Fiquei curioso com a história de Panem. Um programa semelhante a esse? Um pouco, o objetivo é o mesmo, só muda o número de sobreviventes. Em relação à Terceira Guerra, nas aulas de história, eu lembro que estudava a Segunda Guerra Mundial, que os EUA entravam na guerra como um dos Aliados contra o Eixo, que compreendia a Alemanha, a Itália e o Japão. Estou torcendo para que Panem entre nesta Guerra para acabar com isso.

Alguém bate na porta. Devem ser os nossos uniformes, penso. Margot atende. Era uma Lemitz com os nossos uniformes para o treino. Antes que eu me esqueça, as Lemitzes são empregadas berlinenses que vivem de baixa renda nas áreas periféricas de Berlim. Já ouvi falar de uma: Potsdam, um subúrbio daqui. Foi lá onde foi realizada a Conferência de Potsdam, cujo objetivo foi dividir a Alemanha em zonas de influência e que a capital teria de ficar isolada do mundo pelo posterior Muro que leva o seu nome. Voltando às lemitzes, elas até que ganham bem, mas deve cansar de tanto trabalho repetitivo.

Os nossos uniformes vieram cuidadosamente cuidados. Dois de manga e gola azul e uma vermelha. Anne tratou de pegar o seu, desdobrando-o. Desmond e eu fizemos a mesma coisa. Na hora em que eu desdobrei, eu tive uma revelação surpreendente: os caras advinharam o meu tamanho, a minha silhueta!

Ah, esqueci de falar das botas, todas pretas com o cadarço da cor do sexo, isto é, o meu e de Desmond, azul, enquanto o da Anne, vermelho. Tentei abrir o jogo depois que troquei de roupa, há dez minutos, enquanto Anne estava no banheiro.

– Como é que eles sabiam do nosso manequim? - perguntei.

– Eles têm um sistema de computação que permitem tirar as medidas do corpo à distância. - responde Margot. - Uma nova inovação tecnológica.

– Entendi. - dei de ombros, mas fiz uma indagação à base de queima-roupa. - Margot, em relação às cidades alemãs que adotaram a exportação de participantes para o reality...

Só que ela me interrompeu, mas adivinhando o que eu ia perguntar.

– Sobre quais são as cidades que enviam os participantes?

– É, - balbuciei. - exatamente.

– Tem uma listagem as sete cidades nos outdoors do centro delas mostrando quais são, mas você ainda não chegou a vê-las?

Balancei a cabeça negativamente, mas fiquei com os olhos fixos em um outdoor , pela janela. Margot tentou me acordar, balançando a mão diante de mim.

– Heinrich? Você está sintonizado?

Falei, pausadamente, com os olhos ainda fixos no outdoor.

– Agora estou percebendo...

Foi então que Margot olhou para a janela, daí para o outdoor,onde mostrava a listagem das sete cidades na primeira coluna e os nomes dos participantes, na segunda. São elas, Berlim, Colônia, Frankfurt, Hamburgo, Bonn, Munique e Leipzig. Agora pude ver que Margot havia entendido a minha expressão.

***

Uma hora depois, nós três fomos para o treinamento. Margot não pode nos acompanhar, pois ela teve que ir a uma reunião com a equipe do reality. Enfim, na hora em chegamos perto da bifurcação que separava as alas Leste e Oeste, Anna foi logo se separando de mim e de Desmond. Acenou para a gente.

– A gente se vê mais tarde. - Desmond gritou. Eu tive impulso em gritar também, mas a voz quase não saía. Tive que retribuir o aceno.

Nós entramos pela Ala Oeste. O corredor terminava em uma porta dupla de alumínio, cuja maçaneta era cilíndrica e vertical em cada porta. A maioria dos rapazes era alto, mas não tão musculoso. O mais robusto deles é o que está na minha frente, atrapalhando a minha visão. Mas pouco me importo.

– O que será que tem lá dentro, heim? - Desmond perguntou, olhando de soslaio para mim.

Dei de ombros. Foi minha resposta. Gozado, agora fiquei curioso. O que é que tem lá dentro? Talvez halteres, facas, arcos e flechas... Eu não sei dizer, mas sinto que a curiosidade poderá me matar.

A porta se abriu automaticamente. A Ala Oeste era ampla, com placas de alvo penduradas na parede de aço, sacos para boxeador, portas-facas, e até suporte para arco-e-flecha e machado. Além disso, tem dois planos no chão, revestido de assoalho de carvalho marrom. Todos começaram a pegar no pesado, enquanto eu e Desmond andamos juntos.

Desmond e eu não éramos amigos, apenas colegas. Ele era um daqueles garotos que zombavam de mim e de Moe, mas naquele dia da briga, aquilo já foi demais pra mim. Por fim, Desmond e os outros começaram a pegar mais leve depois disso. Mas a partir do momento, nunca mais o vi. Achei que ele tivesse mudado de escola, expulso, ou que estivesse doente. Só fui saber de sua presença depois que Bertrand mencionou o seu nome no Dia da Seleção. Espertinho, heim? Tentando se esconder de mim, é? Desmond é um ano mais velho que eu, é um rapaz alto.

– Só de pensar em quando entrar no reality, eu nem faço ideia no que eu vou fazer no meio da carnificina. - Desmond desabafou.

– Nem eu, cara. - respondi. - Mas se quiser sobreviver, basta só se esconder na mata, a fim de estar seguro.

– É, - ponderou. - você tem razão, Heinrich. Mas como é que você sabe disso?

– Lembra do Johann Lunhoff? Aquele galego robusto que participou da edição passada?

– Lembro. Por quê?

– Logo que o gongo soou, ele abandonou os outros dois participantes em meio ao morticínio, fugindo direto para a mata. - Johann Lunhoff, de Munique, venceu a edição com uma moça vinda de Frankfurt. Eu consegui um autógrafo dele em meio a um tumulto de fãs histéricas. E isso foi no Oktober Fest desse ano, dois dias antes de ser selecionado para o reality. - Ele quase ia ser morto pelo homenzarrão do Hupert, mas conseguiu degolá-lo a tempo.

– Muito esperto ele. - falou, pegando uma faca desocupada de uma mesa. - Taí um belo alvo.

Ele referiu o alvo a aquele um deles pendurados na parede. Quase todos os rapazes estavam usando, lançando faca no foco ou fora dele. Lhe propus um desafio.

– Quem vai lançar as facas? - perguntei.

– Aposto cara ou coroa. - Desmond propôs, retirando do bolso, uma moeda.

– Cara. - respondi.

– Coroa.

Desmond lançou a moeda para o alto e esta tilintou no chão. Deu cara. Ganhei. Desmond ficou na reserva.

Peguei uma faca e parei diante do alvo. Tentei me concentrar no foco, respirando fundo. Agora vai. No primeiro lançamento, quase acerto. No segundo, o mesmo resultado. Agora, no terceiro, eu não sei não. Já vi que focar a visão no centro vai atrapalhar um pouco, mais ajuda, porque eu lancei a faca bem na tangente do centro. E isso é um bom sinal. Minha mente entrou e saiu simultaneamente do devaneio, quando, acidentalmente, lancei a faca de lado, por pouco não acertando nos outros rapazes, mas roçou o braço esquerdo de um cara, sangrando quase que imediatamente. A faca atingiu o saco de boxeador, o qual o outro cara, um loiro, usava. Houve uma paralisação. Esse cara, o qual a faca atingiu de raspão o braço, era aquele robusto que estava na minha frente na entrada.

Fiquei lívido. A culpa foi de Desmond, que me alardeou do devaneio.

Estou lascado!