Capítulo Único

Nora se lembra da dor.

Do estranho choque inicial e então da assombrosa e excruciante dor. Ela se propagava por todo o seu corpo, como se seus raios fossem adagas perfurando todos os poros da sua pele pouco a pouco, lenta e dolorosamente.

E então ela corre. Ela corre por que esse é o único jeito de pensar, de lembrar, de não esquecer.

Ela não se importa que o próprio Batman tenha pedido para ela não fazer algo estúpido, por que o pai dela morreu e ela quer ser estúpida pelo menos uma vez. Ela não se importa em ter deixado todos os membros fundadores da Liga falando sozinhos, dizendo o quanto sentiam muito, que ele foi um herói, que salvou milhões de pessoas. Ela só quer que tudo pare e a única forma de fazer isso é correr.

Ela não nota o olhar preocupado do único adolescente na sala, o modo como ele pareceu ansiar por dizer algo, por ser ele a dar aquela notícia e não o sempre sério e introspectivo tutor. Ela não nota, e por que notaria? Ele não se importava, ninguém se importava.

Dessa vez, Nora tem dezoito anos, e ela está terminando o High School. Ela teve as melhores notas da turma e ganhou uma bolsa integral em uma das mais conceituadas faculdades de Medicina do país, mas nada disso importa. Seu pai não estava ali, ele não poderia lhe dizer que estava orgulhoso, que ela era a sua garotinha, que estava fazendo um bom trabalho. Ele nunca mais estaria ali, ele nunca mais voltaria.

As pessoas a sua volta estão alegres, dizem o quanto ela era inteligente, que a faculdade seria a melhor esperência da sua vida, que ela seria muito feliz, que estavam orgulhosos.

Nora só queria gritar.

Sua mãe sorri, e ela sabe que não pode, por que esse era o momento dela, não o seu. Então ela se força a enterrar tudo aquilo e agradece. Agradece e agradece e agradece a noite toda até que tudo finalmente acaba.

Todos vão embora e sua mãe decide ir dormir, mas ele fica ali. Ele sabe que ela não está bem, que têm alguma coisa errada. Ele não diz nada, ele sabe que não precisava. Nora o encara, verde no azul e então ela chora. Ela chora e se desmancha em lágrimas e uma parte dela tem a consciência de que deve estar horrível e que deveria só enxugar as lágrimas e torcer para parecer menos patética, mas ela não consegue.

Ele a abraça e de alguma forma tudo aquilo parece apenas sumir. Ela não precisava correr, não precisava mais gritar, ela só precisava que ele ficasse ali. E ele ficou, ficou a noite inteira e na manhã seguinte sua mãe o viu saindo do seu quarto e Caitlin pareceu ficar instantaneamente de bom humor.

Quando perguntou o que tinha acontecido ela continuava com aquele sorriso, o que fez Nora ficar vermelha e articular nervosamente que não mãe, eles não fizeram nada além de dormir.

Naquela manhã, porém, Nora se sentiu especialmente mais leve do que o normal.

Na próxima vez, Nora estava completando vinte anos e Wally e Donna resolveram fazer uma enorme e gigantesca festa. Ela tentou fazê-los parar, mas ninguém parava nenhum daqueles dois, então quando todos da equipe ficaram bêbados ao estremo, ela simplesmente deu o fora dali e se trancou em seu dormitório. Megan fingiu não notar, o que a fez sorrir em desculpas, nunca gostara de festas, mesmo aquelas dadas em sua homenagem.

Ela estava prestes a dormir, apenas a enorme camisa de Wally servindo como um pijama quando ele apareceu. Pediu desculpas por ter perdido a festa, e lhe entregou o seu presente.

Ela agradeceu, o rosto agora vermelho parcialmente envolto nas sombras, e imaginou ter visto um traço de diversão em seu semblante.

Enquanto abria o pequeno embrulho pensou ter sentido uma breve ânsia por algo inexistente, uma sensação meio esquisita na barriga. Ela ignorou isso e o pacote se revelou um singelo colar com um pingente em forma de um raio tão lindo e exótico e ela o agradece ao mesmo tempo em que pede para ele ajudá-la a colocar.

Ele a explica que a pedra é uma Ágata Rosa, símbolo da proteção, da amizade, justiça e amor. Que representa tudo o que ela é por dentro, e que nunca deveria se esquecer disso.

Ela o agradece outra vez, azul no verde, verde no azul e de alguma forma eles estão se beijando e é quente e frio e alegre e caloroso e Nora sente que está voltando para casa, que alguém finalmente se importa.

Eles não se preocuparam com o fato de que a Legião inteira provavelmente iria descobrir sobre isso amanhã, nem com o comunicador dele, que escolheu justamente àquela hora para acionar, nem com os inúmeros choques que Nora o deu acidentalmente.

Nora não se preocupou, pois Richard sempre cuidaria dela no final.