Quando recobrei o meu campo de visão estava de joelhos, todo o meu corpo parecia arder como brasas. As plataformas haviam retornado até o castelo.

Um gemido de dor e agonia me fez virar em posição de batalha, mas já nem sequer havia forças pra manter a postura. Era o Joka na sua versão mini coringa, ele estava em péssimo estado, toda a sua roupa chamuscada soltava algum tipo de fumaça espessa e havia fios de sangue correndo pelos olhos e boca. Não podia falar muito pois estava praticamente na mesma situação.

— Meu tempo aqui chegou ao fim... — Disse parecendo não me enxergar, mesmo estando na minha frente. — Humilhado. Derrotado... Desonrado... — E assim os seus olhos pareciam ter focado em mim. — Escute bem, seu rato. Escute bem, o som do Reino da Lua emergindo e afogando esse planeta em escuridão!

Ele deu um salto, foi aí que eu percebi o que ele queria dizer. O grande cristal estava rachado bem ao meio, deduzi que na hora que cortei o Joka acabei acertando o cristal também. Ele agarrou a pedra.

— Tudo por você, meu Ghadius! — E num último suspiro ele explodiu a si mesmo levando junto o cristal.

Após a explosão, o silêncio se instaurou por alguns segundos e em seguida um terremoto começou. Tentei recorrer ao Huepow, mas o cristal do anel estava apagado, com certeza eu passei da conta com a magia dele.

Corri até o beiral e o Reino do Sol rugia e soltava um som alto de maquinários trabalhando a todo vapor. Um primeiro feixe de luz saiu por baixo do castelo, forte o suficiente para abrir caminho entre as nuvens e ir direto até o Reino de Jugpot, mesmo daquela distância pode perceber que o disparo estava agitando os mares e rios ao redor. Outro feixe surgiu, mas agora era verde e seguiu até o Reino de Forlock, quando atingiu a grande árvore toda a floresta ao redor começou a brilhar como um farol. O terceiro disparo, mas agora branco foi até Breezegale, acertando o Grande Moinho que ficava no centro do vilarejo, suas hélices começaram a girar numa velocidade anormal, com certeza aquilo faria um grande estrago.

Os feixes não pareciam causar danos e após alguns minutos eles cessaram. Tudo ficou quieto, o mundo parecia segurar a respiração e não sei se era impressão minha, mas as cores pareciam meio desbotadas.

Um som ensurdecedor rugiu alto, minhas orelhas estavam em pontos de explodir. Tentei ver o que estava acontecendo, a terra logo abaixo do castelo começou a rachar e ceder em grandes rachaduras, em seguida algo começou a emergir. Do meu ponto de vista parecia algo disforme, com uma aparência de cristal e subia numa velocidade incrível.

Klonoa! — Uma voz chamou ao longe. Era a Pamela, sua expressão não era das melhores. — Rápido, pule!

Sem pensar duas vezes, me afastei alguns passos para pegar impulso e saltei. Dali eu podia ver o que era a grande coisa que estava eclodindo, era um palácio todo feito de um cristal denso, ele refletia uma luz fantasmagórica e parecia não ter fim, o som de sinos se misturavam com de destruição dando um tom mórbido a cena. A Pamela conseguiu me pegar e voamos em direção a ele.

— Pamela aquilo é…

O Reino da Lua? Sim, ele mesmo e isso é um péssimo presságio, Klonoa. A cada minuto que ele fica em nosso plano, Phantomile corre um grande perigo.

— Mas como?

Esse castelo drena energia vital do planeta para se sustentar. E por isso é o maior catalisador que temos, com a magia certa, Ghadius conseguirá estender qualquer feitiço para o planeta inteiro.

— Pesadelos. — Pensei em voz alta lembrando do que ele havia dito algumas horas atrás.

Quê?

— Pesadelos. Ghadius disse que planeja cobrir o mundo em pesadelos e quer trazer algo muito maior, um tal de Cluster.

Pamela não respondeu, mas senti que ela estava mais aflita. Voamos em volta do castelo que agora estava completamente para fora, em todo o seu esplendor. Quando avistamos uma saliência que serviria de entrada.

Klonoa, vou deixá-lo aqui e buscar ajuda. Por favor, tenha cuidado.

Ela beijou a minha testa quando desmontei de suas costas. Me senti um pouco sem graça com o gesto, mas aquilo me deu um pouco mais de confiança.

— Pode deixar, eu prometo.

E assim ela se afastou voando.

Verifiquei o anel e Huepow ainda estava fora do ar. Respirei fundo, vou ter que me virar sozinho por tempo indeterminado.

— O que pode dar de errado? — Dei de ombros e entrei na fissura.

Em toda a minha vida, nunca vira algo tão belo como o Reino da Lua por dentro. Seu exterior era disforme e parecia não seguir um padrão, mas o interior era lapidado e perfeito. As paredes pareciam feitas de mármore de veios brilhantes com vigas feitas em cristal polido, nada parecia feito de maneira aleatória, não era muito iluminado, mas tinha uma luz própria, fria e sombria. Caminhei sem prestar atenção ao meu redor, os sons dos meus passos ecoavam. Estava hipnotizado por tudo o que via até que uma corrente elétrica me tirou do transe, por pouco não era visto por alguns Moos em armaduras fazendo rondas pelos enormes e sinuosos corredores.

O choque, com certeza, veio do anel. A esmeralda na ponta estava brilhando novamente.

— Huepow? — Sussurrei tentando me esconder o máximo que dava. — Cadê você, cara?

Silêncio.

Achei estranho. Tinha a sensação que ele estava ali sim, mas não queria sair ou falar. Será que ele está irritado comigo?

Decidi deixar um pouco de lado e achar um caminho até Ghadius. Me arrastei até a primeira entrada, haviam dois Moos voadores sobrevoando um pequeno cristal azul, levei alguns segundo pra perceber que o cristal estava fechando uma saída, e outros longos minutos planejando como me livrar dos guardas plumados para poder me aproximar. Disparei um projetil mágico de vento nas paredes para que criasse uma distração e aproveitando a abertura cortei os dois com a lâmina.

Olhei ao redor esperando uma onda de Moos de armadura vindo, mas meu plano deu certo aparentemente. O cristal a minha frente estava firme como rocha e de fato havia uma entrada logo atrás dele.

— Usa o anel.

Huepow disse diretamente.

Eu apontei o anel para o cristal e os dois começaram a brilhar, o cristal começou a esfarelar até se tornar um montinho de areia azul. E sem muitas delongas adentrei só para me deparar com outro corredor exatamente igual ao anterior, andei alguns metros, e após passar por alguns Moos vi uma escada. Fui subindo e rezando a todos os deuses para que nada me visse naquele momento, tive a sensação constante de ser observado, repetia a mim mesmo incessantemente que não era nada.

Chegando no topo da escada tinha uma saída para o lado de fora. Eu tinha esquecido que estávamos num castelo voador. Já estávamos no espaço, as estrelas passavam como pequeno vaga-lumes, até o chão parecia ser feito de um material translúcido, Phantomile parecia diferente com a vista, dava para ver os Reinos como maquetes de brinquedos. Minhas pernas tremeram diante da possibilidade de cair e simplesmente morrer no vazio, porém não podia ficar ali para sempre.

Segui caminho, os Moos que guardavam a entrada quase me viram, mas nada que alguns bons golpes não resolvessem o problema. Do outro lado havia mais uma porta que dava para um enorme salão, lá dentro percebi que havia uma espécie de elevador rúnico cujo os controles estavam presos dentro de outro cristal. Eu disse pra mim mesmo que ali deveria ser muito comum ter tudo preso em rochas e minerais, mas para mim já estava ficando irritante.

— Senhor Huepow! É o senhor mesmo? — A voz me fez virar. Tinha um pequeno ser parado no pé da porta.

Ele era bem pequeno, eu diria que era de Jugpot, mas ele usava um terno tão branco que parecia brilhar na luz fraca da lua. Seu rosto era sereno e se aproximou com certa elegância.

Por um momento pensei que ele havia se confundido, mas ele parecia falar com o anel nas minhas mãos.

— Oh, finalmente! Nós estávamos a sua espera. — Ele fez uma reverencia. Huepow surgiu em sua forma física, sua expressão parecia bem séria e rígida. — Nosso reino foi tomado pelo Ghadius, não conseguimos impedi-lo.

— O quê? Mas como?

— Não fomos forte o suficiente. — Outra voz veio do lado de fora. Agora era uma senhora que adentrava, pelas suas roupas poderia dizer que era alguma espécie de rainha ou governante do Reino. — Ele prendeu a Lephise em um Ovo do Rancor, e está drenando sua energia para transforma-lo em pesadelos.

— Mãe. — Huepow disse se aproximando.

— O quê? Mãe? — Disse mais confuso ainda. Mas eles pareciam ignorar a minha existência.

— Se aquele Ovo do Rancor chocar. Irá libertar Nahatomb, será um massacre se isso acontecer.

— Eu entendo. — Huepow ficou ponderando por alguns segundos. — Mãe, preciso que você mantenha o nosso povo seguro enquanto damos conta disso.

— Só um momento. Eu ainda estou aqui! — Disse interrompendo seja que diabos fosse aquilo. — Huepow, quem é essa mulher e porque você chamou ela de mãe? Os dois trocaram olhares. Huepow ficou em silencio por um momento.

— Klonoa. — Ele disse me olhando no fundo dos olhos. E começou a brilhar e o que era uma esfera começou a tomar uma forma diferente, num flash não era mais o Huepow que eu conhecia, era um garoto, com grandes olhos azuis e pele tão branca quanto a lua, ele usava uma blusa que reluzia uma áurea azul. — Eu na verdade sou o Príncipe do Castelo Cress, o Reino da Lua.

Meu coração começou a bater de uma maneira desregulada, aquilo tudo era uma loucura para o meu cérebro processar.

— Quê... — Eu dei um passo para trás. — Mas... mas...

— Estamos em meio a uma crise e precisávamos de ajuda então criei o lance do espirito do anel como um disfarce. Esse anel na verdade é seu, desde o dia que chegou em Phantomile. Você é um Dream Traveller, Klonoa. — Ele apontou para a relíquia nas minhas mãos. — Há uma razão pela qual eu trouxe até aqui, para tudo isso que passamos... para todas as suas memorias.

Minhas memorias? Mas eu nasci em Phantomile... O que isso...

— Eu queria poder contar tudo. — Ele continuou. — Mas não podia. Quando isso tudo acabar eu prometo, juro pela minha vida, que vou contar tudo.

— Huepow... — Sentia meus olhos arderem. Mil perguntas corriam por minha cabeça, que doía conforme elas passavam. Minha visão parecia turva e escura.

— Só peço que confie em mim. — Seus olhos estavam marejados, talvez fosse pelo tempo que passamos juntos, mas sentia que ele estava falando a verdade. Mesmo escondendo isso o tempo todo. O pequeno espirito se aproximou, pegou as minhas mãos nas suas e com o anel entre elas. — Só mais um pouco. Por favor, nos ajude só mais um pouco... Klonoa...

E agora sentia uma lagrima escorrendo pelas minhas bochechas em brasa. Seus sentimentos estavam transbordando através de mim. Abri um sorriso sem graça.

— Huepow... Do que você está falando? Seja lá o que você fez, sei que deve ter seus motivo. É que tudo isso me deixou pirado, mas... somos amigos para sempre, não somos?

Ele abriu um sorriso e em meio as lagrimas me abraçou forte. Ali sentia que de fato ele existia, Huepow estava ali.

— Obrigado, Klonoa. — Disse com a voz engrolada por causa do choro.

A Rainha se aproximou e também se juntou ao abraço. Seu toque era morno e aconchegante que nem um coberto fofinho num dia frio de inverno.

— Huepow, minha criança. Você encontrou um amigo e tanto.

— E então, vamos logo? — Disse quando nos afastamos.

Huepow acenou sorridente. Voltando para a sua forma de bola espiritual flutuante ele se aproximou.

— Mãe, encontre um lugar seguro e se esconda com o nosso povo. Os mantenham seguros.

A senhora assentiu solene. Mas antes de ser escoltada para a saída ela fez um gesto para que os controles do elevador fossem liberados. Subi na plataforma enquanto Huepow a ligava, enquanto assistia mexer nos diversos botões e alavancas fiquei pensando nas coisas que ele dissera sobre a minha origem, se eu não era dali então de quem seriam as memorias que tinham. Esse anel, como ele seria meu?

— Klonoa, está tudo bem? — A voz do Huepow me tirou do devaneio.

— Sim. Sim. Eu só estava distraído... — Disse tentando esconder minhas inseguranças. — Vamos então?

E com um gesto do espirito o elevador respondeu subindo num solavanco.