Merlin queria estar em qualquer lugar menos onde estava agora.

Por um lado, Merlin até queria que Mordred sofresse. Sim, ele tinha infligido a lei e causado várias complicações. Uma parte de si até queria não ter falado, deixado o menino morrer. Porém, do que isso adiantaria? Somente afastaria mais ainda Arthur e Mordred, e pela primeira vez, Merlin não achava que isso seria uma boa ideia.

Por outro… Ele podia suspeitar o quanto quisesse de Mordred, mas isso não queria dizer que ele queria ouvir enquanto os - supostos - antigos amigos dele planejavam o que fazer com ele porque ele havia ajudado a quem amava.

Cada sugestão o deixava mais revoltado que a anterior. Certo, Mordred merecia pagar pelo que fizera, mas e tudo que ele fizera antes? Todo aquele tempo que ele passara com os outros cavaleiros parecia não valer nada agora. Como nenhum deles interviu pelo garoto? Nem tentaram argumentar, pedir para Arthur resolver isso de outro jeito?

Claro que no final Leon e Gwaine tinham falado a favor de Mordred, mas isso só tinha ocorrido depois de Merlin implorar a Arthur. Eles já estavam preparados para matá-los.

“Podemos dizer que Mordred foi enfeitiçado pela garota” sugeriu Arthur para os cavaleiros da távola redonda. Só havia eles, Merlin, Gwen e Gaius no local.

Merlin sentiu-se enjoado. Sabia que a ideia de espalhar que Mordred não agira por escolha própria seria a melhor para o druida, mas a ideia de colocar a culpa na mágica quando o problema não tinha a ver com isso o lembrava demais de Uther. Mordred agira de livre e espontânea vontade.

A verdade é que a situação com Mordred o lembrava demais de si mesmo, de quando se apaixonara por Freya. A única diferença é que ela tinha morrido antes que eles conseguissem fugir e que ela não era responsável pelos seus atos violentos. Merlin pergunta-se se era assim que as coisas teriam sido resolvidos caso eles houvessem sido descobertos.

A mera ideia de culpar Freya pela sua decisão de fugir enfurecia Merlin. Fingir que estava tudo bem agora que a perigosa feiticeira fora capturada. Passar o resto da vida ouvindo as pessoas comentarem, simpatizarem com ele pela situação que ela o fizera passar, quando no fundo ele sentiria falta dela o tempo todo.

De alguma forma, ele imaginava que Mordred também não fosse ficar feliz.

“Mas ele ainda terá que sofrer alguma punição, senhor” interferiu Leon com uma voz de diplomata. Merlin conseguia entender por que ele defendia isso, ele mesmo queria que Mordred sofresse algo, para não fazer isso novamente; ainda assim o fato dele ser tão insistente em aplicar uma punição para aquele que até um dia atrás era um dos seus melhores amigos irritava Merlin.

“Mas o que devemos fazer?” perguntou Gwen. Sua voz era firme, mas Merlin notou a tristeza por baixo dela. Ela não estava gostando de nada disso.

“Se formos com a ideia de que ele a enfeitiçou, não pode ser nada público” acrescentou Gwaine. “A menos que seja algo simples, que possa parecer uma punição por algum delito menor, como se encontrar com ela sem dizer a ninguém em meio a patrulha, mas sem saber que ela tinha mágica”.

Bem, era somente justo que ele sofresse uma punição dessa, pensou Merlin. Mordred tinha de fato a encontrado no meio de uma patrulha sem contar a ninguém. Porém isso não o impediria de fazer novamente.

“Merlin?” questionou Arthur de repente.

“O que foi?”

“Você sempre dá opiniões. Mas está calado hoje” observou o rei.

“Não é meu lugar, Arthur, decidir o que irá acontecer com Mordred” disse Merlin, não querendo se envolver mais nas coisas.

Arthur franziu as sobrancelhas para ele, achando estranho a resposta. Merlin sempre tinha uma opinião e raramente a deixava de dar porque não seria apropriado para um servo. Pelo visto, não foi o único que achou estranho, porque os outros presentes - menos Gaius - também encararam o amigo estranhamente.

“Mais vinho?” perguntou Merlin desconfortável e não esperou a resposta, agarrando-se a taça de Arthur. Voltou com o copo cheio.

“Não sei o que podemos tirar de Mordred” disse Arthur e coçou os olhos, cansado. “Ele deverá passar um mês sem poder treinar, confinado nos seus aposentos. Espero que esse tempo solitário o faça repensar nas suas lealdades. A história que deverá ser contada para os outros é que ele está doente, fraco demais para treinar. Eu tenho certeza que Gaius pode inventar alguma doença”.

Arthur já tinha lido uma vez que a verdadeira prisão era ser isolado de tudo, saber que o mundo estava mudando mas sem ser capaz de presenciar. Talvez isso fosse sofrimento suficiente para Mordred, saber que perdera tudo. Teria que bastar, pois era a única coisa que o rei conseguia pensar em tirar de Mordred - o menino não tinha parentes ou outros amigos fora os cavaleiros, pelo que Arthur sabia, não possuía riquezas e sua punição não poderia ser física (ou as pessoas iriam comentar).

O físico assentiu, impassível. Havia várias doenças que poderiam ser usadas nesse caso.

“Você vai deixá-lo continuar a ser um cavaleiro?” Perguntou Leon espantado.

“Não tenho escolha” replicou Arthur. “As pessoas não podem saber do que aconteceu”. Elas podiam começar a duvidar da força dele ou até mesmo tentarem machucar Mordred - e por mais que Arthur estivesse com raiva dele, isso não seria certo.

Todos ficaram em silêncio por alguns instantes, ninguém sentindo a vontade de falar. A verdade é que ainda não tinham conversado sobre o que Mordred fizera e como isso os tinha afetado. Sabiam que precisavam discutir sobre isso, porém era mais fácil não falar.

“Eu não acredito que ele fez isso” falou Percival por fim, inesperadamente quebrando o silêncio.

“Depois de toda honra que ele recebeu... ” Arthur comentou.

Mas do que serve honra se você não pode nem revelar quem é? Pensou Merlin amargamente.

“Se ele amava a menina tanto assim, por que ele não simplesmente pediu para você ajudar?” falou Gwaine, não questionando o rei, mas pensando em voz alta. Nisso, Merlin lançou um olhar acusador para Arthur. O rei evitou o seu olhar cuidadosamente. “Merlin? Arthur?” Gwaine interrogou.

Merlin nada disse, deixando para o rei revelar se queria falar algo.

“Mordred me pediu ajuda” admitiu por fim. “Ele queria que eu poupasse a vida de Kara. Eu tentei falar com ela, mas ela continuou a me desafiar publicamente. Ela escolheu ameaçar Camelot”.

“Você não pensou em falar com ela antes de a interrogar publicamente novamente? Talvez até chamar Mordred para manter as coisas mais calmas?” perguntou Gwaine incrédulo.

“Arthur não tem o dever de fazer isso” interrompeu Leon.

“Não, mas seria uma demonstração de inteligência” murmurou Gwaine. Arthur tinha um prazer em não pensar em consequências.

“Nada disso importa agora” falou Gwen.

“A reunião já acabou?” interrompeu Merlin. “Tenho muitas tarefas para fazer ainda”.

Arthur encarou o servo confuso. Não lembrava de ter dado mais tarefa do que o normal, certamente nada que precisasse ser feito nessa pressa. Mas do que adiantaria forçá-lo a continuar ali?

“Pode ir” falou.

“Senhor, com a sua permissão irei também” pediu Gaius e saiu junto a Merlin quando o rei assentiu.

“Merlin está meio estranho” comentou Leon. Sabia que não eram muito próximos, contudo ainda assim se conheciam há anos, o suficiente para ver que algo estava o distraindo.

“Ele não deve ter levado muito bem o fato de Modred ter traído a todos, Merlin sempre confia demais nas pessoas” disse Gwen, mas tinha um tom orgulhoso na sua voz.

“Não pode ser isso” descartou Arthur. “Ele não gosta de Mordred” disse levianamente, não esperando ver as caras confusas que recebeu.

“E por que é isso, princesa?” perguntou Gwaine.

Arthur pareceu confuso pela pergunta, como se nunca tivesse parado para questionar o fato de Merlin não gostar de Mordred.

“Não sabia que os dois tinham algum tipo de problema” comentou Gwaine. “Merlin gosta de todo mundo. Por que não de Mordred?” questionou, um pouco culpado. Nunca tinha percebido o desgosto do seu melhor amigo em relação ao seu outro amigo. Talvez estivesse passando tempo demais com Arthur.

O rei parecia estar vendo algo de outro mundo quando encarou Gwaine. Nunca tinha pensado assim.

“Arthur, me diga que você pensou em perguntar a Merlin a razão?” falou Gwen, mesmo sabendo a resposta antes de falar.

“Sempre achei que não fosse nada sério” Arthur deu de ombros. “Achei… bem… que ele estivesse com ciúmes de Mordred” falou baixo, realizando o quão idiota tinha sido em pensar nisso. Merlin nunca tinha ciúmes, de nada, porque o menino simplesmente não queria nada para si. Ele era a pessoa menos gananciosa que Arthur conhecera.

“Eu e Gwaine ouvimos os dois discutindo. Mas foi só ontem… Não tive tempo para pensar sobre isso. Pareceu uma discussão séria” falou Leon.

Gwaine arregalou os olhos. Como podia ter esquecido disso? Certo, aconteceram muitas coisas depois, porém na hora ele achara tudo bastante estranho. Merlin e Mordred estavam certamente numa posição estranha e estava óbvio que o mais novo estava ameaçando o servo. O que foi mesmo que ele falará?

“Dessa vez, você foi…” Gwaine citou em voz alta. Ele concentrou-se, tentando lembrar-se. ”Longe demais. Você vai pagar, Merlin” recitou Gwaine. “Era isso, Leon?” o outro assentiu. “Essas foram as palavras que Mordred falou para Merlin quando o encontramos. Ele parecia estar sendo sincero”.

Arthur sentiu uma raiva irracional invadi-lo. Como alguém se atrevia a ameaçar Merlin assim? Ninguém jamais tocaria no seu servo e sairia vivo depois. Arthur iria até o inferno para fazer a pessoa que machucasse Merlin pagar.

Instintivamente, sua mão estava na espada. Pensou em jeitos que poderia acabar com Mordred. Não importava mais quem o menino era. Arthur já tinha o perdoado demais para ignorar uma coisa dessas. Merlin e Guinevre eram tudo de mais precioso que ele tinha. Merlin era o seu inteiro mundo, se fosse honesto. Não conseguia nem mais lembrar de como era a vida antes do menino desajeitado chegar a Camelot.

“Nada disso faz sentido” comentou Percival. “Dessa vez? O que ele estava falando?”

“E por que Merlin o ajudaria depois de ter sido ameaçado?” Gwen falou confusa. “Eu conheço meu amigo, sei que ele tem um bom coração. Mas não é só isso. Tem algo que não percebemos” disse, preocupada. Sabia que mesmo estando com sérios problemas, o amigo jamais pediria ajuda. Ainda assim, precisaria dar um jeito de descobrir o que estava acontecendo ou pelo menos ter certeza de que ele estava bem.

“E temos um problema. Acredito que os únicos que sabem o que está acontecendo são os dois” falou Leon. “Mordred não irá dizer nada sobre isso. Talvez antes… Precisamos fazer Merlin falar” disse hesitante.

“Merlin não irá falar” disse Arthur com total certeza. Seu melhor amigo conseguia ser bem fechado quando queria e parecia que quando o assunto era Mordred isso ainda era ainda pior.

“Eu vou falar com Merlin” disse Gwaine decidido. Não havia como esquecer o assunto e realmente era o melhor caminho que podia seguir. ”Só não agora. Por enquanto podemos ficar de olho para ver se descobrimos algo” falou, mesmo odiando dizer as palavras. Sentia que estava traindo a confiança do amigo, porém o que podia fazer? A única coisa para qual Gwaine não confiava em Merlin era que o menino fosse pedir ajuda quando precisasse para si.

Todos concordaram, sentindo culpa. Merlin sempre estava lá para eles, os ajudando mesmo quando qualquer outra pessoa desistiria, e o que eles fizeram por ele quando ele fora ameaçado? Nada.

Também estavam curiosos, tentando entender por que Mordred ameaçou Merlin. Não parecia ser nada ligado a Arthur, mas o que mais poderia ser? Merlin era só um servo, afinal.

Arthur dispensou o conselho, sentindo-se imensamente cansado. Essas últimas horas foram uma confusão. Sentia que não conseguia entender mais nada, nem acreditar em ninguém. Até Merlin parecia estar envolvido em algo perigoso e Arthur não tinha nem ideia do que era.

Guinevre se aproximou do marido, ficando em silêncio por um bom tempo. Sabia que ele precisava desse momento de solidão e ela mesma estava aproveitando o silêncio. Merlin também era seu amigo e ela se preocupava com ele, assim como também gostava de Mordred. Atualmente, a vida em Camelot não estava sendo muito agradável.

“Não se culpe, Arthur” disse Gwen. “Você não podia ter feito nada diferente”.

“Eu sou o rei de Camelot. Eu devia saber o que acontece no meu reino” Arthur falou, mesmo sabendo que Gwen conseguiria ver o que estava por baixo das palavras. Como não conseguira ver quem Mordred realmente era? Por que Merlin não confiara nele para contar o que estava acontecendo?

“Nenhum rei sabe de tudo” disse Gwen com um sorriso. “Mas vamos descobrir o que está acontecendo” prometeu ela.