O moreno abriu imediatamente seus olhos e soltou o lençol, então usou os cotovelos como sustentação para que pudesse levantar a parte superior do corpo. Seus olhos avermelhados se fixaram no escritor que exibia uma expressão séria enquanto continuava massageando seus pés, mas a sensação era um pouco diferente de poucos segundos atrás. A massagem era boa, mas sua mente estava trabalhando com a última informação, por isso não tinha o mesmo proveito.

— O que você disse? — Take perguntou. Podia ser que sua mente estivesse o enganando, por isso que fez aquela insistência.

— Você está surdo? — Shiki perguntou com um pouco de arrogância, mas mantendo um olhar com a mesma quantidade de desconfiança. Ele continuou quando o moreno lhe encarou com seriedade. — Eu acho que vou nesse festival idiota. —

— O que aconteceu? Mais cedo você me disse que só idiotas participam e que dormiria cedo. — Take comentou e levou a mão direita ao queixo e assumiu uma expressão pensativa. — Posso ter ouvido você dizer que era uma bobeira sem tamanho. —

— Eu sei o que eu disse. Tá bem? — Shiki disse com a mesma arrogância de antes e apertando em seguida os dedos do pé esquerdo do moreno.

O moreno tentou desvencilhar seu pé esquerdo da mão do escritor. Ele obviamente tentou puxá-lo, mas logo percebeu que não daria muito certo, por isso que levou seu pé direito ao rosto de Chishiki e começou a começou a esfregar a sola na bochecha dele e até mesmo dando-lhe pequenos chutinhos. Ele começou a morder os lábios inferiores e não se aguentou, assim soltando um "pfft" e gargalhando. Seus pés possuíam uma leve sensibilidade, por isso sentia cócegas e até mesmo outra coisa quando esfregados de um jeito cuidadoso.

— Para! — Take disse em meio às gargalhadas. Ele respirou profundamente e acertou um chute com mais força no rosto de Shiki depois de alguns segundos. — Eu mandei parar! —

E aconteceu. Shiki saiu da cama e foi parar a bons metros — quase próximo da porta — e com a marca dos chutes na sua bochecha. Ele sentou no assoalho e olhou para o moreno que depressa sentou-se na cama e parecia preocupado com ele. O loiro levou a mão direita a sua bochecha e sentiu um pouco de dor. E até por isso sua expressão mudou. E ele logo olhou para Ontake que deixou a cama e sentou-se ao seu lado e pôs com cuidado as mãos em seu rosto. "Macias as mãos dele…" pensou o escritor que manteve sua atenção em Ontake que tinha algumas mechas do cabelo escuro cobrindo-lhe o rosto. Take não demorou em usar o Shōsen Jutsu e assim deu início a um rápido e fácil tratamento. Shiki observou como Ontake demonstrava preocupação e grande concentração, quase como se ele — o escritor — fosse de grande importância, assim como observou os olhos avermelhados do mesmo se moverem e se concentrarem nele por alguns segundos antes da atenção retornar para a bochecha que havia machucado.

— Porque mudou de ideia? — Take perguntou com intenção de quebrar o silêncio.

— Não sei ao certo. De vez em quando as coisas mudam, mas me pareceu certo comparecer, afinal não sou o único residindo nessa casa. — Shiki disse e olhou para sua mão direita e a fechou em punho devagar.

— Isso se chama peso na consciência. Sabe a voz que escuta de vez em quando? São seus pensamentos. E você deve ter pensado bastante se mudou de ideia. — Take comentou sem a capacidade de esconder a provocação. Ele sorriu pelo canto dos lábios quando recebeu um olhar conhecido do escritor… era como se ele silenciosamente estivesse o ofendendo em seus pensamentos, até mesmo escolhendo o melhor para usar. — Você está se tornando humano. Está ganhando um cérebro, espantalho. —

— Estou quase mudando de ideia. — Shiki disse e abriu seu punho direito e continuou sentindo as mãos macias do outro em suas bochechas. — Eu não vou participar das danças, Ontake. —

— Eu imaginei. — Take disse e suspirou com um pouco de desapontamento, então afastou suas mãos das bochechas dele e depois as levou ao próprio colo. — O que fará? Ou a ideia é tão recente que ainda não sabe o que fará por longas horas num festival animado? —

— Acabei de dizer que não vou participar das danças, não que não assistiria elas, paspalho. — Shiki disse.

— Porque vai assistir? — Take perguntou.

— Eu quero vê-lo dançando, assim... — Shiki respondeu e fez uma pausa.

O moreno ficou em silêncio. E suas bochechas lentamente ganhavam mais calor enquanto prestava atenção no escritor que parecia sério. E era verdade que o loiro não escondia sua seriedade — não muita para não deixá-lo assustador — e até mesmo um sorriso de convencimento tomou seus lábios. Ontake separou devagar seus lábios e sentiu o coração acelerando. Shiki iria para algo que achava incômodo só para assistir dançando próximo a uma fogueira e com alguma música.

— ...vou zombar a vida inteira se você demonstrar péssimas habilidades. — Shiki continuou depois daquela pausa de poucos segundos.

— É um idiota. — Take sussurrou e balançou a cabeça de um lado a outro, mas acreditando mesmo que o escritor faria um descaso de suas habilidades dançantes.

— Sou mesmo… — Shiki disse e levou sua mão direita para uma mecha escura no rosto do outro e a moveu devagar para trás da orelha dele, então continuou depois de sorrir um pouco. — …então, quero vê-lo dançar com paixão. —

— Ah, pode ter certeza que vou. Não quero você me zoando por tanto tempo assim. Quero elogios aos montes saindo desse poço de arrogância. — Take disse.

O moreno ficou em silêncio em seguida, mas só porque percebeu um incomum movimento do escritor. A mão dele continuou em sua bochecha depois de pôr a mecha atrás de sua orelha, mas o rosto dele começou a se aproximar lentamente do seu. O olhar do escritor era calmo — suave como o mar num dia sem vento e sem chuva — e parecia concentrado em seus olhos rubros. E os lábios do escritor se separaram por milímetros. E o mesmo aconteceu com os lábios do moreno que sentiu o coração disparar mais e mais rápido. E então… Shiki afastou a mão de sua bochecha e a apoiou no chão e se levantou e sorriu da mesma forma que antes e levou a mão direita para a nuca. Ontake continuou observando-o enquanto estava de joelhos no assoalho frio e sem entender o que estava acontecendo, ou o que não aconteceu.

— Eu sou um poço de arrogância? — Shiki perguntou, mas deu continuidade quando esfregou o ombro com sua mão e soltou um risinho. — Só para que saiba… a insuportável da Kon dança a muito tempo, por isso terá que ser melhor do que ela. —

— … — Take ficou em silêncio.

— E se uma criança de treze anos esfregar a sua cara no chão, pode ter certeza que vou rir muito disso. — Shiki continuou dizendo ao mesmo tempo que se aproximava da porta do quarto e seu sorriso não escondia a diversão do momento. — Terá uma derrota tão humilhante que ninguém se esquecerá disso. Até porque… escreverei um livro sobre, quem sabe acabe virando um filme, não é mesmo? —

— Não tenho certeza se esse tipo de livro seria um sucesso. Seus livros são incríveis, mas uma história a meu respeito? Acho que não, Shiki. — Take disse. Ele continuou sentado no assoalho e sem entender o que aconteceu a poucos segundos.

O escritor parou na porta. Ele segurou a maçaneta e olhou para o moreno que ainda o olhava como se esperasse por alguma coisa. Shiki soltou um riso um pouco diferenciado que o moreno não entendeu a natureza. O escritor parou com a risada quando Ontake pareceu ainda mais cheio de dúvida, então olhou para ele de uma forma peculiar. A princípio se passava por um olhar sério e concentrado, mas havia algo incomum naqueles belos olhos amarelos… um tipo de admiração.

— É isso que pensa? — Shiki perguntou, mas não deu a chance do moreno para respondê-lo e logo saiu do quarto.

[ ۝ ]

Horas depois. Já passavam das dez e agora Ontake encontra-se sentado num banco de madeira acompanhado por Kon que escutará toda aquela estranha história do moreno. Take necessitava contar aquilo para alguém depois de deixar a casa após o café da manhã, por isso buscou a única pessoa que sabia de seus sentimentos e contou o que havia acontecido, obviamente poupando-a de detalhes sórdidos — usou a mão direita para sentir prazer no meio da madrugada e pensou unicamente em Shiki e naquele momento que tiveram. O moreno estava agora com um picolé de uva na boca.

— Eu não sei. Shiki é um mistério… pelo menos é o que acho, Take-nii-san. — Kon disse e mordeu o sorvete de chocolate que o moreno comprou para si. — Como foi esse olhar? —

— Você ajuda mais do que atrapalha. — Take sussurrou, mas fazendo questão da garota ouvi-lo. Ele passou a língua por aquele picolé com cuidado e depois o chupou e manteve-o entre os dentes. — Assim… —

O olhar de Ontake era diferente. Era um olhar sério — bem comum para os padrões de Shiki — e carregava algo parecido com superioridade… como se o moreno fosse melhor do que todos. Kon analisou aquele olhar e agitou seus ombros.

— Ele te olhou dessa maneira e depois falou "É isso que pensa?"... pode ser que ele te ache um lixo que não vale nem um capítulo do livro dele. Já achou a pessoa que te roubou, Take-nii-san? — Kon perguntou e voltou a morder o sorvete de chocolate.

— Nem me lembre dessa idiota. — Take disse assim que tirou o sorvete da boca e lambeu os dedos melecados e depois fez o mesmo com o sorvete. — E nem sei onde esses ciganos ficam para ir atrás dessa rata… —

— Na floresta ao norte. — Kon respondeu e recuou um pouco no momento que recebeu um olhar estranho do moreno, por isso deu continuidade quando a situação parecia exigir o esclarecimento. — Ano passado alguns amigos me levaram até lá. O cheiro era forte e bem desagradável, mas dava para ouvir muitas risadas… —

— Ah, pode ter certeza que vou atrás desses ladrões. — Take disse e levou o punho direito para a palma esquerda num soco. Aquele movimento era bem típico no líder da Rokujūshi. — E vou queimar cada um deles com o Katon: Karyudan. Quem sabe dissolvê-los com o Futton. —

— Você é perigoso, Take-nii-san. — Kon disse, contudo não se sentia ameaçada pelo moreno, seu comentário carregava bastante divertimento, como se gostasse de vê-lo bravo.

— Fui roubado e enganado e feito de bobo, Kon-chan. Estou jogando na mesma moeda. — Take disse.

A garota até diria alguma coisa, mas não teve a oportunidade, isso porque um rapaz de cabelo escuro e desgrenhado, de olhos esverdeados e uma expressão que parecia estar preocupado com alguma coisa. Qualquer um reconheceria o rapaz como sendo Nintai Taikutsu — Tai para os íntimos — e também o único filho de Nintai Shojiki. Ele parou perto da dupla e pôs as mãos em seus joelhos enquanto ofegava um pouco cansado depois de correr por alguns minutos ininterruptos. Ontake não possuía um bom relacionamento com Taikutsu, mas tentava alguns pequenos avanços, afinal de contas o Nintai possuía uma personalidade nojenta igual ao escritor que tanto admirava.

— O que aconteceu? — Take perguntou.

— É o meu filho. Ele está chorando sem parar desde ontem e nem dorme. Dá para me ajudar? — Taikutsu perguntou enquanto suor escorria pelo seu rosto e pingava quando chegava ao queixo.

— Vai lá… — Kon sussurrou.

— Ah, claro. — Take disse e se levantou e olhou para a garota que o acompanhava, então continuou assim que sorriu e terminou o sorvete de uma vez. — Até outra hora, Kon-chan. Vamos lá, Taikutsu… —

Ontake tornou a se afastar. Ele já tinha ido uma vez para a casa de Taikutsu — para um simples check-up — em Ren — uma homenagem ridícula ao líder da Rokujūshi por ter ajudado no nascimento — e por isso sabia o caminho para a casa, mas parou de caminhar no momento que a mão esquerda do outro moreno lhe agarrou acima do cotovelo.

— Ele está na casa do meu pai. Utsu está naqueles dias e não para de chorar por vê-lo chorar, sabe como é… coisa de mãe. — Taikutsu disse.

"Não, não sei como é ter uma mãe normal… a minha nem normal é" pensou Ontake que só balançou a cabeça como se confirmasse o comentário do outro moreno. Os dois mudam o rumo do caminho que deviam seguir e se dirigem para a casa do líder de Yattsuhoshi.

[ ۝ ]

Uns quarenta minutos depois, Ontake estava num quarto qualquer da casa de Shojiki, porém o dono da residência não se encontrava com eles. Era apenas ele, Taikutsu e o pequeno Ren que continuava chorando com toda força de seus pulmões minúsculos. O bebê encontrava-se no colo do pai que o sacudia gentilmente. E Take sorriu pelo canto dos lábios e logo pôs sua mão direita na cabeça da criança e uma energia esverdeada flui através da palma, Take podia ver a preocupação nos olhos verdes de Taikutsu, mas retornou sua atenção ao bebê de poucos meses que parava de chorar para abrir seus olhinhos e ver quem o tocava, mas ele ainda soluçava.

— Ele tem dormido bem? — Take perguntou e passou sua mão pela pouca quantidade de cabelo que k bebê possuía e sorriu animado.

— Ah, mais ou menos. Sabe como é… com essa barulheira por causa da festa… ele tem acordado com muita frequência. — Taikutsu disse.

— Eu imaginei mesmo. — Take disse e suspirou e mostrou a língua e depois inflou as bochechas e fez um biquinho com os lábios para o bebê que começou a rir e tentou agarrar-lhe uma mecha de seu cabelo.

— O que é? — Taikutsu perguntou.

— Barulho alto, sono desregulado e um choro bem exagerado. — Take disse e curvou sua cabeça quando o bebê alcançou seu cabelo e puxou com um pouco de força. — Ouch… ele está com dor de cabeça. —

— Dor de cabeça? — Taikutsu perguntou um pouco surpreso, então continuou antes que o outro tivesse a chance de respondê-lo. — Não é nada grave? É só uma… —

— É. Só uma dor de cabeça. Não é nenhuma enxaqueca ou algum tipo de cefaleia, somente uma dor de cabeça que com o descanso certo irá melhorar. — Take disse com um tom suave, bem calmo para que o outro rapaz fosse capaz de entendê-lo que não havia perigo.

— E você tem como… sabe… diminuir a dor de cabeça dele? — Taikutsu perguntou.

— Hm, medicamento? Posso até começar a preparar algum para essa dor de cabeça, mas ele estará melhor no momento que repousar corretamente. — Take disse.

— Ah, tudo bem… — Taikutsu disse.

— Aproveite que está sossegado aqui, Taikutsu… cante uma canção de ninar e deixe-o dormir. — Take disse e desviou sua atenção para a porta do quarto no momento em que ouviu uma risada feminina. — Você… não disse que Utsu estava em casa? —

— E está… — Taikutsu disse e começou a balançar suavemente seu bebê nos braços e recitar uma música, mas parou e olhou para o moreno. — ...é uma velha conhecida do meu pai. —

— Enfim… descanso para ele. — Take disse.

— Muito obrigado, Ontake. — Taikutsu disse e curvou sua cabeça em respeito ao moreno.

— Me chame de Take. — Take disse assim que chegou a porta do cômodo.

— Se for assim… me chame de Tai. — Taikutsu disse.

Ontake tornou a sair, mas balançou sua cabeça em resposta ao pedido do outro, sabendo que aquilo era só por agradecimento e não porque Taikutsu sentia algum tipo de afeto por ele. Take levantou seus braços e fechou suas mãos em punhos, desta forma se espreguiçando e gemendo num tom manhoso, sem dúvida que gostaria de retornar para casa e tirar um bom cochilo ou coisa do gênero. Ele continuaria andando se não passasse por uma porta entreaberta e não ouvisse novamente a risada. "Merda… meu lado curioso está falando mais alto… é só uma olhadinha…" pensou e sentiu-se um pouco animado, afinal acabaria ganhando algum tipo de informação se entrasse naquele cômodo, além disso a porta entreaberta era quase um convite para curiosos. Ele ofegou com bastante excitação e levou sua mão direita para a porta e muito, muito devagar começou a abri-la para que pudesse passar e pôs a cabeça para dentro por alguns meros centímetros. Lá era um escritório, ou melhor, uma sala de reuniões com algumas estantes de livros e um sofá de costas para a entrada. Ele mordeu os lábios inferiores e se agachou assim que abriu mais a porta sem fazer barulho e assim acessou discretamente o cômodo.

— ...ah, isso é tão divertido, Jiki-kun, mas... — Era uma voz feminina. E parecia carregar um tipo incomum de ânimo, mas sem dúvida possuía uma característica manhosa. — ...poderíamos prover outro tipo de divertimento, não acha? —

— Ahahaha, beba, beba mais, Kokoa. — Era sem dúvida a voz de Shojiki. Ele parecia bem mais animado que a última vez que o encontrou nas termas. — Não me divirto assim a semanas! —

As bochechas de Take se esquentaram. Shojiki estava sozinho com uma mulher cuja voz era particularmente encantadora e suave. Aquela era o tipo de informação que valeria muito a pena ser divulgada, quem sabe Yattsuhoshi receberia uma primeira dama ou coisa do gênero em breve. Ele engatinhou pelo aposento — certificando-se de estar bem escondido — e prestou atenção.

— Hm, querendo me embebedar, Jiki-kun? Sabe que… — A voz feminina se interrompeu por um momento e pareceu que algo era mexido em tecido e uma perna era mexida. — ...pode ter isso e aquilo sempre que estiver de passagem por esse fenomenal vilarejo, meu caro amigo. —

— Haha… não é nada… hic... disso, Kokoa. Só acho mais fácil negociar com você quando… hic… está bêbada. — Shojiki disse com a mesma animação de antes.

E não demorou para que Take entendesse a situação de Shojiki, afinal de contas esteve com Rin e Shiki quando os dois pareciam idiotas — mais que o comum — depois de beberem um copo ou dois de álcool. Sim… Shojiki estava num estado levemente alterado, mas isso era diferente para a mulher que o acompanhava na bebida, pois a mesma falava com naturalidade e firmeza. Aparentemente, o líder de Yattsuhoshi cairá no próprio golpe ao tentar embebedar a mulher para negociar sabe-se lá o que.

— Franco, do jeito que eu gosto, Jiki-kun. — Kokoa disse, então fez-se uma pausa onde escutou-se o gole dela, mas a mesma continuou. — Sobre o que está querendo negociar? —

— Uma música… hic… nova. Aquela já está muito velha, minha amiga. — Shojiki disse e não se aguentou em gargalhar e dar seguimento. — Um poema cantado não é legal, hahaha! —

— O que eu ganho com isso? — Kokoa perguntou.

— Hm… — Shojiki murmurou e inclinou a cabeça para trás. Isso foi um movimento percebido por Take. E o líder olhou para ele, mas não parecia surpreso. — ...o que… hic… dou para ela em troca, Take? —

— E eu pensando que suas habilidades sensoriais estavam enferrujadas. — Kokoa disse e suspirou com um pouco de divertimento, mas deu continuidade assim que pôs o braço direito nas costas do sofá. — Saia daí… —

"São sensoriais?" Ontake pensou e tentou não parecer surpreso — e conseguiu — enquanto se levantava e batia as mãos em suas nádegas e depois cruzava os braços enquanto prestava mais atenção na desconhecida. Kokoa, sem dúvida, possuía um charme inconfundível. Seu cabelo era púrpuro e longo com algumas mechas onduladas, seus olhos carregavam um ar de confiança e mistério, mas também de outra coisa e sua pele era escura como da ladra que o moreno encontrou no dia anterior. Kokoa parecia saber que era bela — atraente — e favoreceu mais ainda seu corpo os trajes. Ela usava uma gargantilha de ouro com duas pedras enfeitadas, além de um colar de contas que ia até perto de seu coração, então um tecido cobria parcialmente os seios e deixava as costas à mostra, assim como usava uma saia longa com um rasgo elegante que ia até sua coxa esquerda — o tecido sendo segurado por um arco feito de ouro ouro com o símbolo de Kumogakure — e ela carregava em sua mão direita um copo de whisky e na esquerda um longo cachimbo a muito apagado.

— Que feio escutando uma conversa particular, Take. — Shojiki disse. E diferente de antes ele parecia mais sóbrio.

— Desculpe… — Ontake sussurrou. Ele aparentemente se sentia enganado, afinal começava a acreditar que o líder do vilarejo estava bêbado coisa alguma.

— Quem é essa figura? Não lembro de tê-lo visto no ano anterior. — Kokoa disse e levantou uma das sobrancelhas sem desviar sua atenção do garoto, avaliando-o profundamente.

— Ele não estava aqui no ano passado. Esse é Zäo Ontake, de… da onde você é? — Shojiki perguntou assim que começou a responder a pergunta da acompanhante, mas balançou a cabeça como se aquilo não fosse importante. — Ele conhece Iryō Ninjutsu, por isso tá ocupando a função de… —

— ...médico temporário de Yattsuhoshi. — Take disse e cruzou os braços pondo as mãos nos cotovelos e lançou um olhar cauteloso para a mulher esbelta. — E você? —

— Kokoa, de Kumogakure. — Kokoa respondeu e curvou seu corpo numa reverência bem aleatória ao levar seu pé direito para o calcanhar esquerdo e baixar a cabeça enquanto a inclinava para frente. — Uma cantora excelente, mas principalmente a responsável pelos visitantes que estão recebendo. —

— Ah, então você é a líder desses bandidos? — Take perguntou e assumiu uma expressão mais séria e levantou um pouco mais seu queixo.

Shojiki engasgou com a bebida e começou a rir.

— Em resumo? Sou, mas não tenho responsabilidade pelas ações de meus companheiros. Então, se roubam… não é da minha conta. — Kokoa respondeu.

— Como é responsável por eles, mas não é responsável pelas ações deles? — Take perguntou.

— Sendo. — Kakao disse e lambeu seus lábios inferiores antes de mordiscá-los e cruzou os braços abaixo dos seios. — Há alguma reclamação? —

— É claro. Todo ano tem um monte… — Shojiki sussurrou com um pouco de divertimento e com a boca perto do seu copo de bebida.

— Tenho. — Take disse. Ele abriu a boca para continuar com seu comentário, mas não teve essa oportunidade.

— Guarde para si essa reclamação. — Kokoa disse e não pareceu incomodada pelo olhar fumegante do moreno. Ela apenas seguiu para a porta do cômodo e olhou para o antigo amigo. — Continuamos nossa conversa mais tarde, Jiki-kun. E quanto a você… — Kakao olhou cuidadosamente para o garoto. — ...espero vê-lo novamente, mas aproveitando a festividade. E tome cuidado com seus bolsos. —

Kakao saiu. E Take rangeu seus dentes com um pouco de vontade e olhou com a mesma bravura para Shojiki que agitou seus ombros como se não pudesse fazer nada contra aquilo.

— Eu odeio aquela mulher. — Take disse.

— Pode odiá-la, mas que ela canta bem… isso não tenha dúvida. — Shojiki disse e voltou a sentar e pôs uma perna em cima da outra. — Ah, sente-se. —

— Como conheceu essa… — Take não sabia qual palavrão usar, afinal todos serviam para a mulher que parecia tão confiante de si. Ele não escolheu se sentar.

— ...outros tempos. — Shojiki disse, mas seu tom sairá ainda com um pouco de divertimento, mas o mesmo continuou assim que observou o moreno. — Aparentemente… meu neto recebeu tratamento, não é verdade? Então, pode me dizer que tipo de doença misteriosa que o assolava? —

— Uma dor de cabeça. E nem é tão grave e um bom descanso o ajudará. — Take respondeu e só então percebeu que havia um silêncio no corredor, por isso acreditou que o bebê dormiu. — Acredito que haja uma pausa na construção da casa dele por causa do festival. Estou certo disso? —

— Hm, muito provável que aconteça. E que seja de amanhã em diante, mas por apenas três dias. Um que antecede o evento, outro para o evento e um pós para que as pessoas recuperem-se da ressaca por encherem demais a cara. Nesse terceiro dia… pode ser que as pessoas o procurem. — Shojiki disse e levantou uma das sobrancelhas assumindo um pouco de curiosidade, então continuou. — Porque? —

— Desde que a obra começou, Shiki tem reclamado que acorda cedo, por isso ficará contente com esses três dias. — Take respondeu com um pouco de divertimento. Ele gostaria de ver o escritor acordando tarde e com um bom ânimo.

— Hm. Você está se dando bem com o gênio difícil dele, não está? — Shojiki perguntou e sorriu maliciosamente pelo canto dos lábios, mas até mesmo o moreno percebeu aquela reação. — O convidou para dançar? —

— Não. Ele é um idiota. — Take disse de forma áspera.

— Claro que é. — Shojiki disse.

[ ۝ ]

Take e Shojiki conversaram por algumas horas. Ontake contou para o líder de Yattsuhoshi as coisas que o escritor lhe dissera na noite anterior sobre a eventual participação da festividade. E ele não se importava em ouvir o mais velho rir de toda aquela história levemente confusa — obviamente que não contou sobre outras coisas pessoais. Ele agora caminhava sozinho por uma das ruas do vilarejo e de vez em quando sorrindo e acenando para alguém que tinha ajudado dias ou semanas atrás. O moreno reparou no número de habitantes que parecia pôr as mãos nos bolsos e depois exibir uma estranha expressão de preocupação, mas depois se lembrarem de alguma coisa como se uma chave virasse em algum lugar de sua mente. Ontake suspirou e cruzou os braços e olhou para frente e parou de andar um momento depois. Isso porque a garota que o roubou no dia anterior estava ali com a expressão mais tranquila possível e comendo um taiyaki e piscou distraidamente para ele.

— SUA RATA! — Ontake gritou ao lembrar-se de tudo o que passou no dia anterior.