• POV Sou


Era intervalo das aulas. Estava em minha cadeira, olhando fixamente para a janela, mais precisamente para o grande céu azul claro. Observar o céu, por mais simples que pareça, me passava uma profunda tranquilidade, algo que estava em falta para mim nos últimos dias.

Ban sabia o esforço que eu estava fazendo para não me descontrolar, aliás, ele era o único que sabia. Ficar na mesma sala que Yu-ki era insuportável, e o meu ciúme impedia que eu tratasse Ryosuke como antes. Passei a evitá-lo todos os dias, fugindo dos assuntos que ele insistia em puxar comigo.

Não restava muito o que se fazer além de se calar e tentar manter a calma. Enquanto admirava as nuvens que compunham parte do céu minha mente vagava longe, fazendo com que eu nem percebesse os outros garotos começarem a conversar a minha volta.

– Ei Sou, você também vai para a festa? – Ryuto perguntou me tirando do “transe”.

– Festa? – repeti a palavra, ainda tentando raciocinar sobre o que se tratava.

– O aniversário do colégio, baixinho. Esqueceu que sempre organizam uma festa? – explicou Ban, e finalmente lembrei.

A tal festa era feita para comemorar o aniversário de formação do colégio, que era muito reconhecido onde morávamos por sua grande estrutura e tradição há anos. Das outras comemorações que pude ir a organização caprichava na decoração e nas atrações, o que fazia tudo realmente muito bem produzido.

Mas a minha vontade de ir esse ano era praticamente nula.

– O que é essa festa que vocês estão falando? – perguntou Ryosuke que obviamente não sabia por ser novato.

Vi Ryuto e Ban se virarem para explicar com detalhes como a comemoração era feita. Yu-ki não falou nenhuma palavra, mas era notável que estava curioso tanto quanto Ryosuke.

A ideia de ter a presença de Yu-ki em uma festa que eu adorava tanto me incomodava, e logo dei-me conta de que a promessa de ter paciência com as mudanças repentinas logo seria quebrada.

– Parece legal. – Ryosuke sorriu, virando-se para me perguntar cuidadoso – Você vai?

– O que te interessa? – falei seco, visivelmente irritado.

– Ah... Como?! – Ryosuke exclamou assustado com a minha grosseria

– Ele está brincando. Não é, Sou? – Ban esboçou um sorriso amarelo, beliscando-me no braço – Ele vai sim, ou irei arrastá-lo.

Apesar da tentativa de Ban para evitar uma discussão, o clima ficou pesado. Ryosuke tentava disfarçar, mas eu via seus olhares para mim, ainda parecendo confuso com a maneira que o tratei.

Mesmo assim, o loiro não ousava em perguntar o que eu tinha desde que comecei a agir dessa forma. Talvez ele tivesse associado meu comportamento a Yu-ki, o que tornava tudo ainda mais delicado.

O alarme do fim do intervalo tocou, e não demorou muito para que os outros alunos retornassem. Retomamos para nossos lugares, vendo nossa coordenadora entrar na sala com uma expressão satisfeita no rosto.

E o que eu mais temia aconteceu.

Era a hora de dividir as tarefas. Sempre que acontecia um evento importante como esse os alunos mais velhos tratavam de ajudar na preparação. A coordenadora nos dividiu em grupos de cinco, e eu tive o enorme azar de estar no grupo com Yu-ki e Ryosuke, mas sem Ban e Ryuto. Os outros dois que faltavam seriam da outra turma, e eu só saberia seus nomes no final da aula.

Eu deveria começar a rezar para que não fique pior do que já está.

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Quando a aula acabou corremos para ir até o mural. Um aglomerado de alunos se encontrava por lá, mas fui ágil o suficiente para ver os nomes dos outros dois do meu grupo.

– Isso só pode ser uma brincadeira... – falei abismado.

– Quem são? – perguntou Ryosuke ansioso, mas logo desanimou ao ver os nomes junto comigo.

Amano Shinji e Ogata Hiroto. Logo o Shinji conosco... Certamente não daria certo. Antes que me indignasse lembrei do que acontecera no inicio do ano. Shinji (ou Tora como era conhecido) brigou com Ryosuke por minha causa, e tê-lo entre nós mesmo que seja para uma equipe seria complicado.

Saímos em direção aos demais com um Ryosuke irritado ao meu lado. Seus passos firmes deixavam transparecer a raiva que sentia por saber que terá de aturar a companhia de Tora. Agora ele sabia parcialmente como eu me sentia quando Yu-ki estava conosco.

– Shinji trabalhará na mesma equipe que nós. – antes que perguntassem, Ryosuke explicou em tom de voz sério.

– O Tora?! – Ryuto pareceu não acreditar, e mesmo assim tive a impressão de vê-lo segurar o riso – Meus pêsames, Ryosuke.

– Eu não vou suportá-lo.

– Mas não temos escolha, não é permitida a troca. – respirei fundo, impaciente.

– Acho melhor então se conformarem logo, porque as preparações começarão daqui a dois dias. – afirmou Ban firmemente.

Ele tinha razão. Não adiantava mais se lamentar por Yu-ki ou Tora em nossa equipe, pois era algo sem volta. Porém, algo me dizia que aquela junção não daria certo, e eu odiava meus pressentimentos... Eles sempre acertavam.

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Dia da decoração.

Minha equipe e outras duas tratavam de arrumar os últimos retoques da festa que aconteceria esta noite. Enquanto retirava os enfeites da caixa pude ver ao longe Yu-ki e Ryosuke subindo escadas, pendurando alguns detalhes que ficariam presos em uma corda, passando por cima do palco principal.

Vê-los juntos me dava uma profunda raiva. Meu desejo era jogar Yu-ki de cima daquela escada e deixá-lo se espatifar ao chão... Era uma ótima ideia.

– Ei, precisa de ajuda? – a voz saiu suave para mim, de alguém que agora se sentava ao meu lado.

Era Kohara. Sua boca bem desenhada, aliados aos seus belos dentes, esboçava um sorriso sincero para mim. Puxou o embrulho com os pequenos enfeites e tratou de arrumá-los como eu estava fazendo, o que me deixou surpreso. Kohara, ou Shou como preferiam os amigos íntimos, andava junto de Tora e era um dos seus amiguinhos de ''bagunça''.

– Eu não quero sua ajuda. – falei ranzinza, ainda desconfiado com a atitude voluntária de Kohara.

– Calma Sou, eu não vim para aprontar com você. Só quero ajudar.

– Kohara, eu sei muito bem quem você é. Não tente me enganar. – puxei o mesmo pacote para mim, demonstrando que eu estava negando a ajuda do rapaz.

– Me chame de Shou, por favor. Kohara soa... Estranho. – revirou os olhos, evitando se estender em mais mais alguma explicação – Não é porque sou amigo de Tora que eu seja igual a ele.

– E então por que faz tudo o que ele pede? – quase gritei a pergunta, me irritando com a insistência de Kohara.

Kohara olhou para baixo parecendo constrangido. Abriu a boca para dizer algo, mas desistiu, optando pelo silêncio. Coçou a cabeça demonstrando nervosismo, talvez pensando se deveria mesmo contar-me algo ou não. Tive a leve impressão de vê-lo corar um pouco, mas isso não podia ser verdade... Ou podia?!

– Você já fez algo por alguém? – perguntou baixo, quase sussurrando – Eu já, e continuo fazendo.

Não seria necessária nenhuma palavra a mais. Bastava ver nos olhos de Shou para entender o que ele quis dizer com aquilo. Ele gostava de Tora, mais do que como amigos, e isso explicava todo o comportamento que Shou tinha para agradá-lo.

– Eu não concordo com o que ele faz, mas... – atou novamente a falar, dessa vez mexendo nos embrulhos para desviar o olhar de mim – Sei que não gosta dele também por ter implicado com seu namorado.

– Namorado? – perguntei confuso, mas logo me amaldiçoei por tamanha lerdeza de não ter entendido a quem ele se referiu.

– Ryosuke não é seu namorado? Ah, desculpa então. Um tempo atrás eu vi vocês dois juntos perto das escadas do bloco B, e vocês estavam...

Shou soltou uma risada abafada, e eu pude compreender o motivo. Ele deve ter nos visto trocando algum beijo as escondidas. Ryosuke sempre me jurava que aquele lugar nos daria alguma privacidade dos demais, mas pelo visto ele se enganara feio, e eu também.

– Entendo que tenha pensado isso, mas nós não namoramos. – expliquei breve, olhando um pouco triste para a direção em que Ryosuke estava ainda arrumando parte da decoração.

– Mas você gosta dele, não? Então deve entender também os meus motivos.

Assenti tímido com um aceno de cabeça, e Shou tocou meu ombro de maneira amiga. Minha desconfiança com ele havia diminuído de tal forma que até lhe confessei sobre gostar de Ryosuke. + Entreguei parte dos materiais para Shou, indicando que ele poderia me ajudar com o que eu estava fazendo.

– Obrigado por confiar em mim dessa vez. Se não for pedir muito, por favor, não conte a ninguém sobre o que lhe contei agora.

– Então ele não sabe? – perguntei em imediato. Shou me respondeu com um aceno negativo de cabeça e um leve sorriso nos lábios, disfarçando seu desconforto – Tudo bem, seu segredo está seguro comigo.

Ficamos em silêncio apenas organizando o que faltava, mas foram necessários apenas breves minutos para que eu voltasse a conversar com Shou, dessa vez liberadamente. Até parecia que nos conhecíamos há certo tempo. Era uma companhia agradável de ter, diferente dos seus outros amigos.

Quando o último detalhe estava sendo colocado, Ryosuke chegou junto de Ogata, trazendo partes do cenário. Yu-ki correu para ajudar o pequeno Hiroto, levantando o que estava quase caindo em seus pés. Ryosuke deixou o material com eles e foi até nós, enfiando-se no meio entre mim e Shou.

– Você já pode ir, eu o ajudo a partir de agora. – disse firme para Shou, que saiu acenando com a mão para mim.

– Por que o mandou sair?

– Eu não quero nenhum deles perto de você. – afirmou simples, como se aquilo fosse o mais óbvio a se fazer.

– Você está tentando me defender do que? A única coisa a qual preciso de defesa é de você mesmo. – completei enraivecido, mas depois me arrependi. Havia falando mais do que devia.

– De mim?! O que eu fiz de tão grave?

– Se você não sabe então pergunte a ele. – apontei para Yu-ki, que estava de costas para nós.

Sem esperar pela resposta de Ryosuke, saí com passos apressados da quadra. Todos os preparativos já estavam em seus devidos lugares, então não teria necessidade da minha presença ali. Se eu ficasse mais um pouco talvez explodisse com o loiro, e eu não queria isso. Aguentei tudo calado até o momento, e não seria em vão.

Antes de sair do colégio, vi Tora arrastar uma caixa pelo chão até os fundos do colégio. Não seria motivo para se preocupar a não ser por dois fatores: Um, a caixa era diferente das que o colégio estava usando para guardar os acessórios. Dois, era Tora que estava ali, e sozinho. Por si só era suspeito.

Até pensei em ir até lá e perguntar sobre o que ele estava levando, mas eu estava tão esquentado que preferi ir embora de uma vez. A festa seria ao anoitecer e eu precisava estar calmo. Não iria estragar a comemoração por algo tão bobo.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.