The Call

VI. Choque de realidade


POV. Susana

Os dias que sucederam foram como neblinas que se dissolviam com o tempo: rápidos e espessos. E em todos eles não teve um só momento que não pensasse em como minha vida era monótona, ao mesmo tempo que meu coração clamava por mais semana após semana.

Especialmente ao reencontrar um dos meus maiores temores.

Depois daquela noite fatídica que despertei pingando de suor e temor mais uma vez, fui para a faculdade com a decisão de esquecer tudo com a esperança de que daquela vez daria certo, porque a raiva que senti por ainda haver temor dentro de mim com a simples menção de Aslam me instigou. Não apenas menção, mas com a aparição do Leão em meu subconsciente, como se sua voz pudesse tocar cada canto remoto do meu espírito.

Só que tola eu fui de pensar que aquilo cessaria: dia após dia os sonhos prosseguiam a missão de me atormentarem e acabar com a minha paz. A voz de Aslam se repetia e se fixava em minha memória feito tatuagem. Não fuja de quem você é. Mas quem eu sou? Eu sou Susana Pevensie, uma jovem universitária que quer crescer nesta vida como psicóloga e melhorar a mente e o coração das pessoas destroçadas por essa guerra. Era isso o que eu era. Era isso que eu queria ser!

Afinal, se tudo o que Lúcia prega à respeito de Aslam for verdade, onde Ele estava quando toda essa ladainha começou? O que Ele fez para evitar tudo isso? Foi assim em Nárnia por 1.300 anos quando Ele desapareceu e deixou seu povo ser dominado e escravizado por bárbaros telmarinos. Por que Aslam se importaria conosco mesmo tendo outro nome aqui neste mundo?

Isso só prova que minha decisão anteriormente era certeira e que minhas teorias eram reais: fantasia. Nada disso passava de uma fantasia.

Até ela aparecer.

No dia seguinte ao sonho, quando fui para minha sala de aula com outra perspectiva e um pouco melhor do que o dia anterior, alegando que estava bem para tranquilizar meus colegas de classe e meu comprometido, não acreditei no que meus olhos presenciaram. Eu não estava bem, pensei enquanto meus olhos acompanhavam a figura da senhora de ondas negras como carvão até a altura dos quadris adentrar a sala de aula. Só podia ser miragem. Uma assombração da minha cabeça. Era inacreditável. Parecia que o destino ou seja lá quem for estava brincando com minha sanidade porque sentia que, a qualquer momento, eu poderia enlouquecer!

Prunaprismia era a mulher que substituiria nosso antigo professor na matéria fundamentos metodológicos. Pensei que meu coração escaparia pela minha boca ao reencontrá-la ali, tão próxima, dando um tapa certeiro em minha consciência e minhas decisões. Nunca imaginei que encontraria a ex rainha e esposa de Miraz ali, na minha sala, com sua naturalidade e agora... agora com uma aparente paz e felicidade. Seu sorriso era grande, iluminava todo o compartimento. A senhora não tinha mais aquela ruga de tristeza e preocupação entre os olhos, porque Aslam, antes dela com o filho nos braços e Glozelle partirem, prometeu que eles seriam felizes em nosso mundo.

É claro que não consegui ficar indiferente à isso, tão pouco me esconder. Meu coração batia enlouquecido e por pouco não passei por outro vexame de crise dentro da sala de aula. Respirei fundo e, quando o horário de saída chegou, me meti entre a multidão dos alunos e fugi da presença da antiga rainha telmarina num piscar de olhos.

Covarde, eu sei. Sou uma covarde porque simplesmente fugi da sua presença. Fugia do seu olhar, apesar de sentir que ela havia me visto. Houveram dias que faltei aula por simplesmente não suportar a pressão que a presença dela fazia comigo: me lembrava de quando estive em Nárnia. Me lembrava justamente do homem que queria esquecer. Do homem que seu antigo esposo tirano queria tirar-lhe o trono.

Minha missão era esquecer, mas como se tudo a minha volta parecia conspirar para que isso não fosse possível?

Passei grande parte dessa última semana evitando de ir até mesmo para a instituição. Minha mãe estava desconfiada com o meu temperamento, meus irmãos tinham relutado em respeitar minha solidão, meu namorado... Céus, Johnny se mostrava o contrário, até mais incomodado comigo que minha mãe. Eu estava despreocupada em relação à isso até ter chegado, finalmente, o dia que minha mãe decidiu colidir comigo:

— Filha, podemos conversar? — Ela abriu a fresta da porta para colocar apenas sua cabeça para dentro.

Eu estava em meu quarto com as pernas esticadas na cama e a cabeça encaixada no travesseiro, os olhos antes fixos no teto, alguns livros espalhados sobre meu corpo, tão pesados quanto minha cabeça que doía. Suspirei e pendi minha cabeça para baixo somente para ver minha mãe anunciar que queria me ver.

— Pode sim — impulsionei meu corpo para cima e me sentei, reluntante.

Helen entrou no quarto com sua típica presença gentil e olhar sereno, mesmo estando com a ruga de preocupação entre as sobrancelhas mais profunda. Ergui o canto dos lábios na esperança de tranquilizá-la, mas até para mim o gesto foi em vão. Meu rosto, minhas emoções, o meu corpo estavam exaustos, padecendo de um cansaço surreal que ia muito além de palavras.

E minha mãe não é boba. Ela percebeu.

— Como você está? — Ela se sentou na borda, massageando minhas mãos unidas sobre o estômago, a voz tão suave que chegava a acariciar meus tímpanos também cansados. Esgotados de escutar sempre a mesma coisa: Não fuja de quem você.

— Eu estou um pouco indisposta, mas vai passar... Não tenho dormido direito — decidi abrir um pouco o jogo com ela, porque minha mãe não era de desistir tão fácil, tão pouco idiota para não saber quando estou mentindo. Era uma meia verdade viável para nós duas.

Ela intercalou o olhar no meu, parecendo escrutinar minha alma.

— E porque você não foi para a aula hoje, querida?

— Por causa disso mesmo, mãe — eu disse um pouco irritada de ver seu tom repreensivo. Não era mais criança para aceitar que ela diga quando devo ir para minha faculdade. — Irei amanhã, não se preocupe. Hoje não foi um dia tão relevante assim.

— Eu acredito em você, mas não é bom acumular faltas assim, Susana. — Ela disse de uma maneira gentil, mas o timbre repreensivo soou um pouco mais veemente dessa vez. — Você tem um futuro tão bonito pela frente se seguir seu curso direitinho...

— Não faltarei mais, eu prometo — disse mais para encerrar aquele assunto do que por ser verdade. Eu queria era, do fundo do meu coração, mudar de turma, se pudesse.

Minha mãe suspirou, parecendo escolher as palavras certas.

— Querida, eu tenho te observado nesses dias desde quando seus irmãos vieram para cá — ela deu o veredito e seus dedos apertaram minhas mãos com mais pressão, seu olhar no mesmo azul celeste se fundido aos meus. — Nunca sentei aqui para conversar e... Talvez tenha sido bom você não ter ido para a aula hoje.

— Por que, mamãe?

— Porque quero conversar com você — ela fez uma careta quando soltei um suspiro audível e tentei soltar minha mão da sua em vão. — Sei que você deve receber muitas perguntas sobre isso, especialmente dos seus irmãos, mas minhas... Eu quero ter essa chance de conversar porque, acima de tudo, sou sua mãe.

— Meus irmãos falaram alguma coisa?

— Não o que eu quero te perguntar. — Mordiscou o lábio inferior. — Você e o John estão bem?

Franzi o cenho, surpresa pelo teor da conversa. Eu pensei que minha mãe perguntaria o que estava havendo, porquê eu não tenho dormido direito, mas ela estava ali me lembrando que naquele momento na minha vida eu estava comprometida com o John. Isso era uma coisa que até eu custava a lembrar.

— Estamos sim... — Assenti, ainda confusa.

Ela ergueu uma sobrancelha.

— Tem certeza?

— Tenho sim — balancei a cabeça mais uma vez. — Por que a senhora está me perguntando isso?

— Porque eu te conheço muito bem, minha filha — seus olhos me sondaram e um sorriso suave repuxou seus lábios. — Mais do que você imagina.

Eu sorri de verdade daquela vez, apesar de estar padecendo de uma incompreensão sem tamanho.

— O que quer dizer?

— Sabe... — Seu olhar foi até minha janela, contemplando a paisagem nublada de Michigan. — Existem variadas formas do amor surgir, Susana. Há amores que surgem durante a convivência, outros que surgem por uma escolha... Agora, o verdadeiro amor, àquele que se iguá-la ao amor de Deus, esse só se pode sentir se você se permitir.

Suas íris colidem com as minhas novamente e eu encrespei minha testa mediante suas palavras profundas, sentindo meu coração pulsar errático e questionar o que ela quis dizer.

— Como assim, minha mãe? — Minha voz soou muito baixa. Ela sorriu.

— Um amor tão forte, tão intenso, que não se requer nada em troca. Que é capaz de doar, se entregar, esperando que a recompensa seja apenas o coração — ela disse com propriedade e exatidão, intercalando seu olhar no meu, as pupilas envolta do anel azul adquirindo um brilho incandescente. — É um amor que não precisa de muito tempo para acontecer. Ele simplesmente é.

Fiquei tocada, mexida e profundamente balançada com aquelas palavras. Poderia haver um amor assim?

Meu coração tropeçou errático, aparentando querer responder para mim.

— Com Deus é assim, querida. A pessoa pode não conhecê-lO, ou não querer conhecer, mas Ele a ama tanto, que doou seu maior sacrifício para salvá-la e para ter somente seu coração. Não há desistência da parte dEle - sua voz agora emocionada me envolveu e eu engoli com dificuldade. — É esse amor que aprendi à sentir com Deus e com o seu pai.

Ouvindo daquele jeito até fazia com que a esperança de poder exercer um sentimento como aquele ameaçasse eclodir dentro de mim. Meu coração estava agitado, minha mente teimava em colocar aquele rosto em evidência e eu mordi meus lábios, desviando o olhar.

— Como a senhora sabe disso?

— Porque com o seu pai foi a mesma coisa. Eu simplesmente queria vê-lo o tempo todo, e vê-lo bem. A minha mais profunda felicidade era a felicidade dele, entende? — Me explicou com um sorriso cheio de significado e sentimento, como se quisesse mostrar o seu amor ali, com um simples erguer de lábios. — E alguma coisa me diz, Susana, que você chegou perto de sentir esse amor.

— Esse amor...

Ela entrelaçou nossos dedos e sorriu.

— Um amor genuíno entre um homem e uma mulher.

Meu coração pulsou tão forte, que por pouco minhas costelas sacudiram. Fiquei sem ar, mirando a parede, sentindo tudo dentro de mim crescer a ponto da compreensão me atingir, por mais que passar todos aqueles dias negando fosse certo.

É claro que eu havia sentido esse amor. Eu ainda sinto! É mais forte que tudo! E por mais que doesse admitir, negar seria mais doloroso ainda.

A voz de Aslam ressonou em minha cabeça, fazendo-me estremecer.

Não fuja de quem você é e sentiu, Susana.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.