Fomos em direção do grito. Anne estava com o arco e a aljava de flechas, enquanto eu estava com a faca. Ainda não tinha o fuzil comigo. Não se passava pela minha cabeça de que algo de ruim iria acontecer a nós, não nesse momento. Tento ao menos ter um pouco de calma na hora que Lorne ou Frieda vierem nos atacar.

Paramos no meio da trilha. Alguns arrulhos e guinchos atrapalhavam a nossa audição e a localização na Floresta. Em meio a esses barulhos e ao farfalhar das folhas, ouvi passos. Tem alguém se aproximando. Senti a desgraça vindo na nossa direção. Tomei uma decisão não muito agradável.

– Anne, volte para a caverna, por favor. - falei. Ela estranhou, aturdida.

– Heinrich... - antes que ela pudesse terminar, eu a beijei, sem ao menos de fazer ideia do que eu estou fazendo. Ela continua sem entender.

– Lembra quando você se aliou ao bando da Frieda para o meu desespero? - perguntei. Ela sacudiu a cabeça. Continuei.

– E lembra que você fez isso para me salvar?

Ela estava quase me entendendo.

– Então, estou lhe devendo o troco. Quero te proteger. Então, volte para a caverna. Proteja-se.

Mas ela não arredava o pé dali. Me fez lembrar a Elise, quando estávamos a caminho da escola, no Dia da Seleção. Anne estava com a mesma expressão da minha irmã.

– Heinrich, como você é tão teimoso! - sua voz começava a ficar embargada. - Eu insisto! Vou com você até o fim!

– Anne... - eu lhe peguei no braço, tentando acalmá-la. - Eu tenho que enfrentar isso sozinho. Fique tranqüila. Eu voltarei. Prometo.

Ela me mostrou o dedo mindinho direito. Não sei como ela aprendeu isso.

– Promete? - ela indagou.

Eu logo mostrei o meu, entrelaçando com o dela.

– Prometo. - e nos beijamos profundamente, sem ao menos ver a hora passar.

Talvez o nosso beijo aumente a audiência.

Em seguida, ela se foi, regressando à caverna. Eu a observava, caso se algo ruim acontecesse a ela. Mordo o lábio inferior. Depois, segui o meu rumo. Queria muito protegê-la, queria muito acabar com isso. Eugenia ariana sobre nós, judeus. Isso ainda acaba comigo. Anne teve aquele pesadelo por causa das atrocidades do Hitler II. Ainda tenho vontade de fazer um escândalo no reality e lhe apontar o indicador: VOCÊ NÃO VALE NADA! Mas essa vontade poderá colocar a minha família em risco.

No meio do caminho, ouço mais passos entre as árvores. Paro para ouví-las. Meu impulso seria arremessar a faca no indivíduo que está me assustando, mas não posso. Posso calcular errado e pôr tudo a perder. Dei mais um passo, quando senti um baque forte no lado esquerdo da têmpora.

Caio zonzo no chão. Minha visão fica turva e escura, subitamente. O lado esquerdo da minha cabeça lateja de dor. Fico fora de órbita no momento. Não consigo mais distinguir o céu limpo do céu nublado, já que hoje está ensolarado. Perdi os sentidos temporariamente. De repente, alguém me carrega por sobre o seu ombro. Vejo esse alguém se afastar comigo do local, onde havia uma gota de sangue. Sinto o filete de sangue sair da têmpora. Eu conheço essa voz, no momento em que esse alguém está gemendo com o esforço do meu peso sobre o seu ombro. Mas a minha audição se recupera: é a voz do Lorne. Ele está me carregando! É o meu fim. Ele está me levando para um lugar bem longe, longe o suficiente para me executar. Mas não vai adiantar, pois a nave abdutora vai me localizar e, obviamente, o meu nome vai aparecer nesta noite.

Depois de andar, Lorne me pôs no chão. Continuo zonzo. Minha visão clareia aos poucos, mas continua turva. Ele fica sem fazer nada, a não ser me olhar zonzo. Ué, ele não vai me matar? O que ele está esperando? Estou esperando pelo fim. Os sentidos voltam e eu sinto tontura. Lorne, ainda me olhando, simplesmente pergunta se eu estou bem. Eu estranhei, é claro.

– E-estou... - só fui interrompido no momento em que ele se agachou à minha direita, onde estendeu o meu braço direito. Senti algo pontiagudo penetrar no meu pulso direito, cortando-o. Senti o sangue quente espirrar dele para o meu rosto. Lorne está me matando. É isso.

– Fique quietinho, aí! - disse ele, ao terminar de me ferir. Se postou sobre mim. - Um gesto em falso e você estará morto! Finja que morreu!

E depois saiu, se embrenhado mata adentro. Fiquei estático no chão, com o pulso direito sangrando e latejando de dor. Devo imaginar o quão foi o estrago na veia e artéria que Lorne fez. Posso até correr risco de vida. Na hora em que tento me levantar, apesar da tontura da pancada, ouvi passos se aproximando. Finja que morreu!, lembro do que ele me falara e obedeço.

Com um olho fechado e o outro aberto, vejo Frieda aparecer. Ela estava bem diferente do que eu imaginava: descabelada, desvairada e selvagem. Ela estava bem desgrenhada e imunda, segurando uma faca bem afiada. Rapidamente, fechei o olho e passei a respirar lentamente. Senti o leve toque do tênis no lado esquerdo do meu rosto. Ele me empurrava para o outro lado e depois se afastou.

– Está mortinho. - simplesmente falou. Senti o seu hálito de bafo no meu nariz. - Voe para cima, fedelho! Depois desapareceu.

Estufei a boca por causa do bafo fedorento da Frieda e abri um dos olhos para certificar se ela se distanciou daqui. Ela sumiu. Então, me rolei para o matagal adentro, onde encontrei uma vala profunda e cuspi direto nela. Depois caí para trás, observando o tamanho estrago no me pulso, que não passa de um corte inchado e ensangüentado.

– Tenho que dar um jeito nisso! - falei comigo mesmo.

Tive que regressar à caverna, para ver como a Anne está. Ultimamente, Lorne tem estado muito esquisito, desde o dia em que rasgou a garganta de Arnold até hoje, quando rasgou o meu pulso. O que será que ele quis dizer com isso? Tá vendo? Mais uma dúvida me atormenta. Assim que chego à caverna, toco à pedra. Nenhuma resposta. Toco mais uma vez, preocupado, e nada. Desfaço a camuflagem e me deparo com o seu interior praticamente vazio. Anne.

Suspeito de que algo de ruim tenha acontecido a ela. Assim que abro a abertura, está completamente vazia. Anne não está aqui. Não pode ser! Rapidamente, pego o meu casaco e o visto, e vasculho o kit de primeiros-socorros, onde encontro uma atadura.

Enrolo-o sobre o pulso, para estacar o sangramento, pego uma faca, já que a outra, Lorne pegou e em seguida, saio em disparada à procura de Anne. Com a adrenalina a mil, corro o mais rápido que puder, para encontrar a Anne e protegê-la. Mas me deparo com passos vindo em minha direção. Pulo para uma moita, para me esconder. Vejo por entre as folhas e vejo Lorne correndo aos pulos. Ponho a mão à boca e tento seguir o seu rastro, quando ouço um grito de uma garota. Era a Anne gritando, de dor, suponho. E isso fez aumentar ainda os meus passos e temores. Anne.

Encontro Frieda em cima da Anne, roçando a ponta da faca no seu pescoço, extraindo um filete de sangue.

– Prepare-se para o último suspiro, queridinha! - sibilou Frieda, quando ela ia empunhando a faca direto no pescoço da Anne, quando Lorne a puxou bruscamente para o alto e a jogou para o outro lado, como se ela fosse uma boneca puída.

Fiquei pasmo. Anne ficou atônita. Lorne estava bem diferente do que antes: ameaçador e assustador, diante da Frieda, que lutava para se erguer. Em seguida, Lorne virou o rosto para Anne.

– Você está bem? - ele perguntou.

Anne parecia não entender, mas respondeu assim mesmo.

– Nem um pouco.

– Ótimo - ele falou. - Vá embora.

Agora entendi o que ele quis dizer. Agora entendi o corte que ele fez no meu pulso e na garganta de Arnold. Ele estava salvando a minha vida. A minha e da Anne! Está explicado o porquê. E a Frieda não entendia o que se passava pela cabeça do companheiro. Ou devo dizer, ex-companheiro.

– O que deu em você, Lorne? - Frieda indagou, atordoada.

– O que deu em mim? - Lorne respondeu, ríspido. - O que deu em VOCÊ, Frieda?

Ela continua sem entender. Lorne deu mais um passo em sua frente.

– Você não passa de uma charlatã, dissimulada, aproveitadora! Entendi muito bem que o que importava era a sua vitória sobre nós, sua egocêntrica! Você me traiu! Me traiu esse tempo todo!

– E-eu não sei do que você está falando. - ela balbuciou feito uma boba que não sabe de nada.

– Ah, mas você sabe, sim. - Lorne contestou. - Sabe TUDO! A Alemanha inteira sabe das suas artimanhas, até Hitler II. Você pode até pensar que eu sou trouxa, mas não sou idiota. Você é bem pior do que eu pensava, sua ordinária OTÁRIA! Agora vou dar a cartada final, pra você ver.

– Veremos então. - Frieda murmurou.

Ela preparava discretamente para pegar a sua faca, enquanto Lorne aproveitava para pegar o fuzil.

Peraí! Aquele fuzil é meu! Ele pegou! Mas fui obrigado a me manter escondido sob a moita.

– Agora fique parada para eu não fazer sujeira! - ordenou, enquanto Frieda fez uma incisão grande na canela esquerda dele, o que o fez contorcer de dor. Ela aproveitou para atacar o Lorne. Pronto, agora travou uma grande batalha!

Os dois lutaram arduamente. Enquanto Frieda tentava se esquivar, sem sucesso, dos golpes do Lorne, ele tentava atacá-la a facadas, também sem sucesso. Anne retirava a flecha da aljava e a engatava no arco. Enquanto os dois lutavam um contra o outro, ela tentava mirar em Frieda, quando a acertou em cheio na lateral do abdome, que a fez cair. Lorne nem comemorou a suposta derrota da ex-companheira, mas ficou estático no lugar.

A mulher gemia de dor, quando viu a flecha cravada na lateral do abdome, de onde sangrava. Tirou a flecha com grosseria sem limites e a reutilizou, só que para arremessar, quando a fincou na coxa direita de Lorne, o derrubando, praticamente. Anne tentou ajudá-lo, enquanto Frieda se vingava, empunhando a faca com muita força, deixando as juntas brancas.

– HÁ! Vocês dois se combinam! - ironizou. - Pois já que se combinam, deviam morrer juntos! Porque é isso que vão merecer.

Foi então que eu saí do meu esconderijo, segurando a faca reserva e correndo discretamente em sua direção. Frieda continuava com os seus insultos.

– Com o pretendente morto da princesinha e com vocês dois mortos, eu serei PODEROSA, PORQUE TODOS VOCÊS VÃO CAIR MORTOS! EU TEREI VIDA SOCIAL, FAMA E FORTUNA! EU TEREI... - antes que ela pudesse terminar a frase, eu pulei nas suas costas e rasguei profundamente a sua garganta, jorrando muito sangue para fora.

Não demorou dois minutos e ela caiu morta sobre a poça de sangue, que se formara. Por fim, eu disse:

– Não se eu puder evitar.