O mensageiro de Ulmo

Gondolin emergiu por detrás das rochas, bela e branca, feita de pedra. Voronwë suspirou extasiado ao vê-la novamente. A Cidade dos sete nomes! Tão pura era a pedra que a compunha, como uma harmônia melódica, capaz de curar as piores mazelas. Tuor sentiu-se revigorado só de vê-la de longe e quando atravessou o último portão para dentro da cidade, então seu coração parecia saltar pela boca.

Muitos do povo pararam seus afazeres para observar a comitiva que Turgon enviara para escoltá-los desde o terceiro portão. Tuor sentiu-se um pouco incomodado com a atenção, mas seguiu silenciosamente seu guia até que já não fosse possível ter os olhares curiosos sobre si. Eles subiram alguns níveis na cidade, até ao que chamavam de “A praça so Rei”. Era bela e vasta, com jardins e fontes, algumas das casas nobres mais próximas da de Turgon, conforme lhe dissera Voronwë. A Casa da Toupeira, cujo senhor era, Maeglin, o sobrinho do Rei, o construtor do portão de aço, o mais grandioso; A casa da Flor Dourada, governada por Glorfindel ( acreditava-se que de algum modo ele era parente do Rei ). Ele se lembrava vagamente dos outros nomes...

Os guardas os cercaram após entrarem no grande Castelo de Turgon, e os conduziram até o grande salão. Tuor sentiu-se realmente intimidado, pois Turgon estava diante dele, assentado sobre um belo trono de pedra branca, adornada com pedras preciosas, das mesmas que ornamentavam sua bela coroa. O Alto Rei dos Noldor o observou em silêncio, enquanto ele e Voronwë eram trazidos à sua presença. Ao lado de seu trono, estavam dez assentos, estando cindo à sua direita e a mesma quantidade à esquerda. E ao lado dele, de pé estava uma figura alta e bela, seus cabelos jorravam por cima dos ombros como cascatas de ouro. Seus olhos eram prateados, mas ao mesmo tempo pareciam refletir o belo mar. O mesmo o qual ele havia visto em sua viagem. Tuor não soube exatamente quanto tempo passou olhando para o rosto pálido dela, antes que o Rei simplesmente começasse a falar:

— Nevrast... Dizem que ninguém mora lá desde que nossa gente partiu.

Tuor finalmente despertou de seu transe e o olhou, parecendo surpreso, mas adiantou-se ao notar que o rei ainda aguardava por uma resposta.

— Meu senhor... — Ele fez uma mesura. — O que dizem é a verdade. Desertos e frios estão os pátios de Vinyamar. No entanto, é de lá que venho. Leva-me agora ao que outrora construiu aqueles salões.

Turgon assentiu e tornou a indagar-lhe.

— Quem extremamente és? E por que vem à minha casa?

— Creio que tens a resposta para esta pergunta, meu senhor. Lembra-te das palavras de Ulmo? Poderías esquecer o que ele lhe disse outrora: Lembra-te de que a última esperança dos Noldor vem do Mar? Ou ainda: Quando o perigo estiver próximo, virá alguém de Nevrast para alertar-te? Eu sou aquele que haveria de vir e assim estou portando o traje que foi preparado para mim.

Turgon suspirou, não sabia se aquela notícia o deixava inquieto ou simplesmente sem reações. Então Tuor falou novamente e ouviu-se o somo como que o de grandes águas e ele falou com a imponência de um deus:

— “ A ti te digo, filho de Fingolfin: Observe, oh pai da Cidade de Pedra, eu fui mandado por aquele que faz música nas profundezas do Abismo e que conhece a mente dos Elfos e Homens, para dizer-te que os dias da libertação se aproximam. Chegaram aos ouvidos de Ulmo sussurros de sua morada e sua colina de vigilância contra o mal de Melkor. Ele está satisfeito com sua obra, mas seu coração está enfurecido e os corações dos Valar estão furiosos vendo o sofrimento do cativeiro dos Noldor e dos homens; pois Melkor os cercou na Terra das Sombras, além de colinas de ferro. Por isso fui trazido por um caminho secreto, para dizer que deves chamar suas hostes e preparar-te para a batalha, pois o tempo está vindo.”

Turgon movia-se inquieto na grande cadeira de pedra, ouvindo com atenção as palavras de Tuor ou... De Ulmo? Ele sabia que o rapaz não falava por si mesmo, e até mesmo o som de sua voz pareceu mudar enquanto passava a mensagem dos Valar. Sua capa caiu de seu ombro e desapareceu ao lado dele, assim que o mensageiro terminou de falar. O silêncio aos poucos desaparecei, à mrdida que as indagações surgiam. Indagações para as quais Tuor não tinha muitas respostas, agora que sua missão estava concluída, mas então as mãos do Rei se ergueram em um sinal que silenciou a todos.

— Essas palavras não vieram de ti, filho de Huor. — Reconheceu Turgon. — Se não provenientes da sabedoria dos deuses.

Os outros onze Senhores olharam apreensivos para o Rei, mas apenas um deles tomou a palavra, um elfo alto e de longos cabelos negros, muito parecido com o rei, embora seus olhos fossem um pouco mais escuros.

— Meu Senhor... — O elfo o chamou sem olhar para Tuor. — Antes de qualquer decisão, precisamos nos lembrar que Ulmo, o Vala, quem o instruiu a construir Gondolin, que ela deveria ser um baluarte contra a hoste de Morgoth e o poderio de seu império. É difícil imaginar que nossa fortaleza seria tão facilmente destruída.

— Ulmo também avisou acerca de nos apegarmos às nossas próprias obras. — A voz suave, mas imperiosa da princesa Idril retrucou as palavras do primo.

— Eu realmente aprecio seus esforços na política, Princesa, mas seu conhecimento acerca disso é quase tão nulo quanto o de qualquer outra donzela.

Os demais ficaram em silêncio e os lábios de Idril se entreabriram. Seu rosto estava inilegivel, dificilmente se poderia dizer se ela estava ofendida ou se não se importava com aquele comentário.

— Eu estava lá, primo. — Sua voz soou frígida e a última palavra amargou em sua boca.

Um dos outros dez senhores se levantou para falar em defesa da princesa, enquanto outro dizia que Maeglin estava certo. Tuor e Turgon ficaram em silêncio, observando a discussão até que o Rei levantou-se inquieto.

— Chega! — Ele ordenou. — Aprecio a preocupação de todos. Maeglin tem razão, novamente, mas isso não exclui o que Idril, minha amada filha nos fez lembrar. Não podemos nos apegar às obras de nossas mãos. Ulmo me disse essas palavras há muito, muito tempo. E eu não as esqueci.

— Meu senhor... — Idril tentou, mas o pai simplesmente a interrompeu.

— No entanto, Gondolin se manteve de pé por muitos e muitos séculos, e de pé deverá permanecer. — Então voltou seu olhar para Tuor, que parecia ansioso em saber o que seria feito a partir dalí. — Agradeço-te por teu corajoso serviço, mensageiro de Ulmo. Pois muitos são os perigos que se opõe entre Nevrast e o Reino Oculto. Pedirei que preparem aposentos adequados para ti e para Voronwë, teu companheiro. Brevemente discutiremos novamente a respeito de tua estadia e o que será feito a partir daí.

Tuor assentiu, ele não tinha muito mais a dizer. Logo a corte se dispersou e um criado foi designado a acompanhá-lo às hospedagens, no próprio palácio do Rei. Aquilo era estranho, pois ele simplesmente imaginou que poderia ficar em qualquer estalagem na cidade - se houvesse alguma -, mas Turgon fizera questão de tê-lo sob seu teto, chamando atenção para a possibilidade de haver alguma animosidade entre os Elfos que ainda não simpatizavam com a idéia de terem um dos segundos filhos em Gondolin.

O quarto era modesto, embora Tuor pudesse achá-lo demais para alguém que havia se acostumado a dormir em canis ou sob o relento. A cama era extravagantemente macia, e ele perguntou se não caberiam mais dez pessoas alí. O criado preparou-lhe um banho quente e roupas novas, que acabaram por servir-lhe perfeitamente. Tuor possuía o porte de um primogênito, observou o outro elfo. Na verdade, ele facilmente poderia ser confundido com um, não fosse pela barba loira, sempre rasa e por fazer. Mas ele parecia ainda mais com um senhor Élfico após estar devidamente limpo e vestido. Voronwë o encontrou no fim do dia, e informou que o rei o convidara para jantar em sua mesa com sua filha, a princesa e seu sobrinho.

Ele franziu o cenho.

— Eu não sei se deveria...

— E contrariar um pedido do rei?

— Voronwë... — Ele murmurou. — Ainda não entendi o que Turgon vê em mim. Nós acabamos de chegar e ele me chama à sua mesa.

— Bem, você é filho de pessoas muito estimadas pelo Rei. Annael e Turgon eram velhos amigos e Huor passou alguns meses conosco, como já lhe contei. Seu pai o amava, a ele e a seu irmão Húrin. Acredito que ele veja em você a semelhança de seu pai.

Tuor ficou parado diante do espelho e suspirou. Ele não conhecera seu pai e quase não conseguia se lembrar da voz de Annael, seu pai adotivo. Muitos anos se passaram desde que fora separado daqueles que o criaram como seu.

— Eu não sei por quê... Mas não consigo enxergar isso em mim mesmo.

Voronwë sabia o que o preocupava. Tuor ainda era assombrado pelos pesadelos de quando ainda vivia sob a servidão dos lestenses. Às vezes, era preciso obrigá-lo a dormir. Ele se aproximou e deixou a mão descansar no ombro do rapaz.

— Venha comigo, Tuor. Você vai descobrir mais em você do que pensa.

O salão real de refeições era belo e ornamentado com esculturas em pedra branca. A mesa era de mármore branco, perfeitamente detalhada. À cabeceira, estava Turgon, e ao seu lado esquerdo, sua filha, a princesa Idril. Ninguém se assentava do outro lado. Maeglin, estava ao lado da cadeira vazia e a princesa acenou gentilmente para que Tuor se assentasse ao seu lado, enquanto Voronwë iria para o lado oposto, perto de Maeglin. O rei lhes deu as boas vindas e quis saber se precisavam de algo em seus aposentos, ao que Tuor negou veementemente, agradecendo a hospitalidade.

— Não sei se Voronwë lhe disse, Tuor, mas fui amigo de seu pai Huor, e o irmão dele. — O rapaz assentiu. — Ele era quase tão tímido quanto você.

Agora as orelhas de Tuor queimaram e seu rosto ficou totalmente avermelhados.

— Eu soube, meu senhor. E fico honrado em saber disso.

Turgon mostrou-lhe um sorriso sincero e Idril ignorou o fato de que Maeglin revirava os olhos para isso, enquanto cortava furiosamente o bife em seu prato.

— Tuor, chamei-o aqui pois me preocupo com seu futuro. É uma lei de Gondolin que qualquer um que conheça o caminho não seja autorizado a deixá-la.

— Eu compreendo. — Ele baixou o olhar, um pouco nervoso.

— Mas sendo um dos do povo dos Homens, não deveria ser possível mantê-lo aqui.

Todos os olhos se voltaram para o rei naquele momento. Maeglin esboçou um pequeno sorriso, mas continuou fingindo estar focado em seu jantar.

— Meu pai, o senhor não quer dizer...?

— Se acalme, Idril. — Pediu Turgon, tornando a olhar para o homem. — Tuor, eu o convido a viver conosco, em Gondolin. Faça dela sua morada. E se desejar, você tem um lugar reservado em minha própria casa.

O queixo de Tuor caiu e Maeglin se engasgou com o vinho. Voronwë arregalou os olhos espantado, enquanto Idril sorria orgulhosa do senso de justiça de seu pai.

— E-eu? Mas... — Tuor olhou ao redor. — Eu fico extremamente honrado, meu senhor, mas... Eu acabei de chegar. Não conheço os costumes de seu povo, embora acredite que não sejam muito diferentes dos que aprendi com Annael.

— Você terá tempo para aprender. — Disse o rei, estendendo a mão para que ele pegasse. Tuor parecia uma criança perto dele, embora tivesse quase sua altura. — Você aceita minha oferta?

Ele hesitou por um momento, mas então lembrou-se das palavras de Voronwë e estendeu a mão para aceitar o cumprimento de seu novo rei. Um sorriso sincero surgindo em seus lábios.

— Sim, meu senhor! Será um prazer.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.