Phillipe relinchava claramente descontente com o vento mórbido que balançava as árvores da floresta, mesmo sendo noite de lua cheia ela estava encoberta pelas nuvens de tempestade que escureciam cada vez mais a noite fria. Maurice estava viajando fazia um dia e meio, pelos seus cálculos ele deveria chegar na cidade da feira no começo da tarde do terceiro dia sendo que a feira só começaria no próximo. Deveria ser uma viagem simples de dois dias e meio, entretanto diferente das outras vezes que tomou aquele mesmo caminho, naquela noite especifica a floresta parecia se fechar entorno da carroça do homem, os relâmpagos e trovoadas só ajudavam Maurice a se sentir ainda mais perdido no meio da noite tempestuosa.

— Que floresta adorável. Não é mesmo, Phillipe? Só gostaria de reconhecê-la… – Disse o homem olhando em volta um tanto apreensivo torcendo para que os relinchos do cavalo significassem que, pelo menos, ele reconhecia o caminho. - Você sabe onde estamos, Philipe? Porque eu não faço a menor ideia. Acho que erei na curva...

Poucos minutos depois um relâmpago cortou o céu e ao atingiu uma árvore logo a frente dos viajantes, iluminando toda a floresta com a explosão. A árvore agora em chamas não resistindo tombou impedindo a passagem da carroça.

— Calma Philipe! Está tudo bem! Tudo bem. - Gritou Maurice puxando as rédeas e tentando controlar o animal assustado. - Isso calma, está tudo bem. - Continuou tentando amansar o cavalo enquanto olhava o caminho bloqueado e tentava encontrar uma saída.

Claro que o homem poderia voltar, o que definitivamente era a melhor opção considerando que sua filha estava sozinha em casa, mas fazia anos que ele não participava de uma feira de inventores. Tinha sido Hermione a encontrar o edital informando sobre a feira e seus pré-requisitos necessários para participar do evento, ela vinha lhe incentivando e ajudando nos projetos fazia meses. A filha queria participar e viajar, mas Maurice nunca permitiria que ela fosse visitar uma cidade grande, ele não podia permitir que descobrissem o que sua preciosa criança era, não arriscaria. Não podia, não quando já havia perdido sua esposa, ele não perderia Hermione também. Entretanto, não teve que esperar muito para ter a resposta de seu dilema, à direita, entre as árvores, um caminho que não estava lá antes se abriu.

— Sim, podemos ir nessa direção. - Continuou conversando com Philipe. Vamos em frente, pela direita, é um atalho. - Incentivou o cavalo a voltar a se mover. - Isso, firme. Vamos em frente! - Afirmou animado. - Quando um caminho se fecha outro se abre.

Sim, era um caminho novo. Novo e um tanto quanto estranho, o vento seco e gelado soprava lenta e calmamente, muito diferente daquele que a minutos atrás prometia uma intensa e revoltosa chuva quente de verão. Era como se as folhas das árvores, que balançavam com a brisa gelada, sussurrassem coisas que o homem não podia entender.

— Tudo bem, garoto. É apenas um pouco de neve… Em Junho. – Maurice estava confuso e um alerta no fundo de sua mente se acendeu, mas o homem preferiu ignorar sua desconfiança e conforme avançavam na nova estrada, mais o frio e os flocos de neve se acumulavam ao redor. - Cuidado onde pisa, esta escorregadio. - Alertou a Phillipe que estava mais inquieto que antes, puxando as rédeas bufando e relinchando descontente, claramente querendo retornar. Diferente do homem o cavalo sentia o cheiro da magia no ar e sabia que não eram bem-vindos.

O alerta e a angústia só cresciam, o inventor sentia que estava sendo observado e quando olho por sobre o aclive viu um grande lobo cinza com as cruéis presas a mostra enquanto rosnava ameaçador, reconhecendo–os como alvos

— Vamos, Philipe, corra! Vamos lá! Vamos lá! - Gritou o homem em desespero ao ouvir o uivo longo e penetrante do animal. Era uma convocação para a caçada e eles eram a presa.

Cinco novos lobos brancos e cinzas se juntaram ao alfa, que corria emparelhado à carroça no aclive esquerdo da estrada, dois no aclive direito e três atrás. Surgiram como sombras na noite, vindos de lugar nenhum com seus rugidos cruéis que prometiam nada além de sangue.

— Vamos lá, Philipe! Corra! Corra! - O homem forçava o amigo ao máximo, mas foi a carroça que começou a ceder, as estruturas de metal começaram a partir.

As feras surgiram a frente encurralando-os, mas antes que pudessem atacar, à carroça se partiu com um estrondo de metal se retorcendo e rompendo. Philipe apenas continuou em disparada sendo seguido pelos lobos já Maurice foi lançado em uma árvore próxima. A queda fora tão forte que tinha expulsado o ar dos seus pulmões, mas o inventor não tinha o luxo de tempo para se recuperar, escalando desesperadamente o aclive em que a árvore se encontrava tentou escapar para apenas se ver cara a cara com o lobo cinzento que convocara a matilha.

Era uma criatura cruel e feroz, pronto para emboscar sua presa. Os pelos estavam eriçados aumentando o porte do lobo que já era imenso, com as orelhas em pé e o focinho franzido, mostrando os caninos afiados ideais para dilacerar e cortar a carne. O rugido era profundo e ameaçador e quando o animal tentou abocanhá-lo, Maurice rapidamente tentou retornar a estrada abaixo, mas viu os outros cinco lobos o esperando, dando–lhe apenas tempo de gritar pelo cavalo enquanto caia em direção aos lobos famintos. Philipe não o decepcionou, aparecendo no momento ideal para que o homem caísse em seu torço e disparasse em uma cavalgada desesperada tentando escapar da matilha.

— Bom garoto! Corra! Corra! - Gritava enquanto via as criaturas se aproximarem tentando abocanhar os calcanhares do cavalo.

E quando menos esperava um portão congelado se abriu magicamente rangendo pelo metal sem uso. As feras não ousaram cruzar o portão, rugiram e uivaram raivosas pela perda de sua presa. Os uivos ecoavam nos ouvidos do homem cuja respiração e coração ainda estavam acelerados e descompassados, Philipe também não estava em seu melhor estado e rapidamente desacelerou cansado enquanto cruzavam um estanho jardim congelado.

— Ah Philipe, você salvou minha vida! - Falou num suspiro aliviado e ofegante. - Muito bem. - Continuou, mesmo que sem folego, a adrenalina rapidamente se esvaziava e o frio cortante lhe penetrava as roupas. - Vamos tentar conseguir um jantar, meu amigo. Não vamos? - Falava enquanto observava o castelo assustador para o qual se dirigiam.

Quando Philipe parou esgotado o inventor desmontou, suas botas esmagando a neve que ainda caia calmamente e cobria o chão como um tapete branco.

—Olhe! É feno e água! - Disse apontando para uma alcova sob as grandes escadarias que levavam ao castelo. – Você está a salvo meu velho amigo. - Continuou animado enquanto acariciava o pescoço do animal a quem devia a vida. - Eu devo cumprimentar nosso… Desconhecido anfitrião. Seja lá quem ele for… - Disse temeroso enquanto se afastava do amigo e subia as longas escadarias.

O pátio, mesmo que coberto de neve, não escondia seu requinte cujas pedras e colunas eram esculpidas finamente. As grandes portas de madeira escura também estavam cobertas de entalhes intricados e belos, mas tanta suntuosidade trazia consigo um suspense assustador. A quem será que pertencia aquela casa? Quem seria seu recluso e misterioso senhor? Essas perguntas rondavam a mente do homem, mas foi a lanterna acesa não por óleo que o intrigou profundamente. Entretanto pouco tempo teve para pensar na questão, vendo que a pesada porta de madeira se abriu a sua frente, antes mesmo que pensasse em bater.

— Oh. Muito Obrigad… - Não terminou pois não havia ninguém para receber o cumprimento. Nada ou ninguém. Rapidamente Maurice fechou a porta para cortar o vento gelado que entrava e congelava seus ossos. – Olá? - Perguntou, sem obter resposta. - Olá? - Falou mais alto ouvindo sua pergunta ecoar pelas paredes do castelo. E mesmo que a lareira estivesse acesa ninguém veio recebê-lo, de forma que apenas continuou esperando que alguém ouvisse suas desculpas, não queria ser confundido com um invasor ou ladrão. - Perdoe-me por entrar, eu sou só um viajante. - Continuou hesitante. - Procurando abrigo da tempestade… - Olhando envolta não havia ninguém e mesmo os lustres dos andares acima estavam apagados. - Desculpe incomodar. - Concluiu tirando a capa de viagem e a pendurando no gancho de um cabideiro que estava no hall de entrada.– Alguém em casa? Alguém acordado? - Mas como antes não recebeu nenhuma resposta.

Sem que o homem pudesse perceber ou sequer ouvir um rico candelabro de ouro se inclinou para o caro relógio de mesa e comentou:

— Ele deve ter se perdido na floresta.

— Quieto, seu idiota. – Repreendeu o relógio

— Não é como se um muggle como ele pudesse nos ouvir. - Deu de ombro o candelabro ou o mais próximo que é possível um candelabro pode dar de ombros.

Realmente, Maurice não conseguia ouvir única palavra do que as mobílias conversavam, mesmo quando estava exatamente à frente do aparador em que o candelabro e o relógio estavam expostos. Ele apenas como um bom relojoeiro e artesão se abaixou para analisar as peças.

— Hum. Magnifico! - Disse após observar os delicados detalhes do relógio de ouro e marfim. - Extraordinário! - Continuou ao tomar o candelabro na mão, mas logo o abaixou ao ouvir uma delicada melodia de cravo.

— Um homem de bom gosto. - Gabou-se o candelabro.

— Ele estava falando de mim!

Maurice alheio a qualquer diálogo entre o relógio e seu companheiro continuou buscando a origem do som que vinha de um amplo salão de bailes à esquerda, ainda no piso térreo do castelo. Estranhamente assim que entrou e botou o pé dentro do amplo espaço coberto de poeira e teias de aranha, a música imediatamente cessou, intrigado olhou uma última vez, o cansaço estava fazendo–o imaginando coisas. Pelo menos era isso que o homem pensava, pouco sabendo o que aquele, aparentemente abandonado, castelo escondia.