•POV : Sou.


Impaciente, irritado e cansado. Já comentei alguma vez que odeio esperar? Pois bem, se não comentei eu posso fazer isso agora... Eu odeio esperar.

– Não tem problema mesmo?

– Perdi a conta de quantas vezes você me perguntou isso... Se o Ban nos chamou, é óbvio que não tem problema. – falei já irritado com a insistência de Ryosuke. Estávamos parados em frente da porta da casa de Ban, e mesmo depois de ter apertado a campainha 10 vezes, ninguém havia aparecido.

– Mas é que até agora ele não veio abrir a porta... Será que não tem ninguém em casa Sou? – perguntou indo para o lado direito onde havia uma janela. Olhou através do vidro por alguns segundos, até Ban aparecer correndo atrás de uma menina. – Ah, ali está ele.

– Ban, será que dá pra abrir a porta? – gritei ainda do lado de fora. Eu estava ficando realmente irritado com tanta demora.

– Estou indo! – Ban gritou em resposta enquanto andava até a porta, para finalmente abri-la. – Me desculpem, eu estou cuidando da minha irmãzinha querida hoje. Podem entrar.

Entrei na casa e deixei meus sapatos em um canto perto da sala. Ryosuke me acompanhou, e pude perceber que o mesmo olhava em volta do lugar como se observasse cada mínimo detalhe, assim como eu. De todas as vezes que fui para a casa de Ban, a sala sempre estava arrumada, mas hoje estranhamente havia almofadas jogadas pelo chão, papéis, algumas cadeiras fora do lugar, entre outras coisas em completa desordem.

– Então foi esse o motivo de você não ter ido? – perguntei observando a irmã de Ban, que aparentava ter uns seis anos de idade.

– Sim, por causa dela. Primeiramente, eu perdi meu celular e fiquei procurando por toda a casa... Depois de vários minutos, decidi pegar o celular da minha mãe para avisar que iria demorar, e depois que te liguei, descobri onde meu celular estava, mas era tarde demais. – disse Ban com uma expressão triste, os olhos quase marejados.

– ‘'Tarde demais'’? Como assim? – perguntou Ryosuke, ainda mais curioso.

– Minha querida irmã jogou meu celular no vaso sanitário, ou seja... Ele já era. – não consegui me conter, e dei uma gargalhada ao ouvir o que Ban disse, que pareceu ficar constrangido. Ryosuke se esforçou para não rir também, mas era inevitável. – Não riam, foi muito triste ver “meu filho” dentro de um vaso sanitário...

Ban tratava seu celular como “filho”, já que ele nunca saía sem ele, e também o usava para guardar muitos arquivos. Apesar de ser uma situação engraçada, no fim das contas também passei a sentir pena, porque sei que eu no lugar dele também estaria nem um pouco satisfeito.

– Mas esperem, não foi apenas isso. Meu pai ligou para cá, pedindo que minha mãe fosse urgente no trabalho dele deixar uns documentos que havia esquecido. E aí resultou no que vocês estão vendo agora, estou responsável pela minha irmã. Em outras palavras, virei babá. – reclamou Ban, que agora bufava frustrado com a situação. – Subam pro meu quarto ok? Vou só forç... Digo, colocar a pestinha pra dormir e logo irei para lá.

Subi as escadas que ficavam perto da sala, e Ryosuke me acompanhou parecendo hesitante. Entramos no quarto, onde parei para perceber como estava tudo tão arrumado comparado ao resto da casa. Ban era uma pessoa organizada, sempre gostava de deixar tudo facilmente ao seu alcance. Provavelmente toda a bagunça na sala foi causada por sua irmã mais nova.

Ryosuke sentou em uma cadeira frente à escrivaninha, onde olhou papéis e cadernos jogados por ali. Aproveitei para deitar na cama de Ban enquanto nós o esperávamos, porém o silêncio que havia se formado no quarto estava me deixando incomodado. Ryosuke ficou calado enquanto vasculhava os pertences do Ban, e eu não tive coragem para dizer nada, nem sequer um “O que você está fazendo?”, mesmo que isso seja um tanto quanto óbvio.

Para meu alívio, Ban não demorou muito para subir como imaginei. Entrou rapidamente no quarto, e me parecia cansado. Fechou a porta, indo sentar-se em uma cadeira logo em seguida.

– Me desculpem mais uma vez, estava acalmando a fera. – disse rindo, fazendo Ryosuke interromper o que estava fazendo.

– Sem problema. – Ryosuke falou virando-se para olhar Ban.

– E então, como foi o passeio? Sou foi bom guia? – questionou sentando-se sobre uma cadeira próxima, dando um sorriso malicioso.

– Sim, ele me levou pro parque central. Nós jogamos basquete e...

– Como? Sou jogando basquete? Essa eu queria ter visto. – Ban interrompeu Ryosuke, parecendo surpreso em saber que eu tentei um esporte físico. Ele sabia que eu não era bom com nenhum esporte, e que nem conseguia fazer sequer um exercício corretamente. – Ele jogou bem Ryosuke?

– Err... Sim. – Ryosuke olhou para mim querendo ver minha reação. Fiz cara de quem não tinha o que dizer, mas no fundo eu sabia que não servia para isso, e que “eu + bola” realmente não era uma boa combinação.

–Entendi, já imaginava. Mas ei, tive uma idéia. Que tal o Sou ter sua chance de revanche aqui? Poderíamos fazer uma aposta, hm? – confesso que tenho medo das idéias do Ban, eram sempre muito... Exageradas.

– Aposta? Mas como vamos competir aqui?

– Video game. E aí, topam? – tive a impressão que a idéia do Ban era me fazer ganhar propositalmente. Ele sabia sobre meu desempenho em esportes, e sabia também sobre meu vício por jogos. Não me incomodei com a sugestão, pois certamente eu venceria.

E se tem algo que eu gosto, é vingança.

– Eu topo, e Ryosuke também irá. Eu disse que não queria, mas mesmo assim ele me fez jogar basquete... Agora é a sua vez de fazer o que eu quero Ryosuke.

Ryosuke ainda hesitou por alguns minutos, mas logo cedeu. Apesar da dúvida em qual jogo escolher, no fim nós decidimos jogar um aleatório de luta. Como eu previa, Ryosuke foi massacrado por mim, e eu saí vencedor. Após comemorar minha vitória sob o loiro, parei para pensar no que Ryosuke faria por ter perdido. Pensei em diversas coisas, algumas bem sugestivas,mas Ban foi mais rápido que eu.

– Como Ryosuke perdeu, ele terá de fazer algo que nós iremos mandar. – disse Ban, com uma expressão pensativa em seu rosto. Colocou uma mão sobre o queixo, até que começou a falar novamente de repente. – Ryosuke, eu quero que você se vista de Lolita.

– Como? Lolita ?– Ryosuke berrou desesperado. Tentei processar o que Ban disse, mas meu cérebro ficou tão confuso que não consegui. Ryosuke vestido de Lolita, como assim?

– Isso mesmo que você ouviu, e se for Sweet Lolita é ainda melhor. Está de acordo não é, Sou? – fiquei imóvel, olhando para ambos os rostos com meu raciocínio ainda embaralhado. Havia outras coisas que gostaria de ver Ryosuke fazendo, mas vê-lo de Lolita seria realmente muito melhor do que qualquer outra coisa. Fiz um “sim” com a cabeça, demonstrando que concordei com a proposta.

– Não, vocês só podem estar brincando... – Ryosuke levantou, passando a andar de um lado para o outro. Escutei que o mesmo estava reclamando, mas tudo que eu ouvia era “blá blá blá”.

Passei a imaginar como Ryosuke ficaria vestido de Lolita. Pior, seria um Sweet Lolita, e era exatamente isso que confundiu ainda mais minha cabeça. Creio que algo tão rosinha e delicado não combinaria com ele, Ryosuke era tão... tão... Não sei definir.

– Está bem, só irei fazer isso porque apostei com vocês e não quero ser um covarde. E Ban, eu não tenho um vestido assim, não sei se você percebeu.

– Relaxa Ryo, sei quem irá fazer isso com você. – Ban soltou uma risada que me lembrou muito aqueles vilões de histórias infantis. – Tenho uma amiga que trabalha em um Maid café. Lá não se usam Sweet Lolita’s, claro... Mas tenho certeza que ela tem vestidos Lolita também, pois eu já vi.

– E quando você quer que eu faça isso?

– Amanhã, porque hoje mesmo irei ligar para ela. Sou, você levará Ryosuke para aquele Maid café Royal ok? Eu cuido do resto.

– Certo. – concordei lembrando-me do local. Não era tão distante, e era bem organizado... Ficava perto de algumas lojas de doces e era uma rua bem movimentada.

Apesar de Ryosuke ter aceitado a proposta, ainda ficamos discutindo mais um pouco até tudo ficar definitivamente certo. Acertei o local e a hora onde me encontraria com ele, e depois decidimos voltar para casa, pois já estava anoitecendo.

Fiz de tudo parar chegar logo em minha casa e fazer todas as tarefas atrasadas. Amanhã eu não iria ter muito tempo, e também precisava acordar cedo. Dessa vez eu não iria atrasar o compromisso por nada.

~ x ~

Despertei cedo e tomei meu café da manhã sem nenhuma demora. Afinal, hoje iria ver a última coisa que eu esperava acontecer. Ryosuke versão Lolita seria impagável.

Cheguei ao local marcado adiantado alguns minutos, mas para minha surpresa Ryosuke já estava lá. Não me surpreende, pois geralmente ele nunca atrasa comigo.

– Ah, consegui chegar na hora pra não te deixar esperando, mas pelo visto não adiantou... – Ryosuke sorriu quando me aproximei. Aquele sorriso sempre me contagiava.

– Eu pensei a mesma coisa. – disse Ryosuke, que me abraçou animado. – Então, vamos indo?

– Claro, não é longe daqui e dá pra ir andando. Ryosuke, só me responda uma coisa... Está chateado comigo por ter deixado você nessa situação? – perguntei repentinamente. Eu poderia muito bem discordar, mas meu lado egoísta falou mais alto. Queria vê-lo vestido de Lolita sim, não há como negar.

– Não né. É só uma brincadeira, não seja bobo. – Ryosuke me deu um “soquinho” no ombro, sorrindo para me confortar. – Estou com vergonha só, mas já que você vai me ajudar, então não tem problema. Agora vamos, sim?

Após minutos andando ao lado de Ryosuke, visualizei o Maid café ao longe. Algumas meninas estavam do lado de fora vestidas com a roupa usada lá, e vi também que Ban conversava com uma delas. A garota era um pouco mais baixa que ele, e deduzi que era a tal dona do lugar. Aproximei-me dos dois, e Ban logo percebeu nossa presença, vindo nos abraçar empolgadamente.

– Woaa, que bom que chegaram! Essa é a Momo, ela vai te ajudar com a roupa e todo o resto, ok Ryosuke? – Momo sorriu para nós, mas percebi que ela olhava Ryosuke de cima para baixo. Definitivamente não gostei dela.

– Então, você é o Ryosuke certo? Vamos entrando, sua roupa está lá dentro. – Momo puxou Ryosuke pelo braço, que me olhou confuso enquanto andava. Observei ambos entrarem no Maid café, indo em direção para um quarto aos fundos.

– Não gostei dela. Será que ela quer assediar o Ryosuke lá dentro? – comentei preocupado. Minha vontade era entrar junto, só para ter certeza de que ficaria tudo bem.

– Claro que não Sou, ela não faria isso. Agora, vamos nos sentar e esperar por ele, certo? – Ban andou para uma mesa ao lado, fazendo sinal para que eu me sentasse lá também.

– Como você tem tanta convicção nisso ? Seu amigo está sendo levado por uma mulher para um quarto sem ninguém, deu pra reparar ou não ? – bufei irritado, mas Ban não me deu atenção.

Esperamos durante minutos, que pareciam até horas. Nem sinal de Ryosuke aparecer, e nem daquela amiga irritante do Ban. Eu estava ficando preocupado com tanta demora. Vai saber o que aquela garota esquisita estava fazendo com ele... Uma tortura, ou algum tipo de ritual sexual.

– Pra mim já chega, vou lá ver o que está acontecendo. – levantei nervoso da cadeira pronto para “resgatar” o loiro, mas ao me virar encontrei Ryosuke andando em nossa direção.

– Nossa, que menina fofa! Me dá seu telefone ? – Ban debochou rindo exageradamente, fazendo com que Ryosuke fechasse a cara.

Mas Ban tinha razão, admito. Ryosuke estava parecendo uma menina com aquele vestido rosa em tom claro, laços por toda a borda e atrás um laço maior de cor anil. Pude ver que em seu cabelo havia um lacinho rosa delicado, preso em alguns cachos que foram feitos ali. Fiquei parado onde estava, observando cada detalhe, por menor que fosse.

– Estou tão horrível assim ? – perguntou Ryosuke, fazendo-me despertar do “transe”.

– Hã ? Ah, não é isso... É justamente o contrário. – falei por impulso, mas me arrependi logo em seguida. Desde quando eu fiquei assim tão direto?

– Que bom, acho. – Ryosuke sorriu constrangido, e tive a impressão de vê-lo corar com meu comentário. – Não saia de perto de mim, estou com medo de cair. – falou em tom baixo olhando para o salto plataforma que usava. A sapatilha era muito fofa também, na cor rosa como o vestido. Definitivamente estava tudo muito... Fofo.

– Ei Ryo, as meninas precisam da sua ajuda. É muito simples, você só vai servir alguns pedidos e depois você pode tirar o vestido. – disse Ban repentinamente. – Aproveita e me trás algo, hoje você está trabalhando para mim.

– Ora, seu aproveitador. Você não me falou nada sobre ajudar. – Ryosuke sussurrou impaciente para Ban, mas mesmo assim se retirou em direção a onde Momo estava.

Fiquei observando Ryosuke andar tímido entre as pessoas, levando todos os pedidos para as respectivas mesas. Ban ficou conversando com Momo de tal forma que nem percebeu o quanto eu olhava cada ação de Ryosuke, cada pequeno gesto. Depois de um tempo, levantei para ajudá-lo, pois permanecer ali sem nada para fazer estava me incomodando.

– Quer ajuda? – perguntei vendo-o se desequilibrar com alguns pratos na mão, mas segurei rapidamente para evitar que caíssem.

– Com certeza. – Ryosuke sorriu nervoso para mim, fazendo com que eu também esboçasse um sorriso. Eu e Ryosuke entreolhamos durante alguns segundos, até uma senhora me cutucar o ombro.

– Com licença, posso tirar uma foto de vocês dois? Você é a Lolita mais fofa que vi até hoje. – Ryosuke ficou paralisado, e eu mais ainda. Ironia ou não, ela realmente estava acreditando que ele era uma menina. – E são o casal mais fofo também, por favor, só quero uma foto, estou viajando por aqui e quero levar fotografias de lembrança.

Casal. Se não bastasse achar que Ryosuke era “ela”, a senhora também achou que nós éramos um casal de namorados. Mas o que fazer então? Era apenas uma turista atrás de fotos, poderia ser bem pior.

– Bom... – pensei em como recusar o pedido para ela, mas não tive tempo. Ryosuke segurou minha mão, acenou positivamente com a cabeça e fez uma pose para foto.

Senti meu corpo ficar tenso com o contato. Poderia simplesmente soltar sua mão e sair dali, mas não tive coragem. No fim das contas, fiquei parado ali mesmo e até sorri para foto. Depois a tal senhora agradeceu, retirando-se do local em seguida.

– Por que não contou a verdade para ela? – perguntei baixo, ainda mais curioso.

– Seria estranho se eu falasse para uma senhora de certa idade que sou um homem, mas mesmo assim estou vestindo um traje nada gay, não acha? – Ryosuke soltou uma gargalhada, mas apesar de tudo ele tinha razão. Ela ficaria um tanto quanto traumatizada. – E qual o problema? Nós fizemos uma boa ação hoje, e aposto que você saiu bonito na foto. – Ryosuke puxou uma de minhas bochechas, e inevitavelmente não contive um sorriso.

Desde o início, seu sorriso me fazia sorrir também. Não era algo que eu pudesse controlar, eu praticamente “obedecia” o que sentia no momento. Ryosuke devia ter esse dom, de quebrar qualquer gelo entre as pessoas e comigo... Principalmente comigo.

Ban nos chamou, e então fomos andamos até a porta. Durante o curto trajeto, pude perceber que Ryosuke não havia soltado minha mão, e nem eu a dele. Apesar da vergonha que senti, continuei segurando firme. Eu não queria soltar.

No meio de toda essa confusão, finalmente tomei conhecimento de algo que antes teimava em não querer enxergar. Dessa vez era inevitável, está tudo tão claro, tão óbvio...

Eu estava apaixonado por ele.