Fevereiro

Depois das três primeiras aulas, eu fui caminhando para a direção lentamente, pois o professor Augusto ainda queria falar comigo, mas eu não estava nessas animações todas.

Continuei no mesmo passo de lesma e quando avistei a porta da direção, senti algo pesado e grande esbarrar fortemente em mim. Derrubando-me no chão e fazendo minha cabeça bater no piso duro e frio.

Sabendo que a qualquer momento eu poderia esfregar a cara do ser inútil no asfalto, inalei todo o ar possível, me sentindo uma bolha de sabão. E querendo deixar minha raiva dentro dessa bolha, para não explodir a qualquer momento e arranjar confusão no primeiro dia de aula. Levantei um pouco tonta, colocando a mão no lugar machucado e procurando o ser que havia me derrubado – que por acaso também estava no chão.

Bem, nem tudo é do jeito que queremos. Eu não consegui concentrar minha raiva numa bolha, muito menos não arranjar confusão no primeiro dia de aula.

– IDIOTA! PRESTE ATENÇÃO! OLHA POR ONDE ANDA SEU BABACA! – passei a mão mais uma vez pelo machucado na minha cabeça, que estava fazendo o favor de crescer – Ai senhor, eu estou realmente cheia desses otários. – falei, como se o garoto não estivesse ali.

– Desculpa, é que é meu primeiro dia e eu não sei onde fica minha sala. Eu sou novato. – ele disse um tanto sem graça. Mas quem não estaria sem graça depois de derrubar uma garota no chão e a mesma gritar com você como se tivesse derrubado sua comida no chão?

– Com tantos otários aqui, você me manda mais um? – perguntei olhando para cima, como se estivesse falando com Deus.

– Cheio de otários? – ele me olhou, sem toda aquela educação de antes no ar – Suponho então que você seja mais um deles.

Olhei sarcasticamente para ele, com um sorriso falso no rosto e mostrei meu dedo do meio com tamanha vontade de pisar em sua cabeça até os seus miolos saírem ou seus olhos pularem para fora das órbitas.

– Olha aqui seu babaca, mais uma palavra vindo desse desastre que você chama de boca que eu quebro a porr...

– O que está acontecendo aqui? – uma voz de uma senhora velha e chata me interrompeu.

Era a diretora Yasmin, uma velha baixa e gorda, irritante e que devia morrer logo para qualquer mercenário doido por dinheiro venha a substituir no seu cargo de ladra. Não, espera... Ela é diretora do meu colégio. Ah, tanto faz. Os dois são a mesma coisa.

– Ela estava me dando as boas vindas. – o garoto disse, de modo sonoro e calmo, nem parecendo o otário de segundos atrás – E também me disse para tomar cuidado, pois haviam alguns babacas no colégio que provavelmente falariam isso para mim se eu fizesse qualquer coisa que não os agradasse.

– Ah – ela disse sorrindo como se falasse que não era velha o bastante para acreditar naquilo – Clarissa sempre foi uma aluna muito prestativa, suponho então que ela adoraria mostrar o colégio para você e quem sabe informar onde fica sua sala. Ou até te falar mais desses babacas, pois eles estão em toda parte e muitas vezes, se fingem de bonzinhos. – ela olhou para mim com o mesmo sorriso – Agora, os dois podem me explicar porque estavam vindo para a diretoria?

– O professor Augusto pediu para eu vim conversar com ele. – respondi de imediato, com um sorriso amarelo no rosto.

– Eu perdi a hora e acabei de chegar no colégio. E o porteiro disse que eu tinha que passar na diretoria para poder entrar na sala. – o novato murmurou, suas bochechas ficaram vermelhas e ele ficou um tanto envergonhado – E acabei me batendo na Clarissa. Derrubei ela e acabei caindo no chão também.

– Meu Deus! – agora sim, a diretora parecia se preocupar com algo de verdade – Vocês se machucaram?

– Não, foi só uma qued...

– Clarissa bateu a cabeça no chão e eu bati meu cotovelo. – o garoto me interrompeu, fazendo uma cara de dor.

– Vamos para a enfermaria, acho que o professor Augusto pode esperar um pouco para conversar com você, Clary. – então agora que eu estava machucada era Clary? Tome no seu orifício anal.

– Tudo bem. – ele sorriu para a diretora e me olhou com um sorriso mais falso que os peitos da Megan Fox – Alias, eu sou o Luigi Bennet.

A enfermaria ficava ao lado da diretoria, então não tivemos que andar muito. Assim que chegamos lá, a enfermeira perguntou onde tínhamos batido e disse que não havia machucado, mas que o lugar estava inchado e precisava colocar gelo.

A diretora e a enfermeira saíram da sala para comunicar aos nossos pais do incidente, o que era ridículo, pois ninguém havia se machucado de verdade. Eu não ligava muito que as duas saíssem da sala, pois ambas eram chatas, mas minha ultima escolha era ficar sozinha numa sala com aquele garoto.

O que é irônico, pois o conheço a pouco tempo. Mas já percebi que ele é tão falso quanto soa sua voz.

– Então, – ele começou a falar – você é que série?

– Isso te interessa? – perguntei ainda com a cara emburrada e segurando um pacote de gelo na cabeça.

– Eu estou apenas tentando ser legal. – Luigi retrucou, fechando a cara.

– Vai ser legal na puta que pariu. Não gaste saliva comigo, Bennet. – percebi que aquilo tinha sido grosso demais, até mesmo vindo de mim – Ou então devia começar andando devagar e não tentando quebrar todos os dentes dos outros ao empurrar eles e os fazerem bater a cara no chão. – no momento, era o mais perto que eu conseguia chegar a ser uma pessoa legal e sociável. Não tenho culpa se o garoto me conheceu num dia que meu humor estava maravilhosamente terrível.

– Nossa, o que você tem de bonita tem de antipática. – aquilo era para ser um comentário bom?

– Minha cara de que liga para o que você diz. – olhei para ele numa expressão seria e entediada – E caso não tenha percebido, isso foi um elogio.

– Claro que eu percebi que foi um elogio, eu meço as coisas que eu falo – foi impressão minha ou isso foi uma indireta mais direta do que deveria ser? – Eu me apresentei pelo menos, nem isso vai fazer? – olhei para ele como se fosse enfiar uma faca em sua cabeça e voltei a fitar o nada – Esse colégio está cada vez melhor, saudades da velha educação. – resmungou.

– Você quer saber da minha vida? Então. Sou Clarissa Dawson Vasconcelos, nascida em oito de maio de 1998, curso a oitava série do ensino médio mas eu deveria estar no primeiro ano, pois fui vagabunda o bastante para não fazer porra nenhuma durante o ano passado inteiro. Estou repetindo a porcaria da oitava série na turma A, onde só tem nerds e vadias e no momento, estou querendo receber um comunicado para os Jogos Mortais, porque qualquer coisa é melhor que ficar na mesma sala com você, que se mostrou ser uma pessoa insuportável nos últimos minutos que eu o conheci. Mas eu também não colaboro, porque sou uma pessoa extremamente insuportável e chata, então por favor, não cobre palavras boas vindo de minha boca, pois eu nunca as prometi e mesmo que um dia o faça, não será verdadeiro. E por favor, não reclame do meu jeito de ser, pois eu estou o avisando o que tem aqui dentro, antes que tente abrir o pacote. – soltei as palavras com tamanha rapidez. Sincera demais, sempre fui. Não importa se eu fosse o assustar ou coisa do tipo, manter as pessoas longe de mim sempre foi o melhor resultado da equação que era minha vida.

Ele comprimiu os lábios, como se estivesse processando todas as coisas que eu acabara de falar, então passou a mão nos cabelos, os bagunçando e depois direcionou o olhar a mim.

– Você é um amor de pessoa. – seu tom de voz foi irônico e doce ao mesmo tempo – Na sua turma tem otários também.

– Olha aqui, se me chamar de otária mais uma vez eu...

– Na verdade, Clary, eu estava falando de mim. – ele me interrompeu com a melhor notícia do ano.

Olhei para ele o fuzilando com os olhos e por fim, dei um tapa em minha testa, arrastando minha mão pelo resto do meu rosto. Ao reparar em minha reação, ele deixou uma gargalhada escapar dos lábios e depois mudou sua posição em outra maca da enfermaria, deitando completamente seu corpo.

– O que você tem de bonito tem de boboca. – afirmei me acalmando um pouco.

Me permiti o olhar por alguns segundos, talvez querendo ver qual seria a piadinha ou o comentário vindo a seguir.

– Caso não tenha percebido, isso foi um elogio – sua voz soou exatamente igual a minha, o que por alguns segundos me assustou – Tá vendo? Acabamos de trocar bordões! Vamos ser melhores amigos durante esse ano!

– Olha aqui Bennet, dá pra calar a porcaria da boca? Por favor, caso não tenha percebido minha cabeça ainda está doendo graças á você sua atenção enquanto anda! Não esquecendo que eu estou aqui obrigada, por que eu adoraria estar recebendo um sermão disfarçado do meu professor de ciências. – falei demais, mais uma vez, para variar só um pouquinho nesse drama de pensamento, conversa e vida.

– É impressão minha, ou com tantas pessoas nesse colégio eu me bati com a mais problemática? – a sinceridade presente na sua voz por um segundo, doeu.

– Em parte. Eu sou mais um drama do que um problema. – ri sem humor, deitando na minha maca e observando a claridade daquela sala.

Não sei quanto tempo se passou. Segundos, minutos, talvez até uma hora. A cabeça não doía mais, o gelo já havia derretido mas o silêncio permanecia, de um jeito estranhamente amigável.

Depois de mais pensamentos, ouvi a voz do desconhecido me chamar.

– Clary – pausou, esperando minha resposta. Apenas virei o rosto em sua direção, para mostrar que eu estava ouvindo – Dia ou século errado?

– Um pouco de cada.

– Era o que eu esperava ouvir. Bem, meus pais já devem ter chegado ou estão chegando, sei que esse silêncio me incomoda muito. Vou pegar minha mochila na portaria e esperar na diretoria. Até mais Clarissa Dawson.

– Espero não te ver amanhã, Luigi Bennet.