Rin olhou com brevidade para a menina ao seu lado. Kon possuía cabelos e olhos azuis, com os fios não sendo longos, ou melhor, desciam a apenas um palmo da nuca, mas ele apostava que foram cortados recentemente. A garota não era capaz de esconder a preocupação que sentia naquele momento, mas assim mesmo levava suas mãos para o vestido e apertava para esconder o nervosismo adicional. Rin sabia que não devia perder o ritmo de sua mão no coração do senhor e, por isso, levou a outra mão para o cabelo da garota e a acariciou enquanto se esforçava para sorrir. Ele não devia demonstrar nada além de calma naquele momento. Se expressasse nervosismo ou raiva afetaria as pessoas ao redor e seria um saco contornar a situação. "Mantenha a calma. Você está no comando aqui" ele pensou e fechou os olhos enquanto sentia o suor começar a escorrer de seu rosto. Ele devagar abriu os olhos e retornou sua atenção ao senhor e voltou a fazer respiração boca a boca no mesmo.

— Kon-chan, converse comigo. — O rosado murmurou depois de outra respiração boca a boca. — O que faz para se divertir por aqui? —

— Eu danço. — Kon o respondeu e voltou seus olhos azuis escuros para o avô no chão e engoliu em seco. — Ele me ensinou a dançar. —

— Ah, eu adoraria te ver dançando. — Rin comentou, mas continuou assim que concluiu outra respiração boca a boca e mantinha sua mão apertando e soltando o coração. — Você deve ser incrível. —

— Ela é mesmo. — Uma das pessoas em volta comentou. Rin não fez questão de reparar no homem que deu aquela declaração. — As pessoas daqui chamam ela de "Pés leves" porque ela se movimenta com graça. —

— O avô dela estava ensinando a lutar com leques e combinou com a dança. — Outra pessoa comentou ao lado do homem que disse aquilo anteriormente e gargalhou. — Ela nunca fez uma apresentação nos festivais do vilarejo. —

— Porque, Kon-chan? — Rin perguntou e mirou seus olhos esverdeados nos azuis escuros da garota. Não era um olhar sério ou reprovativo, mas de curiosidade mesmo e bondade. — Porque? —

— Vergonha. De fazer em público. — Kon o respondeu e abaixou sua cabeça, pensando que o garoto que ajudava seu avô começaria a rir de sua cara.

Rin ficou em silêncio. Ele sentia vergonha de inúmeras coisas, mas nada que fosse relacionado em fazer publicamente. Sua maior vergonha era ter sobrevivido ao confronto com Gluttony, depois de ter dito que morreriam juntos. Ele fechou seus olhos e se concentrou em esquecer daquilo por aquele momento.

— Eu também fico nervoso, Kon-chan. — Rin comentou ainda de olhos fechados e fazendo o que devia fazer no coração do senhor de idade. — O que sente não é vergonha. É nervosismo. Você não sabe o que as pessoas sentirão ao olhar para você. Ao verem o que você sabe fazer de melhor. — Rin abriu seus olhos e encarou os olhos azuis da garota. — Sabe o que tem que fazer? —

Kon não respondeu. Apenas olhava para o garoto gentil que soltava palavras tão doces, mas ao mesmo tempo convictas. Rin inspirou fundo antes de dar continuidade ao que queria dizer.

— Fechar seus olhos. Contar até dez e fazer o que tem que ser feito. Ignore todas as coisas exteriores. Ignore todos os olhares e barulhos. Esqueça de tudo, exceto de você mesma. Deixe que seu corpo comande e permita que sua mente obedeça. Eu tenho certeza que você surpreenderá. — Rin comentou e olhou para o senhor de idade ainda deitado no gramado e sussurrou. — E tenha um bordão. —

— Bordão? — Kon perguntou e se aproximou um pouco de Rin. — Você tem um bordão? —

Naquela aproximação, Rin percebeu que era maior do que a garota. Ele supôs naquele momento que ela deveria ser alguns anos mais jovem do que ele, mas ainda sim era corajosa e conseguia se acalmar. Na realidade, ele conseguiu acalmá-la.

— Se eu tenho? — Rin perguntou, mas não deu a chance da garota afirmar. Ele levou o indicador da mão livre para perto dos lábios e piscou seu olho direito para a garota. — "Shannaro, Kuso Baka". Esse é meu incrível bordão. Quando uso, sinto que vou além das minhas capacidades. Me dá coragem. Sabia disso, Kon-chan? —

Kon naquele momento achou o rosado ainda mais incrível. Ela olhou para seu avô ainda na grama e levantou o braço direito com o punho fechado. Aquele movimento foi observado por Rin que não entendeu o motivo.

— SHANNARO, KUSO BAKA! — Kon gritou.

Rin ficou em silêncio, mas não foi capaz de esconder a surpresa. Ele abaixou um pouco sua cabeça e se permitiu rir por alguns segundos. Aquilo havia se tornado divertido. Ele levantou o braço disponível assim como a garota ao seu lado e manteve o punho fechado.

— SHANNARO, KUSO BAKA! — Rin gritou enfim e olhou para Kon antes de sorrir para ela.

[ ۝ ]

O avô de Kon ficou bem. Contra inúmeras probabilidades o mesmo retornou dos mortos, ou dos quase mortos já que seu coração batia sob influência do garoto até certo ponto. O homem acordou na cama do hospital e Rin estava do seu lado junto a neta do mesmo.

— O coração do senhor arranjou um bom dia para querer infartar. — Rin comentou e levou a mão direita para o cabelo de Kon e esfregou enquanto olhava o avô dela. — Alguns dias de descanso e o senhor estará melhor. —

— O garoto abençoado me salvou. — O senhor de idade comentou e levou a mão esquerda ao peito e sentiu o coração bater pela alegria do momento.

— Meu nome é Rin. — O rosado corrigiu ao mais velho da maneira mais educada que pensou naquele momento. — Sua neta também salvou o senhor. Ela levou minha força de vontade ao espaço. —

— Shannaro, Kuso Baka. — Kon sussurrou e levantou a cabeça para que pudesse olhar o rosado e sorriu ao mesmo.

— Ah, droga! Agora estou super empolgado, Kon-chan. — Rin comentou e levantou os braços com os punhos fechados. — Shannaro, Kuso Baka! —

Em parte era verdade. Costumava gritar "Shannaro, Kuso Baka" para algumas coisas, mas não acreditava que as três palavras fossem capazes de elevar seu espírito, ou melhor, sua força de vontade. Era só um hábito que pegou por influência de Sakura Haruno e o modificou de sua maneira. Ele gritava quando estava irritado com alguma coisa ou atacava com tudo o que tinha, mas aquela mentira ele preferiu acreditar que não teria danos.

— Vamos, Kon. Não o incomode. — O senhor comentou por mais que aparenta gostar de ver a neta com tanta alegria. Ele olhou para o rosado. — Não sei como posso agradecê-lo, Rin-san. —

— Pode começar descansando como mencionei agora a pouco. — Rin o respondeu e levou as mãos aos bolsos antes de se afastar um pouco e bocejar enquanto seguia para fora do hospital. — E passar mais ensinamentos para a Kon-chan. Um dia quero voltar para esse vilarejo e ver uma das apresentações dela. —

Rin olhou desta vez para a garota que havia reagido a aquele comentário. As bochechas dela se esquentaram, a mesma abaixou sua cabeça e desviou imediatamente sua atenção para qualquer coisa que não fosse o garoto. Rin sorriu e retornou seu olhar para o mais velho.

— Falo sério. Descanse, por favor. Sua neta merece ter o senhor por mais tempo, vovô. — Rin comentou.

Rin não esperou pela resposta, mas pelo olhar que recebeu do mais velho ele entendeu que sua sugestão foi bem aceita. Ele saiu do hospital e abaixou a cabeça enquanto formava um sorriso ao escutar o grito de Kon. Um belo "Shannaro, Kuso Baka". Sua caminhada pós hospital era tranquila e ele fechou novamente seus olhos para apreciar outro vento fresco. Ele parou de andar por um momento e levantou sua cabeça para ver o telhado, nesse momento sentiu vontade de retornar para lá e adormecer por mais algum tempo. Ele estava para fazer isso e já havia até mesmo preparado seu corpo para um salto.

— Rin. — Alguém o chamou. Era Chishiki que o olhava com seriedade e parecia se esforçar em falar com o garoto. O escritor estava com as mãos nos bolsos da jaqueta e seus olhos atentos no rosado. — Tem um minuto para conversarmos? —

— Algum problema? — Rin perguntou e ajeitou sua postura. Ele já tinha visto o escritor de modo sério, mas agora era muito diferente. Ele se aproximou do homem.

— Só um. Por isso quero conversar com você. E num lugar que ninguém vai nos incomodar. — Chishiki murmurou e removeu uma das mãos do bolso e a levou para o cabelo e o esfregou.

— Tem alguma ideia? — Rin perguntou. Seus olhos esverdeados se concentraram mais no rapaz. Semicerrando um pouco enquanto olhava para ele. — Antes… qual foi a primeira coisa que me disse quando nos conhecemos? —

Chishiki ficou em silêncio, mas suspirou antes de respondê-lo.

— "Temos um capitão óbvio aqui". — Chishiki o respondeu e levou a mão para a nuca e a coçou antes de se virar e apontar com a outra para o lado leste do vilarejo. — Vamos lá. —

— O que tem lá? — Rin perguntou. O que mais queria naquele momento era obter suas respostas.

— Nada. Por isso vamos lá. — Chishiki o respondeu.

"Ele quer ficar sozinho comigo" Rin pensou e fechou seus punhos com mais força, mas os manteve nos bolsos. Ele ainda não havia mostrado sua força para Chishiki ou Hachi e, por isso, acreditava que teria uma vantagem, mas ao mesmo tempo não sabia das qualidades de combate deles. Ele só olhou para o escritor seguindo a frente e ele o acompanhou com alguns passos de distância.

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O lugar que Chishiki levou Rin era fora do vilarejo. Havia um bom número de árvores e pedras e se caminhassem às cegas cairiam num desfiladeiro. Nenhum pouco perigoso. Rin memorizou o retorno para o vilarejo e sentiu-se pronto para lutar por sua vida. Ele olhou para Chishiki parando de andar e pondo suas costas no tronco de uma árvore e o olhando, ou melhor, o avaliando com um desgosto.

— Alguma coisa de errado, Chishiki? — Rin perguntou e fechou os punhos com mais força nos bolsos.

— Já disse que sim. — O loiro o respondeu e levou seu indicador da mão esquerda para os óculos e o ajeitou. — Você está errado. —

Rin ficou em silêncio, mas então acabou rindo.

— É disso que estou falando. — O loiro comentou mantendo um tom de voz tranquilo e um olhar puramente avaliativo. — Você está se forçando a rir. Seus olhos, garoto. Perceba seus olhos antes de fingir emoções. —

Rin parou de rir. Ele entendeu o rumo daquela conversa. E era verdade até aquela parte. Desde o primeiro dia que acordou no hospital, desde que soube da morte de seus amigos, a maioria de suas risadas foram forçadas. Seu olhar era de tristeza, melancolia, abalo por aquelas mortes.

— Eu não quero falar disso. E muito menos com você. — Rin murmurou com um ar um pouco mais sério.

— Porque? — Chishiki perguntou e sorriu com deboche para o rosado à sua frente. — Acha que se faz de forte, garoto? Nada disso. Você é apenas um moleque que não entende o que está fazendo. Você chora todas as malditas manhãs e força uma alegria pelo restante do dia. — O loiro comentou e então começou a gargalhar. — Você é só mais um bosta, garoto. Um bosta que é admirado por outros pedaços de bosta. —

Rin abaixou a cabeça e continuou escutando, mas mordia seus lábios com força para evitar qualquer comentário ou som errado.

— O que houve? O garoto abençoado ficou sem palavras? — Chishiki perguntou com uma ironia mais parecida com o golpe de uma faca no peito. — O que aconteceu? —

— Eu não quero falar nisso. — Rin comentou.

— Não quer, mas vai falar. — Chishiki murmurou.

Rin ignorou a voz do loiro. Até mesmo ignorou quando ele resolveu se aproximar e o segurou pela gola da camisa. Chishiki olhou para os olhos esverdeados de Rin. Os olhos mais tristes que já viu em toda sua vida. Ele fechou seu punho e acertou um soco no canto esquerdo do rosado e depois outro soco. Rin não devolveu em momento algum os ataques que recebia.

— O que aconteceu? — Chishiki perguntou e usou as duas mãos para segurar a gola da camisa do rosado. — Você perdeu pessoas? Foda-se! —

"Foda-se?" Rin pensou e sua amargura se combinou a uma raiva súbita. Ele socou o rosto de Chishiki e com aquele único soco foi capaz de afastá-lo o suficiente. Rin cuspiu um pouco de sangue assim que se levantou e se aproximou do loiro que ainda se recuperava do golpe.

— Foda-se? — Rin perguntou e fechou o punho direito antes de levá-lo à barriga do loiro. — Eram meus amigos. Pessoas que eu gostava a muito tempo. E você solta um foda-se? —

Então, Rin sentiu. Sentiu todo aquele sentimento que mantinha guardado. Cada maldita fração que escondia para que ninguém visse aquela fraqueza pessoal. Mas de alguma forma aquele loiro via. Rin socou Chishiki uma segunda vez, mas desta vez no lado esquerdo do rosto dele e depois segurou a gola de sua camisa enquanto encostava sua cabeça no peito dele.

— Eu não devia ter sobrevivido, Chishiki. Eu não devia. Sinto toda hora que estou traindo meus amigos. Eu não consegui nem mesmo me despedir deles. Não consegui agradecer por serem ótimos… — Rin começava a chorar enquanto sussurrava aquelas palavras. Ele fechou seus olhos e sentiu a mão gentil do escritor em sua cabeça o acariciando. Aquela era a primeira, e muito provavelmente a última, que o loiro lhe faria aquilo. — ...não consegui dizer que amava eles. Eu perdi qualquer oportunidade de estar ao lado deles. Eu não queria ter sobrevivido, mas aconteceu. Eu queria ter lutado, morrido e acordado no outro mundo com eles. —

Rin levantou sua cabeça o suficiente para enxergar Chishiki. E o escritor não escondia um sorriso gentil muito diferente de antes. Era um sorriso calmo e paciente, como se o mesmo fosse ficar ali pelo tempo necessário para escutá-lo. Rin abaixou sua cabeça novamente, sentiu a mão do escritor deslizando por seu cabelo o acariciando. Rin soltou a gola do loiro e curvou seu corpo para trás. Nesse momento ele liberou todo o ar dos pulmões como um grito. Um berro ainda mais duradouro que aquele que soltou quando soube da notícia. Um berro mais doloroso que continha todos os sentimentos ruins que foi nutrindo desde sua recuperação. Sentia-se nojento por culpar as pessoas erradas, por se culpar inicialmente e depois culpar o Hokage. Ele ajeitou sua postura assim que terminou de gritar, mas voltou a fazer aquilo. Só que o grito dessa vez foi mais alto. Mais doloroso ainda. Sentia-se ruim por ter escondido aqueles sentimentos.

— Está tudo bem, Rin. — Chishiki sussurrou depois de abraçar Rin que parava de gritar. — A maioria das pessoas não percebem quando o outro está sofrendo. Se estilhaçando nessa tristeza, mas eu vejo você por inteiro. — O loiro sussurrou. — Você devia sim ter sobrevivido. Sem você, nada disso estaria acontecendo. Você está vivendo pelos amigos que perdeu. Lembre-se disso. Não foi uma traição. — Chishiki sussurrou e levou sua mão ao cabelo do garoto e o acariciou. — Você pode ser um herói para um monte de pessoas, mas deixe que seus amigos cuidem de quem realmente é. —

De certa forma, Rin entendeu o comentário de Chishiki. Além de se auto declarar como seu amigo, estava sugerindo que o ajudaria em questões pessoais. Questões essas que ele não gostaria de mostrar para outras pessoas. Rin não o respondeu verbalmente, mas por gestos. Ele só balançou sua cabeça, concordando com aquele comentário.

— O perigo já passou. — Chishiki sussurrou.

— Errado… — Rin murmurou e afastou sua cabeça do peito do loiro e esfregou seus olhos antes de dar continuidade. — ...não passou. E Hachi é um dos envolvidos. —

— Eh… — Chishiki murmurou e lentamente sua expressão foi se modificando até que ele cruzou os braços com um olhar ainda gentil. — Explique. —

"Talvez me desculpe com Misa quando voltar para Konoha. Aposto que ela ia gostar de ter me consolado" Rin pensou e aproveitou para se afastar um pouco de Chishiki. E então passou os minutos seguintes explicando tudo o que aconteceu nos últimos tempos para o loiro. Até que chegou nos últimos dias.

— No dia que Hachi acordou que minhas dúvidas começaram. Ele tentou escapar de inúmeras formas antes de gritar para nos levar até ele. Depois, furtou uma faca sem que ninguém percebesse. Sei disso porque o vi devolver quando retornamos para casa e vi que ele queria tirar algo da roupa no primeiro encontro com Taikutsu Nintai. Para alguém que vem de Amegakure, sendo meramente um estudioso, ou historiador, tem boas habilidades. Eu suspeitava de vocês dois, mas logo vi que você não tinha qualidades para ser um ninja. — Rin explicou.

Só então o loiro percebeu uma coisa e levou a mão direita para sua cabeça.

— A pedra. Era um teste? — Chishiki perguntou.

— E você passou ao ser atingido por ela. — Rin o respondeu e piscou um dos olhos para o loiro. — Eu atirei uma essa manhã em Hachi na presença de Sasuke-san. E ele desviou desacelerando seu modo de andar assim que percebeu a pedra ser lançada. Meu inimigo está em seu teto, Chishiki. —