A luz do sol invadia o quarto pela pequena janela de alumínio na parede oposta a mim. Os raios que deveriam ser quentes e fresco pareciam frios e melancólicos ao meu ver. Sua luz opaca não iluminava o ambiente como deveria fazer.

A cama abaixo de meu corpo me parecia um mar. Um mar onde eu poderia boiar pela imensidão até cansar-me e por fim afundar na escuridão azulada. Talvez no fundo, bem lá no fundo daquela imensidão eu pudesse achar o que havia perdido ao longo do tempo.

Mas como posso achar algo que nunca soube ao certo o que era? Talvez possa estar errada. Talvez deva trocar o imenso mundo de águas para o topo de uma montanha. E nas alturas buscar entre as nuvens a realidade perdida. Ou talvez tentar fugir da que restou. E com os braços estendidos flutuar como um condor. Cortando as nuvens com minhas asas, mergulhando no anil onde um dia encontrei a paz.

Fazia dois dias desde que acordara. Meu corpo, todo coberto por faixas brancas, doíam ao simples movimento. Tudo o que temia havia se concretizado. Minha mãe perdera seu poder, Janson conseguiu manipular todos dentro desses corredores e laboratórios.

Presa nesse quarto eu estava sendo feita de prisioneira. Sem qualquer contato com o mundo exterior minha mente criava loucuras sobre os meninos.

Na noite passada ouvi uma cientista falando no outro lado da porto sobre minha mãe. Janson estava mantendo-a presa também e não iria parar com o projeto.

Ao ouvir isso minha coluna estremeceu em um arrepio solitário. O homem rato, como os meninos se referiam, iria continuar pelos seus métodos. E isso iria custar muito caro. Ele era louco, iria até o impossível para concluir a pesquisa, mesmo que isso custasse nossas vidas.

A luz do sol começou a bater na ponta da cama e isso significava que minha comida estava para chegar. Com um pouco de falta de habilidade consegui retirar a torneira da pia do banheiro escondendo-a em minha manga.

O barulho de chaves batendo alarmou-me. Dimitri estava ali. Ele era um bom rapaz, novo e genial, mas infelizmente ele estava no meu caminho.

Ao ouvir a tranca da porta e ver metade do corpo de Dimitri dentro do meu quarto fez-me segurar a torneira com mais força.

Sem pronunciar uma palavra o moreno deixou a bandeja em uma mesa ao lado da cama. Aproximei-me dele por trás e sem pensar duas vezes bati o pedaço de metal contra sua cabeça fazendo-o cair no colchão.

Vesti seu jaleco branco para tampar minhas ataduras e manchas roxas. Minha perna direito reclamou quando dei um passo. Maldita perna. Cai sobre ela quando despenquei da montanha. Por simples sorte não havia quebrado, mas o estrago ainda era grande. Parece que eu era a manca agora.

Tranquei a porta atrás de mim e me dirigi ao escritório de minha mãe. Olhando ao redor a cada segundo procurando uma viva alma nos corredores frios. Tropecei algumas vezes em obstáculos mentais até chegar a uma porta de ferro com o nome de minha mãe nela.

Abri sem hesitar trancando-a rapidamente. O escritório branco chegava a doer os olhos. Tudo magnificamente organizado e catalogado. Na parede a minha esquerda exibiam-se mapas do labirinto e alguns cálculos matemáticos. A elegante escrivaninha de vidro ficava bem no meio na sala, como se ela fosse algum tipo de presidente.

Sobre ela estendia-se uma pilha de pastas, cuja a capa chamou minha atenção. Com cuidado puxei a cadeira aconchegante e sentei nela.

A primeiro arquivo vinha com palavras em negrito em sua capa:

Thomas. Grupo A.

Abri a pasta com cuidado. Algumas fotos caíram para o lado. Eram fotos dele criança. Mesmo pequeno Thomas já era desprovido de pais ou qualquer parente mais próximo. Em sua ficha continha informações como tipo sanguíneo, nome dos pais e como morreram. Ambos pelo Fulgor.

Algumas notas de exames também estavam presentes, assim como fichas medicas dizendo que sua saúde estava em perfeito estado.

Guardei as fotos e fechei a pasta colocando-a de lado. A próxima era a de Minho e a de Teresa. Ambos os pais foram mortos brutalmente pelo Fulgor. Os dados de Teresa mostram que seu pai implorou para sua mãe o matá-lo. Ler isso me fez fechar a pasta automaticamente para o lado.

Depois de várias fichas uma me chamou atenção em especial. A minha.

Elisabeth. Grupo A.

As letras penetravam meu cérebro forçando-me a abrir o arquivo. Em minha pasta não haviam tantas fotos quanto as dos outros, havia apenas uma. Eu era pequena, provavelmente uns cinco anos, estava usando um vestido verde e pequenos sapatos brancos, meus cabelos curtos batiam na altura do ombro. Eu estava no colo de um homem alto, de cabelos extremamente escuros, assim como seus olhos. Ele mantinha um sorrido descontraído nos lábios, como se alguém tivesse contado uma piada. O homem usava uma camisa branca um tanto quanto manchada de tinta com uma calça jeans surrada e um tênis.

Segurei a foto com força entre as mãos. Ele era meu pai. Era a única resposta óbvia. Esse homem era meu pai.

Voltando a analisar a foto vi Ava com uma aparência muito mais nova. Seus cabelos loiros estavam soltos e pela primeira vez estava vendo ela sem o vestido branco e o jaleco. Ela parecia... feliz.

A blusa solta e leve batia muito abaixo da cintura e a calça jeans era larga. Em seu colo havia uma criança. Um menino que parecia ter a mesma idade que eu na foto. Ele tinha cabelos lisos e castanhos e usava uma camisa de algum super herói, ou algo do gênero.

Com a mesma intensidade que encarei o homem mais velho eu encarei a criança. Não podia ser possível, ele não poderia ser... meu irmão?

Joguei a foto na mesa e afundei minha cabeça entre minhas mãos. Não pode ser, não poderia ser.

—Eu tenho um irmão? – Sussurei para mim.

Com uma rapidez descomunal agarrei minha ficha e comecei a ler.

Adrien Paige – contaminado pelo Fulgor.

Contaminado pelo Fulgor. Meu pai morreu contaminado pelo Fulgor. Ele ficou doente, ele perdeu sua sanidade. Ele... ele estava morto.

Como eu podia me sentir tão mal por alguém que eu não conhecia, ou pelo menos não lembrava de sua existência.

Continuei a ler a ficha, focando apenas na parte de meu pai. Depois de parágrafos de leitura descobri que ele era um pintor. Ele era um artista e minha mãe uma cientista. Uma tremenda combinação.

Ler sobre ele fazia meu coração doer então pulei para a parte que falava sobre minha saúde, que também não estava muito bem.

Pelo visto eu havia sofrido com o choque de memorias, e isso havia feito minha cabeça pegar fogo. A ficha também dava alguns termos médicos que eu não conhecia, como Esquizofrenia.

Fechei minha ficha guardando a fato no bolso do jaleco. Voltei a olhar os nomes em negrito até achar um que me era familiar.

Edward. Grupo B.

Era aquele menino Ed que ficava me irritando. Abri a pasta, dessa vez não havia nenhuma foto.

Li de relance seus dados até meus olhos se arregalarem tanto chegava a doer.

Nome completo: Edward Paige

Mãe: Ava Paige

Pai: Adrien Paige

Fechei a ficha com força fazendo a mesa tremer.

Não podia ser, não podia.