The Dream

Capítulo 16


Acordei primeiro do que os meus dois companheiros de viagem.

O peito de Edward continuava a mover-se de cima para baixo com regularidade, portanto ainda estava vivo. É uma pena…

Levantei-me. Fui à floresta. Tinha algum receio de sair sozinha, sempre observando o meu redor a perceber se estava tudo seguro antes de avançar para os arbustos, de onde recolhi as bagas e frutos comestíveis. Utilizei o meu chapéu para reunir tudo.

Ouvi alguns sons vindo de trás das árvores. Voltei-me nessa direção atordoada, mas não vi nada. Andei para trás, sempre de olhos postos nas árvores e de repente, fui puxada. Arfei, quase gritando, mas não pude. Quando dei por mim, estava de costas para a árvore. Uma mão tapou-me os lábios. Olhei para cima, vendo os olhos de Duque, o corpo próximo do meu.

Eu uni as sobrancelhas e ele apontou para o lado direito. Arregalei os olhos, agarrando-me à camisa dele, vendo um urso escuro a passar. Ficamos em silêncio por algum tempo, eu observei a mão de Duque, formando uma fronha no rosto. Coloquei a mão por cima da dele, retirando-a do meu rosto enquanto mantinha contato visual. Não queria aquela mão em cima do meu rosto lindo.

— Porque é que está de pé a esta hora?

— Por isto. – Mostrei-lhe o meu chapéu. – Tinha fome. Não comi na noite anterior e assumi que seria bom termos isto pela manhã.

— É perigoso sair sabendo a situação em que estamos. Sentiu-se segura o suficiente para sair? Porque controla os assassinos? Não terá a mesma sorte com animais selvagens.

— A mesma conversa… – Revirei os olhos e vi o urso cada vez mais longe. – Não me faça perder o meu apetite com insinuações descabidas. – Empurrei-o, passando por ele para me dirigir para a casa abandonada.

Sentei-me no chão e comi as bagas. Duque também se sentou, encostado a uma parede, olhando para Edward.

— Quer? – Ele passa o olhar entre o chapéu e eu. Vira o rosto.

— Não. – É seco e eu continuo a deleitar-me. Oiço a barriga dele a roncar e ele limpa a garganta.

— Deveria ser mais honesto. Se tivesse veneno, eu apenas lhe daria o chapéu a si, Duque Granville. Mas não estou interessada em matar-lhe. Mesmo que não acredite em mim, eu quero agradecer a pessoa que me ajudou a escapar. Poderia ter morrido.– Agachei-me perto dele, estendendo o chapéu. Volta a olhar para mim antes de tirar uma mão cheia.

Aproximei-me de irmão Edward, vendo de perto que estava a respirar melhor. Coloquei as bagas, uma a uma nos lábios e ele foi aceitando. Abriu e fechou os olhos, mastigando lentamente. A comer da mão da pessoa que odeia. Não me deve estar a reconhecer para estar a aceitar de tão bom grado. Não levantei o olhar para encarar Duque Granville que estava concentrado na nossa situação.

Quando Edward abriu os olhos por completo, deu-me um estalo na mão, derrubando as frutas todas para o chão.

— Não me toque, sua suja. – diz com a pouca força que tem. Vontade e garra nunca lhe faltou.

Fiquei de pé. Fiquei com o maxilar tenso e apertei os punhos. Com Duque Granville a observar, apenas me afastei, recolhendo as frutas todas para colocar de volta no meu chapéu. Agora estava tudo sujo. Entre o sangue, o bolor e tudo o resto. Que desperdício de comida.

— Deveríamos regressar à mansão Stirling. Não tenho os cavaleiros. Não sabemos se nos seguirão até ao Sul. Quanto mais longe estivermos de casa, pior será. Temos de voltar e reportar a situação.

Decidiu Duque Granville e nós não dissemos nada. Uma viagem até ao Sul e Edward não aguentaria. Eu também preferiria voltar para um lugar onde pudesse possivelmente estar mais segura. Galopamos nos nosso cavalos, de volta para a mansão Stirling. Fomos por um caminho diferente, conhecido pelo Duque até à mansão.

Eu suspirei de alívio por estar de volta. Estava congelada, a tremer e espirrei algumas vezes antes de descer do cavalo com ajuda.

— Filho! – grita Marquesa, abraçando irmão Edward.

Os cavaleiros de Edward estavam aqui, tinham explicado a situação. Estavam todos em volta de Duque e meu irmão Edward preocupadíssimos. A Marquesa fazia imensas perguntas e chorava por ver filho Edward ensanguentado e irmã Theresa abraçou Duque, estando com o corpo todo tremido. Fomos todos para dentro da mansão.

No cimo das escadas, estava Isaac. Ele tem uma expressão facial triste. Não desce os degraus. Eu sinto-me confortável em ver o rosto austero dele. Custa-me a subir as escadas com a dor de pernas e os pés doloridos de tanto tempo a utilizar sapatos de salto alto. Ele espera que eu o alcance. Assim que ficámos frente a frente, ele não hesitou a abraçar-me. As mãos de Isaac estavam tremidas. A respiração pesada. Demoro a retribuir, mas assim o faço, envolvo os meus braços à volta dele. De uma das poucas pessoas que me encara como um ser humano. Fecho os olhos, agradecendo o conforto que sinto nos braços dele.

— Rezei muito, demasiado, senhorita Eleanor! – disse Kayin enquanto esfrega a sua bochecha contra a minha. Alika está também abraçada a mim e eu tinha dificuldades em andar, pois ambas estavam abraçadas a mim com força. – Aí Deus Misericordioso! Seja louvado até ao fim dos seus dias!

— Foi uma barracada. Nem chegamos a metade e tivemos de voltar para trás. – suspirei. – Podem por favor preparar-me um banho quente? Estou a precisar. Sinto-me imunda. – Atirei-me para a cadeira, retirando os sapatos de forma desordeira.

— Vai já a sair! – Kayin corre para a casa de banho.

Alika acaricia-me o cabelo até ter o banho pronto.

Assim que acabo, visto a minha roupa da noite, desta vez um vestido de cetim negro, um roupão roxo de pelo ficando com o cabelo totalmente encaracolado molhado, acabado de ser hidratado a cair sobre o rosto e o peito. Quando estava prestes a ser trançada, bateram à porta. Kayin foi abri-la enquanto estava com o cabelo a ser escovado por Alika.

— Senhor Granville?

Sou surpreendida pelo reflexo do homem a entrar dentro do quarto.

Levanto-me da minha cadeira, voltando-me para ele.

— Deixem-me a sós com a madame Eleanor. – manda e elas trocam olhares. Olham para mim e eu suspiro fundo, mas faço um gesto para me deixarem a sós. Não aprecio que ordene as minhas empregadas pessoais, mas abro a exceção por ele, pois era uma situação pouco usual.

— A que devo a sua visita a estas horas? – questionei, sendo assertiva. – Não é que não o queira ver, mas já passamos demasiado tempo juntos, não acha?

— Fiquei incomodado. – diz e eu uno as sobrancelhas.

— E o que tem isso a ver comigo? Sempre ouvi dizer que deve ter uma boa comunicação de casal. – Virei o rosto, sendo direta. – Não me interessa o que pensa ou deixa de pensar, mas com certeza a minha irmã gostará de ouvir.

— Eu vejo a forma como a sua família lhe trata. Suponho que tenham um historial longo. Busca vingança.

— Muito bem. E o que quer que eu lhe diga? Quer que lhe confirme? Penso que já tivemos demasiadas conversas juntas. Gostaria de continuar a ser educada, mas está a atravessar a linha. Gostava de me dar bem consigo, mas não o tolero. Desapareça da minha frente. – Fui mais direta, tinha o corpo a ferver e cerro o maxilar, observando os olhos dele sem hesitação.

— Então o que busca, senhorita Eleanor?

Eu olhei para baixo. O que busco? O que interessa? Penso que seja felicidade… Há quanto tempo não ria ou sorria de forma genuína? Felicidade… Será mesmo? Se eu quisesse ser feliz, não teria pegado em todo o dinheiro que tinha reunido e desaparecia daqui com as minhas empregadas e com os meus cavaleiros? Não estaria aqui. Isso sim seria libertador comparado com um ambiente de elevada tensão e de sufoco total.

— Não lhe culpo pela forma como age. Não sou Deus. Não tenho esse poder de julgamento.

— Então deixe de falar e saia do meu quarto. – Cruzei os braços, encostando-me contra a mesa do toucador.

— Ouvi falar sobre a sua mãe. Aproximou-se do Marquês de Stirling na esperança de ser uma nobre e receber imenso dinheiro. Engravidou e teve-lhe a si, a bastarda.

— Dinheiro? Foi a versão que lhe contaram? Deve ter sido Edward.

— Em todas as situações existem diferentes perspetivas. Qual é a sua versão?

— Porque é que lhe irei contar? Vou desperdiçar o meu latim em alguém que não me interessa.

Ele cerra o maxilar. Tem uma expressão de tristeza, parece que tem pena de mim. Mais outro olhar que eu detestava ter em cima de mim, diferente de olhar de Edward e de Marquesa, mas tal e qual enervante.

— Vá-se embora. Já lhe disse! – Dei um passo à frente, respirando fundo. O meu tom de voz mais elevado do que esperava.

— Eu…

— Não quero ouvir. – Passei por ele, abrindo a porta. – Peço-lhe com educação novamente.

Ele demorou a movimentar-se. As minhas empregadas não disseram nada, mas ficaram sobressaltadas pela repentina abertura da porta. Não olhei para ele uma única vez, vendo apenas os pés a pisarem finalmente o corredor. Alika e Kayin observaram-me e eu fiz um pequeno sorriso, antes de fechar a porta sem me trançarem o cabelo.

A minha mãe em busca de dinheiro… Que brincadeira insultuosa.