Ah, eu não acredito! Como pode? Anne piscou o olho esquerdo para mim... Será que ela estaria fingindo? Porque fingir nunca foi o seu forte. Mas devo considerar isso como traição.

Fiquei atônito. Ela ser aliada do bando de Frieda... Nem bem que descemos da árvore, Otto foi me perguntando.

– Ela era aquela garota que estava almoçando com você e com o outro? - ele referia o outro ao Desmond.

– Era. - respondi, cabisbaixo. - Ela veio comigo.

– Eu sei. - respondeu.

– Como você sabe? - interroguei abismado.

– Eu vi pela lista que exibiram anteontem à noite, quando estávamos recebendo as pontuações. O dela foi 19, não é?

Sacudi a cabeça em concordância. Prosseguimos o caminho.

Aquilo foi uma flechada nas costas, que Anne mesma atirou em mim. Uma garota por quem eu estava apaixonado... Mas sabia que lembrar disso me causaria um enfarte.

– Eu nem acredito que Heinrich fez aquilo, parece que ele nem foi marcado para morrer, só levou isso na brincadeira! - maravilhou-se Hermann.

– Mas foi sensacional! - vangloriou-se Lewis. - Sem sombra de dúvidas! É isso aí, Heinrich!

Mas nem dei a mínima para isso. Estava pensando em Anne, aquela traidora!

– Er, Heinrich? - Lewis balbuciou, preocupado com o meu semblante. - Tá tudo bem?

– Algum problema? - Hermann perguntou, pondo a mão em meu ombro.

– Não, - respondi, desapontado, retirando a mão do ombro. - Um PROBLEMÃO! - gritei.

Me afastei do pessoal, indo em direção a um lago. Em sua orla, havia uma pedra para se sentar. Foi o que eu fiz. Observei a calmaria da água. Queria estar em casa, suspirei. Peguei uma pedrinha, dessas que não machucam, e a arremessei na água, cujo salto formaram três pequenas ondas, bidirecionais, na água.

– Heinrich. - Otto se aproximou de mim.

– Peixe-rei. - murmurei.

– O quê? - ele estranhou.

– Peixe-rei, é quando você arremessa uma pedrinha no lago calmo, tem que bater três vezes na água. - expliquei. - É anti-estressante.

– Parece legal. - Otto disse, parecendo gostar da brincadeira.

– Uma amiga minha me ensinou. - eu me referia à Edith, que havia me ensinado a brincar. Eu tinha doze anos.

Otto pegou uma pedrinha e logo arremessou. Não era difícil, pois marcou três ondulações no lago. Fiquei surpreso.

– Como você fez isso? - indaguei, erguendo uma sobrancelha.

– Neu eu faço ideia! - riu.

Sorri de maneira torta. Me julguei como invejoso, mas um invejoso legal. Nós dois passamos a nos divertir, para apagar as magoas do mundo e deixar seguir a vida. Jogamos e gritamos peixe-rei freqüentemente, sem fazer idéia do tempo, ou de uma morte, é claro. Hermann e Lewis vieram depois, agora fomos quatro jogando Peixe-rei. Até que Otto parou de jogar, boquiaberto, olhando para frente. Desconfiei mais tarde.

– Otto, - cutuquei-o. - Algum problema?

Nada. Ele continua grogue, boquiaberto, olhando uma garota de cabelos castanhos, segurando um sabre na mão direita. Ela estava olhando direto para nós. Ela vai nos matar?, pensei. Mas ela continua inerte. Parecia que queria nos alertar. Mas era isso mesmo, porque a garota aponta o indicador esquerdo para o alto, o que nos fez virar. Era um ninho de marimbondos, cujo seus habitantes zanzavam de um lado para o outro.

– Era isso. - deduzi. Otto sacudiu a cabeça em concordância. Lewis e Hermann também pararam, olhando para o ninho do alto da árvore.

– Qual é o plano? - Lewis perguntou, aturdido.

A adrenalina crescia a cada segundo, tanto em mim, quanto neles.

– Vamos sair daqui devagar. - Hermann respondeu, caminhando lentamente. - Na ponta dos pés, sem olhar para eles.

– Por quê? - Otto perguntou.

– Pode despertar os marimbondos - respondi. - É só ignorá-los.

E depois dizem que a alegria de oprimido dura pouco, pois eles resolveram colocar o ninho de marimbondos só para destruir a nossa alegria. Mas a ira dos marimbondos despertou, quando bati o cano do meu fuzil em um dos galhos, causando um ruído.

– Ai, meu Deus! - gemi, observando os marimbondos voarem em enxame em nossa direção. - CORREM!

E nós pusemos a correr. Agora sim a adrenalina ultrapassou o limite de teor, o que possibilitou a gente agilizar o nosso ritmo. Eram tantos galhos, tantos pinheiros, que nem fazia ideia de onde estávamos. Atropelamos moitas, folhas de àrvores, no meio da corrida pela sobrevivência. Os marimbondos nos seguiam rapidamente, que por pouco picava a minha nuca, que a meu ver, é a minha parte vulnerável, talvez de todos nós, que temos cabelos curtos. Os que têm longos, têm muita sorte, principalmente a Rapunzel, por causa dos cabelos excessivamente longos.

Os meus pulmões estavam ardendo, imagina o diafragma, que estava dolorido. Nem notei que acabamos caindo em uma depressão da floresta, uma depressão muito íngreme. Caímos tão forte e tão rápido, que conseguimos despistar os marimbondos, que recuaram imediatamente. Fiquei todo ralado, imagina a palma da minha mão. Assim como todos nós.

– Essa foi por pouco. - falei, ofegante.

Eles assentiram. Espanei os resquícios de terra, folhas secas e galhos no meu casaco, na calça, no tênis e no cabelo.

– Estão todos bem aí? - quis saber, pois eles estavam todos ralados.

– Nem todos! - Hermann sibilou, pois pude notar que a mão esquerda de Otto estava ensangüentada, pois arranhara em um galho afiado. Lewis arrancou uma tira de gaze do kit de primeiros-socorros e a enrolou na mão do companheiro. Ou amigo.

– Nem eu notei que me feri. - Otto reclamou.

– Foi a gravidade da queda. - conclui.

Toquei a Cruz do Sol, enfiando o dedo por sobre a gola da camisa preta. A sorte está conosco, ou não.

***

Esta noite, decidi ficar de vigia. Otto está com a mão ferida enrolada no gaze. Lewis precisa dormir. Hermann já caiu exausto de sono. Peguei o bloco de notas e a caneta para anotar o número de mortos esta noite. Não há nenhum. Não teve mortes hoje. Se eu estivesse sucumbido ao ataque de marimbondos, eu estaria brilhando no céu. Lorne e Frieda estariam felizes. Anne teria remorsos e sentimento de culpa. Por que ele estaria morto, ela pensaria assim. Por incompetência sua, eu a acusaria. Então, guardei o bloco e a caneta na mochila e me encostei na árvore. Uma noite de descanso. Pensei em Elise e Edith. Como elas estariam me vendo? Elise estaria apreensiva, teria pesadelos comigo, choraria todas as noites. Edith estaria mais forte, mas era muito radical e, ao mesmo tempo, sensível a esse tipo de coisa. Boa noite, Elise, sussurrei, olhando para o luar.

Horas depois, o céu estava azul-índigo para roxo. Mas ainda não vi o sol. A lua se escondia aos poucos. Sempre gostei de ficar acordado na madrugada, vendo o amanhecer pela janela do meu quarto. De repente, senti uma pontada de coceira nas costas da mão direita. Tive que coçá-la. Mas a coceira persistia, como se tivessem aplicado uma pequena quantidade de pó de mico na mão. Cocei até ficar vermelha, quando apareceu uma mancha vermelho-vivo nela. Meus olhos se esbugalharam, pois parecia uma espécie de úlcera cutânea. Tive que parar, mas não adiantava, pois as coceiras se proliferaram pelas extremidades do meu corpo. É a maldição do pó de mico? Não era nada disso, pois apareciam manchas escarlates nas extremidades do corpo.

Para o meu desespero, Hermann também sentiu, e se espalhou para Lewis e Otto.

– Que comichão desagradável é esse? - queixava Otto.

– Vejam lá em cima. - Hermann apontou para o alto, onde uns insetos voadores pairavam em cima de nós. Os marimbondos! É um complô contra nós, com certeza! E teleguiados!