TRÊS SEMANAS ANTES.

─... E um milk-shake de morango também!

O garoto cheio de espinhas espalhados pelo rosto terminou de fazer seu pedido e Juni segundos depois, fez uma careta encarando aquelas coisas quase que explodindo em sua face. Como que no meio do seu crescimento, humanos ainda comiam coisas prejudiciais a sua saúde? Humanos, pensou. Estava em pé a um bom tempo anotando os pedidos dos clientes e nem se deu ao trabalho de checar as horas para ir embora, pois sabia que ainda faltavam alguns bons minutos ate sua saída.

Suspirou não de cansada e sim de entediada. Aquilo era fichinha comparada ao trabalho que antes fazia há alguns anos atrás. No ultimo cliente da fila agradeceu mentalmente por finalmente sair daquela lanchonete impregnada até as paredes com cheiro de gordura.

─ Você trabalha bem menina!

Depois de já ter tirado o avental com as grandes letras vermelhas formando o nome da lanchonete e a rede de cabelo, sentou-se em uma das cadeiras do lugar e pegou um cigarro tragando-o enquanto ouvia o comentário do senhor Martins.

Olavo Martins era o nome do humano baixinho e rechonchudo dono da lanchonete em que Juni trabalhava há apenas seis meses. Depois de "salva-lo" de um atropelamento empurrando-o para longe do carro, ele agradecido lhe perguntou o que ela queria como recompensa. Ela hesitou por um momento mas depois lhe questionou sobre o que ele tinha e senhor Martins no momento do susto disse que era dono de uma lanchonete. Então ela viu ali apenas uma oportunidade de passar tempo em um mundo que não era seu.

─ Essa é a primeira vez que o senhor me elogia depois do que aconteceu ─ disse soltando a fumaça pelo nariz enquanto o via sentando em uma cadeira a sua frente.

─ É... não sou muito de dialogar com meus funcionários. A não ser que seja algo referente a lanchonete.

─ Então por que esta fazendo agora? ─ perguntou estreitando o olhar.

Aquela lanchonete para seu tédio era maior do que ela tinha imaginado. Contando com ela eram onze funcionários, incluindo o cozinheiro que era o ultimo a sair. Suspirou ponderando. Via no senhor Martins um homem calmo e educado. Durante o tempo em que estava trabalhando ali descobriu que ele tinha uma filha e sua mulher acabara de enfrentar o câncer de mama. E apesar de não ter nenhum tipo de afeto por eles, suspirou aliviada por ouvir que ela já estava em casa cuidando dos últimos tratamentos.

─ Lhe observei e percebi que você é bem na sua, não conversa com ninguém que trabalha aqui. Só se for pra responder os detalhes dos pedidos.

─ É... não sou muito de dialogar com funcionários, a não ser que seja algo referente a lanchonete.

Ironizou repetindo a mesma resposta dele e viu que ele sorria.

─ Gostei do seu senso de humor.

─ Obrigada!

Agradeceu tragando mais um pouco do cigarro. Segundos depois o silencio entre eles já lhe incomodava e ela se perguntava o que ele queria naquele momento, por que quando entrou ali para trabalhar essa foi de longe a maior conversa que já tiveram.

─ Está inquieto senhor Martins, oque o senhor quer me falar?

Não estava gostando daquilo e pensara até que ele a demitiria. Sim, provavelmente! Já tinha passado por aquele tipo de conversa e aquilo não lhe surpreendia.

─ É que como completou uma semana que minha mulher saiu do hospital... ─ fez uma pausa ─ Ela e minha filha estão querendo conhecer a moça que me salvou.

Juni pela primeira vez em cem anos na terra se sentiu comovida. Aquilo era um convite e eles queriam lhe agradecer. Um sorriso quase que imperceptível aos olhos do humano em sua frente surgiu atrás do cigarro ainda sendo tragado.

─ Quando?

─ Então você irá?

Os olhos dele pareceram surpresos demais pra mostrar outra coisa. Humanos e suas variações de sentimentos. Pensou alargando mais seu sorriso enquanto terminava o cigarro.

─ Claro! Por que não?

─ É que achei... ─ coçou a nuca mas mudou de assunto ─ bem então sendo assim, ela disse que o jantar seria no sábado!

─ Hoje é quinta e sábado ainda trabalho aqui senhor Martins.

─ Você poderá sair mais cedo.

─ Já que estão insistindo... ─ levantou quando viu seu irmão mais velho parando com sua moto no lado de fora ─ serei ao menos pontual.

Andou ate a saída e passou pelo senhor ainda sentado e antes de fechar a porta de vidro por completa ouviu um 'muito obrigado' baixo demais pra ser ouvido por ouvidos normais. Pensou que aquilo não era o agradecimento por ter aceitado ir no jantar, e sim por ela ter lhe salvo meses atrás.

─ Está atrasado!

Já fora da lanchonete pisou no cigarro, pegou o capacete da mão de SeungRi, subiu na moto e passou seus braços em cada lado de seu corpo lhe dando um abraço. Ele sabia que aquilo não era uma demonstração de afeto, pois sabia que ela ainda era medrosa quando se tratava de alguns veículos humanos.

─ Você tem asas enormes, pode ir voando como galinhas fazem ─ sussurrou e se contorceu rindo de dor enquanto Juni o apertava fortemente.

─ Galinhas não voam seu idiota ─ o apertou mais uma vez fazendo o sorriso desaparecer.

─ Ai Ai Ai... ─ protestou tentando tirar os braços dela de seu corpo ─ ...então terá que se contentar com minha carona atrasada ─ riu debochado.

─ Se fosse sobreviver como comediante estaria morto há décadas.

─ E se você sorrir ao menos uma vez dessas minhas piadas saberei que estou no caminho certo...

─ há ha ha cala a boca e vamos embora!

─Viu? Isso já é um começo.

Sorriu de canto e saiu em disparada nas ruas de São Paulo. Está ai um dos motivos de raramente SeungRi a pegar no trabalho, pois ela sabia que havia poucas coisas na terra que a mataria. Mas a única que tinha certeza era o jeito como ele pilotava aquela moto. Parecia que quando estava em cima dela nada poderia segura-lo. Sabia também que ele sentia a adrenalina em seu corpo por experimentar algo que não existia em seu planeta. Como não podia usar suas asas e seus poderes, ele se contentava participando de rachas e corridas de motocross em algumas cidades no interior de São Paulo.

Depois de meia hora em cima daquela moto desceram na rua em que tinham alugado uma casa. São Paulo era o terceiro estado em que se escondiam com documentos falsos. Arrumar aquele tipo de coisa dando uma mixaria era fácil de mais. Ele Pensou quando fez "amizade" com o maior traficante do rio de janeiro.

─ Tenho uma coisa pra te mostrar!

SeungRi disse quando entraram na pequena casa. Uma geladeira, um fogão, uma máquina de lavar roupa, uma cama de solteiro e três computadores de ultima geração estavam no mesmo quarto em que eles dormiam. Deslizou pelo quarto sentado em uma cadeira e começou a teclar freneticamente na frente dos três computadores. Não tinha muita certeza, mas mexer na tecnologia humana era mais um dos passatempos de SeungRi.

A tela de um dos computadores ficou azul e outra ficou preta enquanto subiam varias letras como se fossem códigos, ele soltou uma risada se divertindo com aquilo quando finalmente a tela ficou normal e abriu uma pagina com varias letras do alfabeto da sua língua natal.

─ Alguma noticia dos outros?

─ Era isso que queria te mostrar. Recebi três mensagens.

─ Algo que precisamos nos preocupar?

Juni perguntou enquanto tirava os sapatos e se deitava por completo na cama.

─ Talvez... Quer dizer, é um pouco estranho já que dificilmente eles nos enviam mensagens relatando o mesmo acontecimento.

Ela saiu da cama rápido e foi ficar ao seu lado olhando a tela do enorme computador. Quatro mensagens e o mesmo assunto.

─ A primeira mensagem é de T.O.P e Sam... ─ Ri começou explicando ─ Eles estão vivendo em nova York, Sam trabalhando como babá e T.O.P em um parque de diversões. Na mensagem ele relata que na madrugada de terça-feira enquanto ele voava pela cidade, sentiu algo estranho em suas asas. Foi como se o corpo dele não aguentasse o peso delas...

─ Ok e com quê temos que nos preocupar?

─ Aí que vem a parte estranha. Ele escreveu que sentiu o peso delas e logo em seguida uma dor rasgante. Voltou pra casa pra contar a Sam o que tinha acontecido e ela o recebeu com a notícia de que os computadores deles foram invadidos.

─ Invadidos? Como assim?

Eram poucas as vezes que SeungRi ficava sério. Ela o viu suspirando e soube que as notícias que estavam por vim não seriam boas.

─ Eles foram invadidos por... Por tecnologia TARON.

Ela ficou parada e por um segundo quase que se esqueceu como respirava. Tecnologia TARON, pensou. Aquilo seria uma notícia agradável se não soubesse que seu mundo estaria destruído.

─ A segunda mensagem é de Melanie e GD. Eles estão em um país do continente africano, mais precisamente no interior de uma cidadezinha pacata perto da reserva em que trabalham protegendo os animais dos caçadores. Relataram que na segunda a tarde enquanto faziam suas revisões pelo território, encontraram um metal, pensaram que seria mais um dos lixos dos caçadores que se escondem por lá, mas não, o metal era familiar. Ficaram surpresos quando constataram que não era metal terráqueo, e sim que continha siton, um dos componentes usados pra fazer nossas armas...

─ Isso só pode ser uma brincadeira ─ Juni juntou as mãos na cabeça sentindo a tontura por receber tanta informação de uma vez só.

─ No começo eu também pensei isso, mas olha só a mensagem que o Taeyang e Hyorin nos enviaram.

Ela se endireitou ao seu lado para ver melhor a última mensagem. Com o coração disparado engoliu seco quando começou a ler.

Kasy irmãos.

Taeyang e eu estamos escrevendo para informar sobre os recentes acontecimentos que presenciamos. Mas primeiro peço que procurem saber mais caso aconteça o mesmo com vocês ou com os outros em seus respectivos lugares.

Estamos vivendo na Coréia do sul. Um lugar com sua história, tradição e idioma interessantes. Somos policiais militares, e como de costumes trocamos de turno com alguns colegas. Ontem vimos algo que nos deixou estáticos e pensativos até agora. Os computadores da delegacia entraram em um tipo de pane, cores começaram a aparecer durante o problema. Pensamos ser algo insignificante até que a bandeira da nossa nação apareceu tão nítida quanto as letras que estou olhando agora para lhes escrever.

Na hora fiquei estática e assustada. Os policiais que estavam na delegacia já informaram aos superiores e estão cogitando a ideia de ser um hacker, pois depois do ocorrido os computadores não funcionaram mais.

Não sabemos o que isso significa, mas pensamos que talvez seja alguém de nosso mundo tentando nos passar algum tipo de mensagem. Caso souberem de algo, por favor nos mantenha informados, não queremos criar expectativas.

Hyorin e Taeyang.

KASY.

Agora quem estava estática e assustada era Juni. Seungri sentiu algo como esperança vindo dela, mas perante todas aquelas informações sabia que nada de bom viriam para ser sentido.

— E o Daesung e Cris?

— A mesma coisa com os computadores e as asas - Ri respondeu.

─ Você acha que alguém sobreviveu?

─ Você viu, e sabe melhor que eu o que aqueles desgraçados fizeram com nosso povo...

─ Mas eu acabei de ler que...

─ Eu sei o que você acabou de ler juni. Pensa um pouco, não acha estranho o fato de cem anos terráqueos passarem para alguém nos procurar?

─ Então o que? Está dizendo que alguém está usando nossa tecnologia? E esse peso que eles sentiram nas asas, o que tudo isso significa?

─ Também não sei. Quando li as mensagens me perguntei as mesmas coisas!

Ele se levantou indo na geladeira pegar uma cerveja. Bufou irritado depois de sentar na pequena cama pois não queria pensar que o pior estaria por perto.

─ Você me disse que estava se sentindo estranha essa semana. Como está agora?

Juni revirou os olhos percebendo que talvez ele queria mudar de assunto.

─ Estou bem. Era só uma irritação no lugar em que minhas asas ficam...

─ O que? Por que não me falou isso antes?

─ Eu sei me cuidar Ri! Não preciso de você sendo o protetor toda vez que sentir uma coceira nas costas.

─ Não é isso! Talvez possa acontecer conosco o mesmo que aconteceu com os outros ─ Suspirou pesadamente ─ Todos eles de algum jeito sentiram suas asas pesarem dez vezes mais que o normal, então temos que nos previnir.

─ Não sei . Já passou mas temos que nos preparar para o pior. investigaremos mais sobre esses acontecimentos.

Suspiraram ponderando. Juni por hora pensara embaixo do chuveiro enquanto ele ficou sentado terminando sua cerveja.

Aqueles desgraçados. Os dois sem saberem pensaram ao mesmo tempo. Se o rei do seu mundo tivesse sido egoísta o suficiente talvez ele e o resto da família real de TARON estariam vivos. Mas não, por um motivo desconhecido ele mandou seus guardas, os únicos taronianos sobreviventes na terra a prepararem os trajes e as naves de evacuação, ingênuos pensaram que lutariam mas a única coisa que todos se lembram foi de verem algo os empurrando para dentro das naves e logo depois um gás atingindo suas narinas e adormecerem.

Balbuciou irritado lembrando que não puderam ao menos se defender da invasão covarde do rebelde que se dizia ser seu amigo.

Se levantou abrindo suas asas para se espreguiçar e logo depois jogar a lata da cerveja na lixeira, mas parou em seguida quando seus olhos se arregalaram de surpresa no momento em que sentiu um peso esmagador nas suas costas. Eram suas asas, ele sabia. Caiu de joelhos quando mais uma vez sentiu o peso e algo o rasgando de dentro para fora.

Juni já tinha se vestido quando ouviu o grito de dor de seu irmão. Saiu do banheiro pronta para atacar quem quer que o tivesse ferido mas viu no quarto um SeungRi com as mãos e os joelhos no piso. Ele socou o chão tão forte que viu o buraco que ficou depois.

─ Seung...

─ Juni, tira!

Na hora ela ficou perdida. Não sabia do que ele estava falando e não sabia o que fazer para parar a dor que ele estava sentindo. Se aproximou rápido para olhar suas costas e ficou surpresa ao ver sangue pingando de onde suas asas sempre saiam. Nunca tinha visto ele se ajoelhar ou arquear de dor. Até nos treinos para se tornar guarda oficial do rei de TARON era o único que ficava mais ferido lutando com os outros e ainda saia rindo. Era como se a dor fosse a recompensa.

─ TIRA!

Ele gritou de raiva fazendo-a sair de seus desvaneios. Olhou em seus olhos castanhos e agora sabia do que ele estava falando. Para ele, arrancar suas asas era a única maneira de fazer a dor parar. Mas juni não podia, sabia que mais tarde ele se arrependeria. Pegou um lençol da cama e pressionou contra o sangue saindo. Ele vacilou e quase caí de barriga no chão mas voltou a socar o chão do quarto.

─ Não posso ...

─ Arranque-as, Agora!

Vociferou quando a dor se espalhou ainda mais por suas costas e asas. Dor com dor, ela pensou. Se arrependeu antes mesmo de fazer o que estava em mente. Talvez funcionária, talvez não mas a única maneira de saber seria fazendo.

─ Desculpe por isso.

─ O que..?

Juni juntou a coragem e passou um de seus braços ao redor do pescoço de SeungRi e lhe deu uma chave para que ele desmaiasse. Ele se debateu tentando tirar os braços dela mas sabia que era inútil, já que foi ele que a treinou para imobilizar qualquer um que tentasse fugir de seu aperto.
Viu os olhos dele revirar e suas mãos caindo em cada lado de seu corpo. Tinha apagado seu irmão para que ele não sentisse mais aquela dor.

─ Desculpe irmão.

Foi a última palavra que disse depois de vira-lo para começar a cuidar da ferida em sua larga costa.