Vejo fogo por toda parte. Fogo se alastrando pela selva, produzindo chamas nos galhos e fumaça queimando os meus pulmões por dentro. Estava correndo, imundo e todo machucado no rosto, e com o meu pulso cortado, expelindo sangue como se fosse lava saindo de um vulcão em erupção. Aliás, eu nem sei onde me feri, tampouco porque. Corri a plenas pernas, quando ouvi uma menina berrar o meu nome:

– HEINRICH!!

Tentei me virar para saber de onde vinha aquele grito. Era de uma garota que nem sei se estava comigo, seja nessa ou em alguma ocasião. Estava segurando um fuzil na mão esquerda, quando, do nada, apontei para o céu e atirei, produzindo explosão e me arremessando para bem longe dali. Nesse mesmo momento, eu abri os olhos, rapidamente, e essa mesma garota me chamava. Era a minha irmã me acordando para mais um dia (humilhante) para nós, os judeus.

– Heinrich! Papai chegou! Papai chegou!

– Quem? - perguntei, surpreso.

Logo em seguida, fui até ao banheiro. Me olhei no rosto pelo espelho. Não havia sangue, nem suor, tampouco, ferida. Sonhei, pensei. Hoje era o dia humilhante para os judeus alemães. O Dia da Seleção, em que os judeus entre 15 e 18 anos são selecionados via sorteio para participar de uma espécie de reality show, cujo objetivo é viver em condições precárias e desumanas em uma selva, onde são confinados. O reality termina quando restam apenas dois sobreviventes de sexo oposto, o que isso significa que receberão fama, fortuna e acesso à vida social, cultural, econômica e política. Enquanto o resto de nós fica em quarentena.

Os judeus correspondem a quase metade da população alemã. Porém, desde que o Golpe do III Reich foi dado pela facção Nazista (há muito tempo já existia o Nazismo, liderado pelo chanceler Hitler - aquele louco! - que praticamente se quebrou com o tribunal de Nuremberg, - estamos no ano de 2043, mais de cem anos da ascensão de Hitler), o governo, agora totalitário, passou a seguir os mesmos moldes do Nazismo: a superioridade da raça ariana, o nacionalismo, a exaltação ao líder - Adolfus Hitler II (eca!), o racismo e, acima de tudo, o anti-semitismo. Ódio a nós, judeus. Pra que tanto ódio? O que é que a gente fez, para o começo da conversa? Tem alguns que dizem que os judeus são uns trapaceiros, praticam a usura; tem outros que odeiam só por odiar. A pior coisa no mundo é ser odiado por todos ao seu redor. Cuspindo em você, falando impropérios... É isso que esse cara quer. Nos exterminar!

Eu tenho 16 anos, sempre estive rodeado de amigos. Gostava muito de ler, de inventar coisas, até mesmo ajudar a minha irmã mais nova, Elise, a fazer brigadeiros, biscoitos, essas gostosuras! A melhor parte foi acabar melecados para depois fazermos aquela faxina. Incrível! Sempre passava mais tempo com a minha melhor amiga, Edith Belsen, um ano mais velha que eu, mas eu era um pouco mais alto que ela. Conheci Edith desde criança e nós vivemos muitas aventuras. Ela era ruiva, sempre usava Maria Chiquinha quando era pequena. Agora usa uma tiara branca. Olhos verde grandes, boca um pouco carnuda e esbelta. Tinha um sorriso muito lindo! Porém, ela estuda em uma escola pública, enquanto eu e minha irmã estudamos em uma escola montessoriana.

Enfim, eu terminei de fazer as necessidades e, novinho em folha, fui para o café da manhã, onde minha mãe estava terminando de distribuir café nas quatro xícaras. Fui descendo às escadas e fui logo abraçar o meu pai e tascar um beijo na minha mãe. E agarrar a minha irmã quatro anos mais nova que eu.

– O café está na mesa! - minha mãe avisou.

– Já estamos indo! - Meu pai e eu falamos em um único tom.