Rick estava mais irritado do que cansado; a adrenalina se encontrava em demasiado excesso nas suas veias enquanto a quantidade de monstros diminuía.

Fazia tempo que não tivera uma oportunidade de ouro dessas para extravasar sua raiva; a cada cabeça que estourava gostava de imaginar que era um dos seus problemas sendo vingados.

O local fora esvaziado pela ira do adolescente; os aldeões simplesmente correram para os abrigos e as criaturas foram dizimadas. Rick se atreveu a pensar que enfim havia acabado.

Ouviu um baque à distância. Um que não era familiar aos seus ouvidos; nesse tempo todo só ouvira balidos, estalos de ossos, desabamentos e gritos. Batidas de ferro não estavam na lista, tirando as da sua própria espada.

Virou-se na direção do efeito sonoro. E paralisou.

O maior dos porcos que teve a infelicidade de conhecer balia tempestuosamente à frente do portal; e aos seus pés, indefeso, se encontrava o Mestre Eddard.

Com os olhos arregalados de preocupação e espanto, viu mais dois porcos-zumbis surgirem do portal. Saindo do choque, arremessou sua espada como uma lança na direção de um deles e correu para acudir o Mestre.

Se o companheiro do monstro abatido ficou apreensivo, não deixou demonstrar; o que provava que não tinha bom senso. Rick o derrotou sem nenhuma arma, somente na base do punho. Enquanto dava socos, um porquinho menor que a sua cintura tentou desferir algum golpe; tarde demais: o humano, considerando-o como um nada desferiu um chute traseiro e o tirou do caminho.

Rick recuperou sua espada do cadáver rosa e foi eliminar a maior ameaça.

Não bolou nenhum plano; não o provocou para matá-lo de uma vez, muito menos mostrou que se aproximava pelas costas da enorme aberração. Simplesmente subiu as rochas vermelho sangue e o empurrou, fazendo-o ficar da cintura para cima imersa em matéria roxa.

As pernas espernearam-se por um segundo; no outro, o portal soltou um vento fortíssimo, fazendo Rick derrubar sua espada longe.

Naquele momento, o adolescente só viu um mundo completamente roxo, e assim que o portal terminou seu trabalho, Rick, ainda meio tonto com a experiência, viu a cintura de o seu último oponente tombar na sua frente, sem a parte de cima para acompanha-la.

Um trovão soou assim que o inferno saiu do local. O portal fora desligado, restando apenas a sua estrutura retangular de pedra obsidiana sendo molhada pela chuva que iniciara.

Porém aquilo pouco importava para Rick; seguiu rapidamente na direção do corpo caído de túnica branca e barba grisalha. Após ele se ajoelhar, seu coração disparou mais ainda quando viu o sangue que empapava a roupa e o solo. E o mais importante: Eddard não se mexia.

– Não... – o adolescente murmurou sacudindo-o – Não... Não! Para de brincadeira!

A cabeça ensanguentada tombou para o lado. O jovem começara a tremer e respirar fortemente. Sentia-se como naquele dia; quando perdera seu melhor amigo. E também como naquele outro... Lágrimas se juntaram e caíram.

– NÃO! – abraçou o corpo inanimado – Por favor...! Acorde...!

Tivera um fio de esperança; mas ele se rompeu quando percebeu que o peito não ressoava nenhuma batida.

– Não faz isso comigo... – Rick apertou o abraço – Não me deixe aqui sozinho...

* * *

– Que inferno aconteceu aqui?! – Flávius pensou alto enquanto via a devastação.

Em vários lugares havia diversas rochas vermelhas empilhadas e poças de lava, que ficavam bem destacadas na escuridão da noite. A chuva contínua servia para algo; apagava os incêndios que foram causados por algum motivo que Flávius e Marcelo desconheciam. Poucas casas até chegaram a desabar quase por completo.

– O inferno literalmente passou por aqui mais cedo – Philip passava ao lado, ajudando a arrumar a bagunça. No começo, Flávius quase não o reconheceu; ele ficava muito diferente depois de ter todo o cabelo raspado.

– O que quer dizer com isso? – Marcelo questionou.

– Está vendo aquele retângulo roxo escuro? – Philip apontou e os dois seguiram a mão. De fato, havia uma estrutura diferente do que estavam acostumados – Do nada, apareceu um monte de porcos-zumbis e atacaram a vila com tudo.

– Houve fatalidades? – já sabiam a resposta, a julgar pela tristeza e vazio que o lugar emanava.

– Sete. Haveria mais se o Mestre Eddard e o Rick não tivessem chegado logo do treinamento.

Sete pessoas – Flávius repetiu para si mesmo abismado – Se a gente tivesse chegado um pouco mais cedo...

– Falando nisso, onde eles estão? – Marcelo perguntou, estudando o pessoal que tentava arrumar a confusão – Não os vejo...

Um momento de silêncio seguiu-se. Philip sabia que aqueles adultos eram bem amigos do Mestre.

– Mestre Eddard... Não sobreviveu – revelou em voz baixa.

Flávius e Marcelo o olharam de súbito. De todas as pessoas que conheciam a que eles consideravam menos vulnerável era o Eddard. Ele lutava tão bem... Nas batalhas ocasionais noturnas nem se feria...

– Isso... Não pode ser verdade! – Flávius exclamou – Por isso que o chamamos de Mestre Eddard... Porque ele é praticamente invulnerável! Além de ter um amplo conhecimento...

Como?! – Marcelo perguntou chocado.

– Não sei muito bem, mas pelo que soube o monstro que o matou tinha quase três metros de altura. O Mestre foi atingido pela bola de ferro que ele carregava.

– E o Rick?! – Flávius tomou a vez do relatório.

– Está no templo o dia inteiro.

– Já levaram os corpos...?! Marcelo deixa a mochila em alguma casa inteira e vamos lá.

Após acharem uma estrutura em pé e pegarem uma tocha para iluminar a trilha, outros três adultos decidiram segui-los para o templo.

– Queremos trazê-lo de volta faz tempo... Que bom que chegaram para nos ajudar – Robert disse cabisbaixo; se culpava por a velhice não o deixar em condições de lutar.

– Por que precisam da nossa ajuda? – Marcelo questionou franzindo a sobrancelha e colocando uma mão na frente dos olhos para conter os pingos.

– Rick deve estar... Um pouco instável... Na última vez que ele perdeu alguém que gostava quase levou outro garoto para o túmulo.

* * *

Rick perdeu a conta do tempo; embora soubesse que já havia passado horas.

Dessa vez os falecidos não estavam tão feridos, então não os cobriram completamente com a mortalha. Do peito para cima dava-se para reconhecer perfeitamente o Mestre Eddard, pálido e imóvel. Ele fora colocado logo à frente da entrada do templo envolto em um tecido verde-marinho. A chuva limpara o sangue do rosto.

Rick ficou em uma espécie de transe o dia inteiro. Os outros adultos tentavam consolá-lo; tentavam ajudá-lo a superar o caso, mas o garoto nem dava atenção. Tinha a impressão que faziam isso somente para evita-lo de perder o controle. A maioria deles não sabia do por que Rick o perdera na morte de Jean.

Isso o irritava; sendo assim não se dava o trabalho de fingir estar escutando os sinto muito e o resto das consolações. Contudo essa foi a parte fácil de fazer. O zumbido nos seus ouvidos o auxiliava bastante.

A parte difícil foi realmente não perder o controle. Não sair correndo como na última vez e gritar com todas as suas forças. Não descontar a raiva em todos à sua volta.

Em companhia, tudo o fazia cerrar os punhos ao controlar-se. Sozinho, a tristeza lhe dominava.

Qualquer pensamento sobre o Mestre o entristecia. As mãos estavam por baixo da manga, juntas, isso o lembrava das diversas vezes que Rick se perguntara do porque ele tinha essa mania estúpida.

Ele nunca mais iria acordar para lutar com seu aprendiz, isso o lembrava de que provavelmente nunca encontraria um professor melhor.

E, principalmente, os últimos dias juntos passavam como um flash pela sua mente. Tentava não pensar nisso, mas o passado lhe dominou. Especialmente aquela frase:

“Você é o filho que nunca tive” – na hora que escutou essa declaração, não sabia o que tinha sentido, mas agora soube. Sentiu-se emocionado por encontrar alguém que o considerava a sua família.

– E você é o pai que perdi – Rick diz, encarando o cadáver do Mestre Eddard – Devia ter falado isso naquela hora...

Subitamente, perdeu a força nas pernas e caiu de joelhos. Mas agora é tarde demais.

Isso é tão injusto! – sua mente gritou. Quando pensei que poderia encontrar a felicidade novamente, o destino a toma de novo!

Poderia ficar encarando o corpo por mais algumas horas, contudo percebeu que segurava um pergaminho. Não se recordava exatamente em qual momento o pegou, mas sabia que estava com o Mestre antes.

Deu uma olhada. Um castelo fora desenhado no canto direito acima de coordenadas do local; logo acima uma face malfeita de uma pessoa que Rick reconheceu. No lado esquerdo, havia uma mensagem em uma caligrafia feia, contudo ainda assim conseguiu compreender as palavras.

Espero que cumpra o prometido, senão já sabe o resultado. Não tenho expectativas na inteligência da sua raça, contudo a força pode ser o suficiente para causar algum estrago. Destrua os alvos. Não me interessa como e quantos matem, mas obedeça minha ordem.

Seu sangue começou a borbulhar. Sim... Não foi o destino que a roubou de mim, foi o desgraçado do Herobrine.

Levantou-se rapidamente e praticamente correu para a saída; quase dando um encontrão em Flávius e Marcelo, que Rick não sabia quando haviam chegado. Ele os ignorou e avançou no final da noite.

Quando chegou à aldeia, o sol já surgia. Seguiu até uma casa familiar e entrou por uma porta arrombada. Prestou atenção ao redor por breves momentos; estava uma bagunça. Provavelmente algum dos monstros invadiu e fez a festa, porque tudo que poderia estar no chão estava.

Porém focalizou o único objeto que se encontrava apoiado na parede; a espada de diamante. Driblando entre a desorganização, deixou a de ferro para trás, agarrou o punho da lâmina azul, dirigiu-se à saída e caminhou pelo deserto, à procura de um animal conhecido.

Enquanto andava, várias memórias das pessoas que amou passaram sua mente; Elizabeth, Marcus IV, Jean e Mestre Eddard. Todos mortos. Por culpa do Herobrine.

A raiva cruzou seus olhos.

Só há um jeito de acabar com isso. É enfrentando o que começou naquela noite. Herobrine, você queria um oponente? Seu desejo foi realizado.

Scar já era um cavalo adulto; perfeito para o que seu dono queria. Após tirá-lo do cerco, montou em seu companheiro de viagem e fez o comando para avançar. Scar acatou a ordem com prazer, parecendo sentir a emoção do cavaleiro.

A sede de vingança. O desejo de finalizar o sofrimento de uma vez por todas.