- Se sabes que amo, não precisa esperar muito. E se eu amo você, por que duvidar, mesmo por uma fração de um segundo? O que tem em meu peito é somente teu, mesmo tão distante, sei que tu também és meu.

Senti uma mão sobre mim. Abri os olhos. Minha mãe estava me observando, sentada em minha cama, e a primeira coisa que vi foram seus olhos sobre mim.

- Dê-se por feliz, pelo menos por hoje. O Dr Bryar desmarcou a consulta.

- Hein?! Mas isso já aconteceu, eu já havia acordado, você já havia me dito isso!

- É o quê? Frank... Você está dizendo coisa com coisa porque está sonolento.

- Que horas são?!

- Quase 14h.

Arregalei os olhos, me levantando rapidamente.

- O que você pensa que vai fazer?! - minha mãe me viu apressado, me arrumando para sair.

- Eu tenho que sair.

- Não tem, não.

- Tenho sim!

- Menino, espera...

Não dei ouvidos para minha mãe, que andava comigo pelo quarto e fui me arrumando, correndo contra o tempo para ir até a casa de John. O grande problema seria pedir para ela um dos seus livros de literatura inglesa.

- Mãe?

- Frank, você não vai sair daqui! Eu estou mandando você ficar.

- Não posso. Eu preciso resolver algumas coisas.

- É COM O TAL GERARD? VOCÊ NÃO VAI, MESMO! - ela disse, gritando.

- Não, e se fosse, qual seria o problema? A senhora tem algo contra homossexuais? E se eu namorasse o Gerard, você iria me renegar como todos esses pais estúpidos que preferem perder um filho para a mágoa do que aceitá-lo porque ele quem escolheu quem deve permanecer do lado dele? Você faria isso? - eu fiquei surpreso por falar tudo aquilo...

Minha mãe sentou-se na cama, e olhava para o chão. Sua expressão era como se estivesse sendo derrotada por algo e, surpreendentemente, ela não chorou.

Percebi que eu havia exagerado e sentei-me do lado dela, abraçando-a. Ela permaneceu imóvel, aceitou o abraço, mas não retribuiu. Após alguns segundos assim, me afastei. Ela levantou-se, abriu a porta, me olhou, suspirou e deixou o silêncio no ar.

Será que eu tinha ferido minha mãe com tudo o que eu disse? Bem, talvez. Mais culpa. Mais peso. Mais dificuldade. E além do mais, ainda não tinha o livro. Merda! Eu precisava ter pelo menos um livro de Shakespeare, sei lá! Como eu resolveria isso?

O celular tocou e me assustou. Estava no criado-mudo, como eu havia deixado antes de dormir. Me estiquei para pegá-lo. Era um número desconhecido... Atendi prontamente.

- Alô?

- Alô, Frank?

- Sim... É... Quem...

- Amy. - ela respondeu antes que eu concluísse a pergunta. - Eu tomei a liberdade de ligar para você, peguei seu número com a Donna.

- O quê? Michael, como ele está? Piorou? O que houve? - me preocupei, levantando-me da cama, para continuar me arrumando.

- Ei, calma. - ela disse, sorrindo em seguida. - Eu liguei para perguntar sobre você.

- Sobre mim? - eu andava para lá e para cá, tentando colocar as calças, com o celular preso entre o ombro e a cabeça.

- Sim. Eu sei o que houve ontem.

- Ah, esqueci, senhora vejo-tudo... - sorri.

- Eu sei, mas porque te vi no hospital.

- Viu? E por que não falou comigo? - parei o que estava fazendo e me concentrei na conversa.

- Porque eu não estava por perto.

- Como viu e não estava por perto?

- Eu tive um pressentimento, só isso. Quando corri para a sala aonde eu tinha te visto*, você já não estava mais lá. Perguntei ao médico o que havia acontecido e ele me disse. [*nota: Amy pressentiu e teve uma visão rápida de Frank no local, em uma das salas.]

- Hm... Mas, respondendo sua pergunta, eu estou bem. E Michael?

- Terá alta daqui há dois dias.

- O médico disse ou você está pressentindo? - sorrimos.

- Posso dizer que será os dois.

- Será?

- É, ainda não aconteceu mesmo. - sorrimos de novo.

- Bem, eu queria te ver. - eu disse.

- Me ver?

- Sim. Pode me encontrar no parque às 16h30min?

- Hum... eu não sei. Deixa eu ver se consigo pressentir o que Michael vai achar disso... - Amy brincava, fazendo-me rir.

Fez-se silêncio por alguns segundos.

- E aí senhora silêncio-estou-prevendo-o-futuro, pode?

- Ah... Eu posso. Mikey não vai se chatear, eu acho.

- Tudo certo, então. Te vejo no parque.

- Ei, tá querendo desligar o telefone na minha cara? - ela riu.

- Ops, desculpa... Eu estou atrasado. Preciso terminar de me arrumar e sair.

- Cuidado. - sua voz mudara o tom, que tornara-se preocupado.

- Com o quê?

- Com ele.

- Amy, por que diz isso?

- Ele já fez algo muito ruim com alguém que não merecia. Ele não pode fazer isso duas vezes. Você não pode deixar.

- Com quem? Com Gerard?

- Cuidado. Cuidado. Cuidado... - ela repetia muitas vezes seguidas, parecia em transe.

De repente senti minha mão queimar ao segurar o celular o deixei cair no chão. Minha visão embaçou, então fechei os olhos, dei alguns passos para trás e sentei-me na cama. De olhos fechados, vi claramente Gerard no chão, sangrando. Parecia uma cozinha, algo completamente estranho. Um lugar pouco iluminado...

Pisquei muitas vezes, tentando expulsar aquela imagem da minha cabeça. Em vão. O que será que eu tinha descoberto? Será que eu descobri alguma coisa sobre Gerard, finalmente?