Te Odeio Por Te Amar

Capítulo 09 - Nostalgia


* Paulina narrando *

Minha viagem foi tranqüila, não foi longa e tentei dormir um pouco durante todo o vôo que, graças a Deus não teve nenhuma escala. Cheguei ao México no final da tarde. Entrei em casa e tudo estava do jeito que havíamos deixado quando fomos de férias à Cancun. Entrei em meu quarto, tomei um banho e tentei dormir um pouco, mas foi em vão, não consegui pregar um olho sequer, só podia pensar em nossa situação atual.

Tentei dormir de todas maneiras e não consegui, desci de madrugada até a cozinha e fiz um chá quente para ver se ajudava mas não deu certo, a ansiedade tomava conta de mim e eu não conseguia evitar. Apesar de ter dormido no avião, me sentia cansada e pensei que poderia descansar melhor em minha cama mas me enganei. Desci até o nosso jardim e fui respirar um pouco a brisa gelada da noite, sentir o vento passar balançar os meus cabelos, eu adorava isso, adorava me sentir em contato com a natureza, livre. Comecei a sentir frio e voltei para dentro. Passei a noite em claro, pude ver o nascer do sol sobre o horizonte de minha janela e só pude adormecer quando já era de manha e acordei com o sol esquentando o meu rosto vindo da janela do meu quarto que eu acabei deixando aberta. Sentia meu corpo cansado como se não estivesse dormido há dias mas não conseguia ficar deitada, tinha que fazer alguma coisa. Sem mais conseguir ficar ali, me levantei rapidamente e me arrumei. Precisava ir à fábrica e não perderia mais tempo, depois eu descansaria e também sentia falta do papai, ele provavelmente estava lá e eu queria vê-lo.

Entrei no meu carro e fui rumo à empresa, o transito contribuiu bastante para que eu chegasse rápido, e ao adentrar os portões da nossa grande empresa, senti uma grande nostalgia dominar a minha mente e coração, lembrei-me dos bons tempos de quando eu era criança e tinha toda a curiosidade para saber todo o funcionamento da fábrica, do espírito empreendedor que mamãe tinha, do progresso durante todos estes anos, de quando Sophia nasceu que foi uma grande alegria para todos nós, sempre dávamos festas de confraternização e os funcionários eram sempre muito bem remunerados e reconhecidos, todos os anos comemorávamos o aniversario da fabrica e era uma alegria total. Quando papai começou, era tudo muito simples e toda a fabrica não media nem a metade do que mede um de nossos menores galpões hoje. Não pude deixar que lagrimas teimosas escapassem de meus olhos, aquilo ali era a minha vida e estávamos perdendo tudo por um fio. Não podia deixar de culpar o meu pai com tudo isso por ter sido sempre tão fraco e deixou que um maldito vicio em jogos o dominasse e nos levasse à essa situação decadente de hoje. A única sensação que eu sentia naquele momento, além da tristeza, era a da perda e isso me doía tanto... Mas eu precisava ser forte, não podia deixar transparecer toda a dor que eu sentia e o resquício de rancor que eu tinha do papai por ele ter se deixado levar por certos momentos de alegria enquanto estava apostando. Não havia percebido, mas o Sr. Francisco, o porteiro que estava conosco há anos estava me olhando. “Droga!” Ele percebeu que eu estava chorando e isso era a ultima coisa que eu queria que alguém me visse fazendo. Não quero mais ser assim tão transparente ao ponto de alguém que não me conhece direito perceba o que eu sinto.

– Bom dia, senhorita Paulina! – Disse ele cordialmente enquanto eu conduzia o carro até o estacionamento.

– Bom dia, Sr. Francisco! Como vai a família? – O cumprimentei e fiz o que sempre faço, não é porque ele é nosso funcionário que eu agiria com indiferença com ele. Hierarquia não é tudo na vida.

– Está muito bem senhorita, obrigado! É um prazer revê-la! – Disse sorrindo ao abrir a porta pra mim.

– Obrigada, agora pretendo não sair mais daqui. – Respondi com um aperto de mão ao sair do carro e segui em direção a área de produção. Queria ver o movimento, ver como estavam os funcionários, como eles estavam trabalhando e não fiquei muito feliz com o que vi. Alguns estavam desanimados, ociosos, outros estavam conversando em outro lado. Não os culpava, sabia que não tinham muito o que fazer, não tínhamos muitos pedidos, perdemos muitos clientes e quase já não tínhamos investidores de grande capital para investir em nossa produção e sem investidores não havia produção, sem produção não havia trabalho, e não havia dinheiro e funcionários... Estávamos realmente numa situação difícil, senti uma preocupação ainda maior tomar conta de meu ser. Não sabia por onde começar, sei que o papai estava tentando mas estando na situação que ele estava, não via muito o que fazer, a não ser que realmente uma alma bendita tivesse compaixão de nós e se arriscasse investindo um bom capital em nossa empresa.

Ao observar tudo com muita atenção, entrei no elevador de serviço que dava ao corredor principal da área administrativa da empresa, cumprimentei a Branca, nossa secretaria e adentrei em minha sala. Estava tudo limpo e do jeito que eu deixei, só eu a utilizava e fiquei tão pouco tempo fora devido as férias, mas parecia que foi por uma eternidade. “Não deveria ter ido de férias”, pensei alto. Mas meu pai insistiu que eu fosse e garantiu que tudo ficaria bem só porque as coisas pareciam estar indo por um caminho melhor, mas foi puro engano, eu devia ter ficado e lutado pela salvação do que dava o sustento a minha família e a família de tantas outras pessoas que trabalhavam ali. Sentei-me à minha mesa, liguei o meu computador e comecei a revisar alguns balanços, revisei também os relatórios que me diriam um pouco da real situação. Liguei para Branca e pedi que fosse até a minha sala, queria saber do papai, pensei que o encontraria lá, mas quando cheguei ele não estava e já se passava da hora do almoço e ele ainda não havia retornado.

– Com licença Paulina, pois não! – Disse Branca ao entrar em minha sala sorridente.

– Branca, você sabe aonde o meu pai foi? – Perguntei gentilmente. – Até agora ele não retornou e já faz um bom tempo que eu estou aqui. – Completei olhando para o meu relógio de pulso.

– Não Paulina, ele não me disse exatamente para onde foi. Sei que ele está numa correria só por causa das ações que estão à venda e antes de sair, me disse que visitaria um cliente mas não me disse nada detalhado.

– Que estranho, e até agora ele não ligou para dizer nada. Tentei ligar no celular dele, mas ele não atende. – Disse franzindo o cenho. Estava realmente preocupada com o meu pai, já o conhecia e sabia o que ele fazia quando algo não saía como o seu planejado, e ultimamente, tudo estava saindo dos trilhos.

– Fica tranqüila, Paulina... Ele já deve estar de volta, me disse que não demoraria. – Sorriu Branca em tom reconfortante, ela conhecia a minha preocupação, mas nunca deixava de ser positiva em suas palavras.

– Ta bom Branca, obrigada! É só isso mesmo. – Devolvi o sorriso e ela saiu de volta ao trabalho.

Fiquei ali revisando tudo por mais aproximadamente uma hora quando papai apareceu na porta de minha sala com um semblante diferente, mas não me parecia triste, parecia... Esperançoso.

– Papai! – Disse enquanto me levantava indo em sua direção para abraçá-lo. – Estava te esperando! – Conclui olhando o meu pai que estava com uma péssima aparência física. Estava com sua roupa toda amassada, seus cabelos estavam maiores do que de costume e também tinha barba crescida. Papai não é assim, nunca foi. Sempre foi muito vaidoso e cuidava de sua aparência, tive muito a quem puxar, toda a minha vaidade é um atributo principal de meu pai e não conseguia acreditar que ele havia chegado àquela situação.

– Filha! – Disse ele animado puxando-me para os seus braços. Daí eu senti que papai estava triste, ele precisava de mim e eu não estava la para ajudá-lo. Também sou culpada por toda esta situação. – Que saudade de você, seja bem vinda de volta! Como foi a viagem? Faz tempo que você chegou? – Perguntou ele mostrando interesse, apesar de estar sempre disperso, ele se esforçava.

– Também estava com saudades papai, mas já estou aqui e vou te ajudar no que for necessário. – Disse ainda sorrindo abraçada a ele segurando o colarinho de seu paletó meio amarrotado. Ele sorriu sem graça tentando afastar-se de mim quando percebeu que mudei o meu semblante ao sentir o cheiro de álcool que vinha dele.

– Não se preocupe filha! – Disse ele desviando seu olhar do meu. – Vai dar tudo certo e dessa vez eu posso te assegurar. – Continuou sorrindo ao voltar o olhar e minha direção.

– É, mas precisamos de alguém que invista um bom capital na fabrica para que possamos nos reerguer. – Disse seguindo em direção a minha mesa, sentando na cadeira, e olhando para o computador que estava em minha frente. – E esse investidor terá que investir pesado. Acha que conseguimos, papai? – Perguntei olhando-o. Não iria fazer essa pergunta mas queria testar os seus atuais interesses para com a fabrica, precisava saber se ele havia mudado ou se estaria pelo menos disposto a mudar para que conseguíssemos seguir em frente.

– C-claro que conseguimos filha! – Ele disse um tanto sem graça, senti que estava confiante, sentia que me escondia algo também, eu conheço muito bem o meu pai.

– Você anda bebendo, papai? – Perguntei preocupada olhando-o curiosa. Ele não podia entregar-se a mais um vicio, não agora e eu não deixaria. Não podia julgá-lo por um ou dois copos de whisky, afinal, ele sempre bebeu moderadamente mas não poderia admitir que ele se afundasse em mais um miserável vicio, não mesmo, e lutaria com todas as minhas forças para que isso não acontecesse.

– Não filha, de onde você tirou essa idéia? Eu só tomei uma dose de whisky e nada mais. Esta tão evidente assim? – Me disse envergonhado sem me encarar baixando o seu olhar em direção ao piso de porcelanato da minha sala.

– Não papai, tudo bem... Foi só uma pergunta. – Disse ao levantar-me em sua direção e percebi que ele se sentiu um tanto aliviado por eu não querer enchê-lo de perguntas. Precisávamos viver em harmonia e agora mais do que nunca. Já havíamos brigado muito sobre toda a perda que tivemos por causa de seu vicio e ele não estava preparado para ouvir mais broncas de minha parte. – Porque não vai pra casa, toma um banho quente e descansa? Eu estou aqui e assumo a fabrica, fique tranqüilo. Mais tarde irei pra casa e jantamos juntos e conversamos um pouco, o que acha?

– Tem certeza, filha? Você mal chegou e...

– Sim papai, eu tenho absoluta certeza! Pode deixar que eu cuido de tudo! – O interrompi, ele realmente não estava bem, em outra ocasião, ele insistiria em ficar e eu não discutiria e também ele pareceu não querer me dizer mais alguma coisa e deve ter dado graças aos céus por eu tê-lo sugerido que fosse pra casa. Eu conhecia bem o meu pai e independente do que ele estivesse me escondendo, eu descobriria.

– Tudo bem Lina, obrigado! – Disse dando um beijo em minha testa, gesto que ele fazia desde quando eu era criança. Eu adorava aquilo. – Mais tarde nos vemos, fique bem. – E ele saiu me deixando pensativa, se o momento de tudo mudar chegaria, este era o momento. Passei o restante da tarde trabalhando e fiquei ali mais um pouco pensando em tudo e tentando traçar algum plano para mudar e não deixar que papai tivesse que vender a empresa, depois de um tempo, saí pegando as minhas coisas e me despedindo do porteiro que ficaria ali no turno da noite, ainda pretendia correr alguns Km pelo parque que tinha perto de casa, costumava correr lá todos os dias e não podia mais perder tempo.