A vida nem sempre é fácil. No reino dos andantes, é que ela não é mesmo. Os zumbis estão por toda a parte, pequenos andarilhos que em conjunto compõem um mundo mórbido, onde a vida é artigo de luxo. Isso é o mundo segundo Ricardo, afinal, já faz 5 anos desde que tudo começou e não foi capaz de encontrar nenhum humano como ele. Nesse tempo todo, viveu junto de seus fantasmas e medos, lutando para que não fosse como os outros, que partiram pra outra (nesse caso, a morte, algo que se tornou muito mais normal agora).

Ricardo Souza, esse era o seu nome. Passava a maior parte do tempo fazendo mapa dos lugares por onde explorava, afim de seu trabalho servir para algo no futuro. Quando tudo começou, ele morava em São Paulo, e a cidade que nunca dormia agora era um "formigueiro" dos andarilhos, haviam deles para todo o lado, e apenas os mais espertos humanos pensariam em modos de se esquivar deles e se sair bem.

O sobrevivente resolveu viajar para o interior do estado com o seu humilde Corsa 2005, um carro nem tão novo, mas que devido ao zelo do proprietário ainda andava, mesmo que em alguns momentos desse pau e a coisa ficava complicada para o Ricardo. Solitário, ele era responsável por si mesmo num lugar onde haviam zombies por todo o lado.

Sua vida sempre foi um saco. Ricardo era professor de Biologia, e sempre foi fissurado em ficção científica e em lances de sobrevivência, pois não duvidava das possibilidades de acontecer uma pandemia. Nunca fora bem-sucedido profissionalmente, e nem amorosamente. Suas ex-namoradas o achavam maluco e fora desse mundo. E todas estão agora mortas, por não acreditarem no que "o doutor da vida" as havia dito.

Ele também tinha uma filha, e essa lhe traz ainda muitas mágoas. O porquê disso você irá ver agora:

~FLASHBACK ON~

Cinco anos atrás, cidade de São Paulo

— Sofia, nós somos muito sortudos! Nossa casa foi construída a sete chaves. Sempre fui muito preocupado com a segurança, e com os últimos estudos que andei pesquisando, um vírus perigosíssimo está se desenvolvendo em vacas. E estou com medo de que esse vírus afete também os humanos. - afirmava Ricardo

— Pai, o senhor tem razão. Mesmo que todos falem mal de você, sempre é bom se proteger. Até mesmo desses vagabundos que ficam no meio da rua, nem aí com a vida! - afirmava a garota.

Sofia Souza tinha 16 anos e era uma garota como as outras, vaidosa, estudava um pouco, e gostava de ficar em casa para ler livros. Tem cabelos loiros, um rosto bonito e macio para uma adolescente na flor da idade, de estatura média para uma garota da sua idade. Ela gosta de histórias de ficção, e vivia imaginando novas aventuras. Além dessa peculiaridade, também era muito carinhosa com o seu pai. Ajudava-o dentro de casa e toda hora estava, curiosamente, vendo os trabalhos que o fanático por sobrevivência fazia.

— Pena que todos não acreditem na minha história.

Meses depois, casa dos Souza

— Espectadores, escutem com atenção! Há dias, um tipo de supervírus está atacando alguns humanos, trazendo sintomas muito peculiares, como lerdeza, incomunicabilidade, palidez extrema, além de um andar bem torto. Fiquem atentos, e aqueles em que condizer esses sintomas, preste ajuda por favor! Trata-se de uma doença muito torturante! - avisava a apresentadora de um noticiário na TV

— Nossa filha, a porra aconteceu! E todos não tem consciência de que se ajudarem, estarão fritos! Temos que avisar nossa família e amigos o quanto antes.

— Claro pai! Temos que falar com vovó, e também com minha melhor amiga! - falava travando a jovem

— Pode deixar que falarei com sua avó. Com sua melhor amiga, só pelo telefone. Nada de sair de casa! - gritava nervosamente o pai

— Mas pai - respondeu triste a filha

Um pouco tempo depois a campainha havia tocado. Era Viviane, a amiga da Sofia. A garota batia sem parar, e sua colega estava chegando à porta, logo depois a abrindo.

- Viviane! Você está bem!? - falava desesperadamente Sofia

— Sim, até que estou. Você ouviu o noticiário, né? Lá em casa, meus pais estão doentes. Estou tratando deles, eles estão muito mal. E você e seu pai estão bem?

— Vi, você precisa sair logo de sua casa. Infelizmente seus pais não vão sobreviver.

— Você está louca? Que história é essa? Não vou deixar eles doente e sós em casa! Não mesmo!

— Meu pai estudou a anos sobre esse vírus que agora atacou as pessoas. Ele é tipo o apocalipse zumbi dos livros de ficção!

— Você está pirando! Seu pai é um doido, ele não é de confiança. E você vive no mundo da lua. Não me diga o que fazer, tchau, não vou ouvir mas essa merda! - e saiu com tudo a garota, de cabelos escuros, baixa e com muita raiva

— Mas Vi... - pigarreoou Sofia, desapontada e afetada. Acabou caindo ao chão. Atrás dela, a porta se abriu, e seu pai correu para levantá-la.

— Filha, o que aconteceu? Você foi mordida? Você foi mor-di-da? - entonou seu pai

— Não, pai. Vamos entrar, eu te explico.

A porta se fechou, então Sofia explicou ao pai o que aconteceu.

— Ela não ouviu nada do que eu falei pai!! Porque!? É tão difícil de as pessoas entender? - Sofia estava revoltada

— As pessoas estão acostumadas a acharem que podem se virar com tudo. Mas esquecem que a natureza é um gigante e é capaz de fazer acontecer tudo.

— Todos são tolos. A Vivi é uma burra! Espero que ela possa se defender dos pais dela. Vou deitar agora, estou cansada. - despediu-se do pai, deu dois beijos nele (um em cada lado), entrou no seu quarto e caiu na cama.

— É filha... Nem sempre as coisas são como queremos. - e silenciosamente, entrou no seu quarto e passou horas em sua excêntrica pesquisa.

Os dias foram seguindo. Ricardo e Sofia com costume viam as cenas horrorosas que se passavam na TV, relatos de que cada vez mais pessoas estavam doentes, e a coisa não melhorava nunca. E, inocentemente, ainda acreditavam que esse acontecimento pudesse ser revertido, e tudo voltasse a ser como antes. Não foi o que aconteceu.

Dias depois, casa do Ricardo

— Depois de cinco longos dias esperando o que pode acontecer, a gente fica aqui, sem conseguir fazer nada para ajudar o outro. - dizia tristemente Ricardo para sua filha, que estava a poucos metros deitada na sala.

— Pai, acho que estou me sentindo mal!

O cara andou até a menina e se desesperou.

— Filha, você está pálida! Não me diga que foi... infest... ada. - e caiu, chorando muito.

— Acho que é isso que está pensando, pai. E quando eu virar, você sabe o que, faça o certo! - dizia em tom baixo, mas firmemente.

— Nãããoooo, porque você filha, nós tínhamos de tudo para conseguir se virar e muito bem disso tudo. Logo você...

— Nós não vamos nos virar, mas você sim. Boa sorte na sua jornada. Adeus.

Horas se passaram. A querida filha de Ricardo ainda estava lá, deitada e viva. Porém, prestes a morrer. E depois de algumas horas, aconteceu. Por todo esse tempo, seu pai estava chorando, conversando e olhando para sua filha. Ele sentia como se o mundo tivesse caído em suas mãos. E era o que estava acontecendo. Naquele momento, queria deitar, cair e se estraçalhar, para ele ficar ali caído depois da morte de sua filha, era a única coisa que podia fazer.

Cinco minutos depois, sua filha despertou, já pálida e com olhos sem nenhuma expressão.

— É, filha. Vou viver, mas não vou te esquecer. - correu para a cozinha, abriu os vários armários do cômodo e achou um facão. Andou, calmamente, até chegar a sala.

— Nós nos vemos qualquer outro dia, em outro lugar que não seja esse. - e esfaqueou, lateralmente na cabeça a garota loira e com a qual tinha muito afeto.