– Está bem Sara. Eu vou te explicar o que realmente está acontecendo. Preste bem atenção. – Ele engoliu seco e fechou os olhos por um tempo. Assim que ele abriu novamente os olhos ele se pôs a falar– Você não foi perseguida por um cervo, e sim por... – Ele pronunciou baixo– um Youkai.

– Youkai?

– “Os Youkais são considerados por aqui um tipo diferente de animais, mas na verdade são “demônios”,” criaturas sobrenaturais”. Eles fazem partes de lendas japonesas, mas realmente existem. Eles habitam aquela floresta há séculos e não costumavam mais aparecer por aqui desde então, mas parece que algo está os trazendo de volta. Eu pensei que poderia ser por sua causa, mas assim que você me contou que foi perseguida, eu mudei um pouco de ideia. Eu, a vovó e o tio William já vimos muitos youkais, várias espécies deles, mas nenhum nunca nos fez mal, nem aos moradores daqui. Foi bom você ter notado as minhas pupilas, quando elas diminuem muito significa que tem youkais por perto, eu posso senti-los se aproximar, assim como senti que havia um por perto quando te encontrei. Foi o tio William que teve essa percepção das minhas pupilas na primeira vez que ele me mostrou um youkai raposa. Era realmente um cervo quando estávamos voltando pra casa, mas eu pude sentir algum youkai por perto, e eu nunca senti um youkai com uma presença tão dominante quanta aquela até encontrar você perdida. Pode ter sido o mesmo youkai nas duas ocasiões, era uma presença inconfundível, mas o que ele queria? Eu não sei...

Sara ficou paralisada tentando analisar aquela quantidade toda de informações que recebia de uma vez só. Sua garganta estava seca e tudo o que conseguiu dizer ela disse em uma única pergunta:

– Que tipo de youkai você acha que me perseguiu?

– Eu não tenho certeza, você conseguiu vê-lo?

– Só vi uma pelagem branca e escutei seus rosnados.

Ele pensou por um instante olhando para os olhos dela, mas não eram os olhos dela que ele estava vendo, ele parecia estar com o pensamento longe dali.

– Pode ter sido um youkai lobo. Eles são parecidos com lobos normais só que um tanto maiores, e eles podem se comunicar mentalmente com você. Só acho estranho ele ter tentando te atacar, os youkais lobos que habitam por lá costumam ser mais dóceis do que os lobos comuns, eu acho, a não ser que...

– Que?...

– Ele seja um youkai lobo desgarrado.

– Isso significa que ele pode ferir?

– Parece que sim, significa que ele segue suas pró-pias regras. Eu não sei muito sobre eles, mas poderíamos pesquisar, pois se há mesmo um youkai lobo desgarrado por aqui, ele não pode ficar perambulando a floresta e atacando inocentes – Charlie olhou para o rosto de Sara analisando- o com cuidado enquanto colocava uma de suas mãos suavemente sobre ele assim como fizera na floresta – Eu não sei o que faria sem você.

– O que você esta dizendo?... – Ela perguntou confusa.

Quando percebeu a sua pergunta tola ele já havia tirado a mão do seu rosto. Ele estava atento à outra coisa agora, mas o que seria?

– Tio William voltou.

William, o tio deles, voltara da cidade mais tarde do que deveria voltar, e sua mãe havia deixado o ensopado de lado e já estava na porta da varanda que era a mesma da cozinha esperando-o com cara de que não estava satisfeita com a hora de sua chegada. A avó de Charlie e Sara, tratava o filho como um adolescente de dezesseis anos– apesar dos seus quarenta – que era a mesma idade de Sara. Charlie ficou mais aliviado ao lembrar-se de que seu tio era praticamente perito em assuntos que se tratavam de youkais, mas ele decidiu esperar um tempo até questioná-lo, pois agora parecia que ele tinha de se preocupar com outra coisa.

Acompanhado de William, estava um jovem de cabelos negros e enrolados como os de um anjo, e de longe – quando ele aproximou-se mais da luz que emitia da varanda– Sara pode reparar seus olhos verdes claros. O rapaz parecia ser tão belo quanto Charlie, mas quando se aproximou Sara pode ver que ele não tinha o mesmo brilho que Charlie tinha em seu olhar. Era como se Charlie tivesse um campo magnético em seu poder, em uma alcateia de lobos Charlie com certeza seria o Alfa– Com esse pensamento, Sara sentiu uma breve sensação de triunfo por ver Charlie ao seu lado, mas logo voltou sua atenção para o rapaz desconhecido que agora estava diante deles.

William parou ao lado do jovem e pousou sua pesada mão em seu ombro:

– Mamãe querida, este jovem quer ter uma conversa com a senhora– Ele lançou o olhar para Sara parecendo que só agora a havia notado. – Sara minha sobrinha, como vai?

Antes da resposta, seu tio subiu os três degraus da escadinha da varanda dando duas tapinhas no ombro de Charlie como cumprimento, assim caminhou até a porta da cozinha ao lado de sua mãe que atravessou rapidamente a distancia entre ela e o rapaz que esperava, passando entre Sara e Charlie.

– Meu filho – Ela disse animada em recebê-lo– O que te trás aqui? – Ela o abraçou.

Sara lançou um olhar de duvida e curiosidade para Charlie, quando este se aproximou dela e murmurou:

– Aquele é Seth, Seth Sullivan. Ele é filho do dono da fazenda do outro lado da cidade, uma fazenda que apesar de rica não é melhor que a nossa, com isso ganhamos alguns pontos. Conheço-o desde pequeno, vivíamos brigando, mas sempre unidos. Não duvido que ele demore em cortejá-la.

Dito e feito. Seth não demorou a subir os degraus em direção a Sara.

– Quem é esta donzela? – Ele disse num tom divertido. Sara notou a satisfação em seu rosto quando ele viu Charlie revirar os olhos. – Meu nome é Seth, prazer. Sou amigo da família, assim como o meu pai, há anos. Não é Charlie? Espero que tenha falado de mim para ela. – Ele olhou para Charlie, mas Charlie o ignorou e apenas deu um leve sorriso no canto da boca. Seth voltou o olhar para Sara e beijou a mão dela como um típico cavalheiro da era medieval.

– Prazer, meu nome é Sara. Sou prima de Charlie, estou passando minhas férias aqui. – Ela respondeu um tanto envergonhada. – Não precisava de tanta formalidade, não acha?. – Ela deu um sorriso frágil e já era tarde para retirar suas ultimas palavras. Ela viu Charlie sorrir disfarçadamente.

– Esse é o jeito dela – Falou sua avó sorrindo preocupadamente tentando amenizar o desconforto das palavras de Sara – Não se importe com isso.

Ela subiu os degraus e parou entre Charlie e Seth.

– Eu não quis causar uma má impressão, desculpe. – Disse Sara enquanto notava a diferença entre os dois rapazes.

Os dois eram lindos e tinham uma beleza marcante. Seth parecia não perder nunca a sua postura, mas não parecia ser um snob assim como outros garotos ricos.

– Eu não me importo com isso – ele sorriu– Eu estava apenas brincando, não costumo agir de forma formal, só quis ser mais educado.

– Entendo– Concordou Sara, realmente entendendo o que ele havia feito.

Ela retribuiu o sorriso e colocou suas mãos atrás das costas. Sua avó retornou a falar:

– Então, diga-me o que te trouxe aqui meu jovem.

– Eu vim pedir um pequeno favor a vocês. Se não for muito incômodo, meu pai esta com a fazenda ocupada e precisaria de um terreno para poder fazer uma pequena festa e assim receber seus duques. – Ele foi direto ao ponto.

Com “duques” ele quis dizer “amigos de negócios”, ou seja, “sócios” do seu pai.

– Compreendo, mas quando seria esta festa?

– Creio que no próximo final de semana. Precisamos do espaço, não vai ser nada muito agitado, só os sócios dele com suas esposas e até mesmo uns amigos meus.

Sara notou que ele não havia mencionado sua mãe e por um momento pensou em “Onde estariam os pais de Charlie, meus tios?” Era uma questão que ela teria que abordar mais tarde, pois havia muita coisa em sua cabeça agora.