That's My Secret

Querida segunda-feira


Junho

Olhei para o visor do meu celular procurando o horário, talvez fosse a décima vez que eu fiz isso em... Cinco minutos? Talvez seis, ou quatro. Mas não fazia diferença agora, se eu pudesse voltar atrás, estaria dentro de casa, escondida no meu quarto, com o rosto enfiado em algum livro que eu já li mais vezes do que gostaria de lembrar.

Mas não, eu não estava em casa escondida no meu quarto, estava trancada num boxe do banheiro feminino, esperando o sinal bater e a aula começar, para eu poder chegar atrasada na aula e causar aquele impacto.

Mas todo mundo sabia que eu não conseguia fazer isso, eu não conseguia ser uma vadia. Simplesmente não consigo, posso até estar parecendo fisicamente como tal, mas por dentro, minha alma estava gritando para eu tirar toda aquela maquiagem, para pedir uma blusa maior na diretoria, pedir uma calça jeans e tirar aquele short minúsculo de educação física, jogar água nos meus cabelos e tirar aqueles cachos artificiais feitos de babyliss...

Eu só queria voltar atrás de tudo isso. Mas já era tarde. O sinal já batera, todos estavam entrando na sala, sentando em suas cadeiras e cochichando algumas coisas inúteis sobre seu fim de semana, baixo o bastante para o professor não ouvir.

Dois minutos, três, quatro, cinco... E de repente, percebi que estava atrasada dez minutos, eu já poderia subir e entrar na sala, sorrindo de modo exibido, balançando o cabelo e agindo como uma pessoa que eu não sou.

Senti meu celular vibrar e peguei o aparelho com tamanha rapidez, havia chegado uma mensagem no de Isabella.

Onde você se meteu? Apareça logo, eu vou ter um ataque de curiosidade!

Soltei um riso abafado e abri a porta, pondo a mochila nas costas e caminhando em direção à escada. Cada passo era mais lento, eu não queria entrar naquela sala e atrair os olhares alheios.

Vou chegar em cinco minutos. O professor começou a chamada já?

Na verdade, professora. A primeira aula da segunda-feira era de Adriana e ela odiava dar faltas tanto quando odiava atrasos...

Faltam dois nomes para o seu.

Arregalei os olhos e senti meus pés acelerarem por mim, comecei a correr procurando a porcaria da minha sala.

Talvez chegue em cinco segundos...

Clarissa Dawson – ouvi a voz de Adriana de longe, corri mais um pouco e consegui entrar na sala a tempo.

– Presente – falei, fazendo todos se virarem de vez para a porta e tenho que admitir, ter a atenção de todos não é tão ruim assim – Desculpe o atraso, tive problemas na portaria...

– Pela falta de roupa, eu suponho. – Adriana me interrompeu com um olhar serio, sua boca estava numa rígida e fina linha que por um segundo, me assustou.

– Por que eles me barrariam por estar com o short de educação física? Que eu saiba, ele foi feito para ser usado. – caminhei lentamente até minha cadeira e sentei, com um sorriso estampado nos lábios.

– Bem, pelo menos você tem belas pernas para exibir, ao contrario de outras pessoas... – Adriana olhou rapidamente para Barbara e voltou os olhos a lista de chamada na mesma rapidez – Daniela Alvernando...

Olhei rapidamente para Isa e ri baixinho, Adriana tinha olhado mesmo para Barbara? Ai meus órgãos, eu não acreditava no que estava vendo.

Alguns minutos depois, eu ainda era o centro da atenção da maioria dos alunos. Rastejei os olhos pela classe, procurando o olhar que eu mais desejava.

Ele tinha olhos fixos em mim, sem nem disfarçar. Me encarava de modo curioso... Sorri para ele e acenei levemente, fazendo questão de jogar meu cabelo para o lado e depois voltar meu olhar a Luigi. Ele retribuía meu sorriso agora de modo malicioso, olhei para ele do mesmo modo e mordi o lábio inferior, sem nem ligar para o batom vermelho que ficaria em meus dentes.

Virei para frente e passei a ponta da língua nos dentes, numa tentativa estranha de tirar o batom.

Comecei a prestar um pouco de atenção na aula quando senti uma vibração vindo do bolso esquerdo do short. A tela inicial indicava uma notificação do whatsapp, provavelmente Isa soltando uma piada sem graça.

Você não sabe o quão esse batom se destaca em você.

O número era desconhecido, algum colega de classe que conseguiu meu número ou...

Levantei os olhos e vi o celular de Luigi escondido entre seu caderno e seu estojo, seus lábios estavam repuxados levemente num sorriso travesso. Ele havia mandado a mensagem.

Ainda bem que você gostou.

Respondi tentando esconder o celular no meio das minhas pernas.

Por que?

Olhei para Luigi e vi sua testa franzida, era estranho estar conversando com ele daquele jeito e depois olhar cada movimento que ele fazia.

Porque assim eu tenho a garantia de que você não vai tentar tirar ele.

Ri mais alto do que eu quis, atraindo olhares estranhos e depois tapei a boca com a mão.

Fique achando. Eu fico muito bem de batom vermelho... Amiga, eu arraso nas baladas ok? Sambo na cara das inimigas de batom vermelho.

Ri mais uma vez e mais alto do que antes, tirei print da conversa e mandei para Isabella, que se assustou quando sentiu a vibração. Ela pegou o celular e depois de alguns segundos arregalou os olhos e pôs a mão na boca tampando o riso.

Ele está sendo legal? É isso ou eu estou imaginando coisas? Depois de tudo o que você fez? Acho que ele deseja seu corpo nu.

Encostei a cabeça na mesa, cobrindo meu rosto com meu rosto, rindo desesperadamente. Quem visse aquela cena de longe, acharia que eu estava tendo uma convulsão ou um ataque epiléptico, mas era só uma risada abafada e histérica.

– Algum problema? – Adriana perguntou me olhando seria.

– Não – falei segurando o riso – Na verdade, sim. Eu preciso beber água, posso? – perguntei fechando e abrindo os olhos de modo rápido e meigo, meus cílios alongados pelo rímel me ajudou muito no olhar boneca.

– Vá mais volte logo. – não tinha como não voltar logo, o bebedouro ficava ao lado de minha sala.

Levantei e andei lentamente até a porta da sala, desfilando e esbanjando certa sensualidade que eu não tinha. Ao atravessar a velha porta de madeira branca, peguei meu celular e li a nova mensagem que tinha de Isabella.

Nunca tinha reparado como sua bunda é grande

Calada

Respondi ainda rindo, aquela cena não era uma das mais engraçadas no mundo, mas eu achava graça de tudo quando ficava estranhamente nervosa.

E você tem uma perna grandona também.

Revirei os olhos, começando a conter o riso.

Mais uma palavra e eu acho que você deseja meu corpo nu.

Contei até dez mentalmente e voltei para a classe, ainda recebendo a chuva de olhares estranhos, tortos e alguns hipnotizados. Isso era o resultado de se vestir como uma vadia.

Levantei meus olhos e percebi que o quadro branco estava com o assunto da prova final do semestre, pelo menos de literatura. Anotei rapidamente fazendo garranchos quase ilegíveis, fechei o caderno e sorri falsamente para Adriana que estava a beira de apagar tudo, até uma voz a chamar no fundo da sala.

– Professora Adriana, boa tarde. Você está muito ocupada agora? – ela negou com a cabeça, era Cátia, a secretária do colégio – Linda pediu para você passar na sala dela, se puder, agora. – Adriana deu de ombros como se não tivesse opção de escolha, mas na verdade, não tem, Linda é a vice-diretora e coordenadora do colégio, ela mandava em quase tudo, menos na diretora.

– Comportem-se e não saiam dos seus devidos lugares – ela disse, num tom de voz autoritário como se estivesse falando com uma turma de primeira série.

Mas na verdade, estava. Assim que seus pés passaram pela porta, várias alunas levantaram para fofocar alguma coisa, alguns pegavam seus celulares e atualizavam seu cérebro do que podia estar acontecendo com o mundo.

Quando eu pensei em levantar, Isa já vinha em minha direção com os lábios levemente repuxados. Seus dedos brincavam com os cachos que se formavam na ponta dos fios que um dia foram coloridos, pois toda tinta havia saído, deixando as mechas loiras.

– Você não sabe o quão esse batom se destaca em você. – repetiu as palavras de Luigi deixando os olhos com um ar brincalhão.

– O que seria de uma vadia sem seus lábios pintados de vermelho? – revirei os olhos em sinal de desprezo, mas logo depois, sorri.

– Nem precisava da maquiagem, só de vir com esse short, faz todos os garotos ficarem de PD. Acho que vou virar lésbica para poder pegar você.

– Primeiro fica falando de minha bunda e minhas coxas, agora fala que vai me pegar. Tem alguma coisa que queira me contar, Isa? – ela sentou no meu colo e eu abracei sua cintura com os braços, sorrindo amigavelmente. Sorriu de modo tímido e olhou para baixo, como se algo além do meu batom dominasse seus pensamentos, ela parecia estar corada com alguma coisa e foi ai que eu percebi que alguém olhava fixamente em direção á ela.

..

– Se explique ou eu vou gritar. – sussurrei. Isabella havia mesmo corado por Eduardo Drummond olhar para ela? Seus pequenos olhos castanhos se levantaram e ela olhou para ele mais uma vez, fazendo seus cílios baterem que nem cortinas.

Ela ao menos ouviu o que eu disse? Não. Olhei para Eduardo mais uma vez, com uma súbita vontade de arrancar seus cabelos. Arrastei os olhos até Luigi, ele olhava para o amigo com o mesmo olhar de repugnância que eu usava.

Seus olhos chegaram até mim e do nada, sua expressão ficou altamente confusa, e suas pedras azuis se arregalaram de forma estranha. Como se ele perguntasse o que estava acontecendo ali. Dei de ombros ainda perplexa, estávamos no mesmo barco.

– Isa, fala comigo. – a chamei, mas ela nada respondera.

Balancei Isabella tentando acordá-la daquele estranho transe. Ela continuava naquele estranho olhar hipnotizado e estranho.

– ISABELLA FERRAZ, FALE COMIGO MERDA! – gritei a balançando mais forte, Isa levantou num pulo quase caindo de susto.

– Você é louca? – ela me olhou de modo estranho, como se eu estivesse gritando com ela do nada.

– Eu estou falando com você há séculos, por que você não responde? – perguntei mais baixo, pelo fato de meu grito atrair olhares curiosos.

– Você não falou nada. Maluca. Eu estou aqui sentada...

– Olhando para Eduardo Drummond? – murmurei baixo, seus olhos se arregalaram e ela abriu a boca no formato de um “O”.

– Como...? Eu... Quem te contou? – ela sussurrou, eu estava com um sorriso debochado nos lábios, ela não tinha visto mesmo que estava encarando o garoto há minutos?

– Eu tenho olhos. Agora, a pergunta que importa. Quando você ia me contar?

– Não ia. – foi curta e grossa, fazendo meus olhos se estreitarem e minha testa franzir automaticamente.

– Tipo quando você ficou com Luigi, quase deixou ele tirar sua virgindade e não me contou? Nossa, grande amiga você.

Clary... Você não entende...

– Não entendo o que? – a interrompi – O fato de minha melhor amiga não confiar em mim para guardar seus segredos? Realmente, não entendo. Porque eu te conto tudo, todos passos que eu dou, conto para você.

– Eu não te contei de Luigi e de Eduardo, somente.

– SOMENTE? – gritei sem me importar com as pessoas olhando, sem nem ligar se a professora poderia aparecer á qualquer hora e me colocar na detenção ou me expulsar da sala – São seus únicos segredos, as únicas coisas que você escondia de mim.

– Agora você vai gritar comigo porque simplesmente eu não te contei que estou apaixonada e ficando pelo estranho que fica jogando video games o dia inteiro? Ou pelo fato de ter sido idiota por trocar saliva com Luigi Bennet? – Isabella arqueou a sobrancelha e me encarou com um olhar sarcástico, sua mão segurava a curva de sua cintura a deixando com um ar irônico.

– Não, porque eu sou sua única amiga, eu não quero brigar com você. Mas como agora eu quero dar um tapa no meio de sua cara, eu vou levantar e sentar com alguém que me conta todos seus segredos e fala o que quer na minha cara.

Levantei e direcionei meu andar até Luigi Bennet, o idiota que me ouviu quando eu quis falar, que me contou o que pensava sem nem hesitar, que me revelou coisas que eu nem sonhava que eram verdade. O idiota de cabelos pretos, com olhos grandes e azuis que conseguiam ser mais bonitos que seu leve repuxar de lábios, que também não perdiam no quesito beleza, lábios tentadores... Seu braço era desenhado levemente, músculos bonitos e não exagerados para um garoto de dezesseis anos... Porque eu não conseguia simplesmente parar de encarar ele e sentar ao seu lado?

– Por que está sentado no fundo da fila? Assim você fica sozinho. – falei, sem o tom de voz sexy, sem as intenções sobressaídas em minha voz. Só falei, querendo alguém que me ouça sem esconder as coisas de mim.

– Se eu estivesse sentado com todo mundo na frente, não teria como você puxar uma cadeira e sentar ao meu lado. – sorriu, de um jeito honesto. Talvez percebendo que eu não estivesse para aqui para jogar.

Puxei a cadeira rapidamente e sentei sem aquela graciosidade e charme, me joguei na cadeira como se ela fosse minha cama.

– Eu sou um monstro Luigi. – falei baixinho, brincando com os cachos falsos no meu cabelo.

– Por que?

– Ainda no sábado, eu joguei na cara de Isabella que sabia que ela tinha ficado com você, contei que nos beijamos e ainda a forcei a armar um plano contra você. Eu estava com tanta raiva por você ter me chamado de vadia que queria te mostrar como é realmente ser uma vadia, queria fazer você se apaixonar por mim, depois simplesmente partir seu coração em milhares de pedaços. Agora minha única aliada não quer olhar na minha cara porque como sempre, eu disse coisas horríveis e joguei a verdade na cara dela do jeito mais cruel do mundo. E como você é a única pessoa dessa sala que não tem nojo de mim, não podia desabafar com mais ninguém. – sem nem respirar, joguei tudo para fora. Como eu consegui guardar tantas magoas dentro de mim em apenas dois dias? E a pergunta que não conseguia calar. Como eu consegui contar tudo para ele sem nem hesitar ou prestar atenção que eu poderia estar perdendo minha única quase amizade nessa porcaria de sala? Ou estragando o plano ridículo que não tinha a mínima chance de ser completo com êxito.

– Esse plano nunca daria certo. – sua voz saiu num sopro, senti meu rosto corar e de imediato senti a vergonha se alastrar pelo meu corpo.

– É tão clichê á esse ponto? – me encolhi na cadeira, passando os dedos levemente no uniforme branco do colégio.

– Não é tão clichê, na verdade chega á ser brilhante... Mas a outra parte, eu não iria me apaixonaria por você.

Um baque ecoou na minha mente, como se alguém estivesse pisando no meu coração e me deixasse amarrada assistindo. Eu fui rejeitada... Então aquela era a sensação de um quase-fora?

– Eu... Eu... – gaguejei, escondendo uma mecha do cabelo atrás da orelha, comecei a encarar o chão perplexa, sem coragem de olhar aqueles olhos, mordi meu lábio inferior com vontade, para que doesse realmente – Eu sou tão repugnante assim? – soltei as palavras sem pudor, se era para me machucar, vamos fazer isso do jeito certo.

Luigi olhou diretamente nos meus olhos e soltou uma risada abafada e totalmente sem humor.

Mordisquei o lábio inferior mais uma vez, se eu deixasse minha boca aberta acabaria falando mais uma merda.

– Dá pra parar com isso? – ele enfiou as mãos nos sedosos cabelos pretos e os puxou para trás, semicerrou os olhos e tirou as mãos da cabeleira, os bagunçando de qualquer jeito – Por favor, pare de morder seu lábio, eu estou sofrendo por você não morder o meu. E não faz essa cara de ingênua, de vítima... Para com isso Clarissa!

Franzi a testa, o encarando perplexa e extremamente confusa... O que exatamente ele queria dizer com aquelas ações de louco?

– Você está mesmo sendo ingênua? Meu Deus. Não consegue perceber que eu estou me controlando para não morder sua boca agora? Para te beijar, em um beijo urgente que envolva sua língua e o gosto de sua boca? – ele falou baixo, para que ninguém mais ouvisse sua repentina confissão – Não percebe que eu quero tirar esse maldito batom de sua boca? Que eu quero te prender na parede mais uma vez? Que eu quero envolver suas pernas em minha cintura mais uma vez? – seu hálito envolveu minha orelha, me deixando mais arrepiada do que eu gostaria de assumir – Mas não posso fazer isso, porque a vaca da minha namorada está do outro lado da sala me olhando com uma cara feia.

– Então você devia falar mais longe de minha boca e quem sabe parar de olhar para ela. – murmurei baixinho, perdendo totalmente aquele ar inocente que estava me consumindo segundos atrás.

– Que merda Clarissa. Você é e sempre será, meu projeto inacabado.

– E quanto tempo dura seu sempre?

– Até um de nós enjoar.

Que bonitinho, vai conquistar muitas garotas assim.

– Acha isso ruim? – riu seco, sem graça na voz.

– Acho isso ótimo.

– Por que a cara feia?

– Esse seria um ótimo momento para te beijar – sussurrei, voltando para minha falsa postura de vadia. Levantei e encostei os joelhos na cadeira, repuxando o canto dos lábios de forma vitoriosa.

– Essa postura de vadia nunca combinou muito com você, amor. Já me fez ter um surto por você. Agora só falta partir meu coração. – sorriu, de um jeito encantador, um sorriso decepcionado e ao mesmo tempo perfeito, como um verdadeiro cara de coração partido, mas orgulhoso de ser aquilo.

– Bem eu ado...

– Adoraria uma explicação para você estar de pé fora de seu lugar mesmo eu mandando todos ficarem nos seus lugares e não conversarem – a conhecida voz de minha professora de literatura foi ouvida da porta. Eu já conseguia imaginar a linha rígida que sua boca estava, podia ouvir o batuque repetido do seu pé esquerdo contra o chão e talvez até sua mão apertando sua cintura.

– Bem, eu nunca conheci a sala de detenção. – pressionei meus lábios um contra o outro e me virei, andando de volta para minha cadeira.

– E eu aposto que Luigi adoraria acompanhar você nessa aventura até a velha sala da Sra. Rodrigues.