O surto tinha acabado de estourar, pessoas sãs saindo e entrando em todos os lugares. O fogo se alastrava por todas as fábricas, o primeiro estágio do fungo afetava os que viviam na grande cidade, e, pouco a pouco, conquistava o interior também. Os repórteres, cumprindo seus trabalhos, estavam no meio da multidão, dando informações para os ainda não infectados. A sede da Umbrella estava calma, um representante de cada setor sentado em cadeiras ao redor da mesa, enquanto algo era exposto na mesa, nem se importando com o caos que estava o país. Abraham, diferente de seus colegas de trabalho, estava sentado ao lado da diretora da Umbrella Corporation, bebericando sua bebida tranquilamente. Sua falsa esposa supostamente estava em casa cuidando dos filhos de Abraham, enquanto o mesmo pensava em uma solução rápida e silenciosa.

Quando o primeiro raio cortou o céu e os gritos apavorados tomara conta da rua de sua casa, Patrícia decidiu ir ver como sua irmã estava. A pequena estava encolhida debaixo das cobertas, com as mãos trêmulas segurando a maldita pelúcia que não a largava. Patty, cuidadosamente, se aproximou, puxando a coberta e se enfiando ao lado da irmã. Deu um sorriso confortável antes de começar um diálogo:

—Alia, como foi a escola?— tentou a distrair, mesmo sabendo que ela não havia tido aula.

—Eu estou com medo dessas explosões, desses monstros. Quando o papai vai chegar para nos levar embora?

Abraham não voltaria, não o verdadeiro Abraham, porém, nenhuma das duas sabiam. Abraham criara um protótipo de pai perfeito, que a visitavam todo final de semana, as levavam para passear, e apenas não podia tomar banho, pois podia corromper os circuitos. Criou o robô com o objetivo de protegê-las, para que Umbrella nunca soubesse o paradeiro delas, e tentava a todo custo apagar qualquer vestígio do nome delas nos documentos da corporação. Por mais que sua inteligência valesse muito, ele não pensou em todas as consequências. Como no caso do fungo atingindo os cidadãos, e ele sem poder agir, sem poder trazê-las para a base. Tudo isso por medo de Umbrella ou alguém muito pior descobrir algo ou tentar algo.

Batidas. Batidas fortes. Na porta traseira da grande casa, e, com certeza, não era Abraham. As batidas eram causadas por mais de uma pessoa, e estavam desesperadas. Patrícia não sabia o que fazer. Seguindo os filmes tradicionais, pegou um pedaço de ferro na mão (que arrancara da cômoda que suportava a televisão de tubo, fazendo um barulho enorme quando caiu no chão), a outra segura Nathália e seu urso de pelúcia. Os olhos de Patrícia se arregalaram quando viu o primeiro infectado invadir o quarto; este usava roupas de um cidadão normal, com os olhos um pouco cansados, as mãos trêmulas como as pernas, os pés descalços, e sua boca murmurava algo identificável. Ele virou-se lentamente para a irmã mais velha, lançando-se inconscientemente em sua direção. O ferro entrou em contato com seu olho esquerdo, fazendo-o recuar fortemente, e os golpes se seguiram no mesmo ritmo. Quando este estava desmaiado no chão, Patrícia aproveitou o tempo para pensar em uma saída rápida, tendo em vista que havia mais infectados na casa. A janela nem era tão alta, e ainda tinha a varanda do outro quarto, o amontoado de folhas amorteceria a queda. Patrícia pediu para que Nathália fosse primeiro, mesmo sabendo que a menor não tinha experiências para pular muros nem janelas. Alia se jogou contra o falso amontoado de folhas, que não amorteceu a queda, e sua perna direita começou a sangrar drasticamente. Não estava quebrada. Estava presa em uma armadilha, posta pelo seu pai robótico. Segurou o choro até que sua irmã aparecesse. A maior, afobada, pegou a irmã no colo rapidamente, pedindo-a para não proferir barulhos estridentes que pudesse chamar alguma atenção. E elas correram. Correram para bem longe da casa, tentando não ver os restos mortais de cada velho habitante, alguns eram até seus vizinhos.

Um carro passou por elas. Um fiasco de esperança se acendeu no coração da mais velha, a fazendo acenar impulsivamente. Quase se jogou na frente do carro ao perceber que a carona havia sido negada. Dentro do carro, Abraham corria para fora da cidade, com sua chefe do lado, pedindo para que ele não tivesse distrações. Prometeu a si mesmo que voltaria para buscá-las, caso lhe permitissem, porém, não pode cumprir a promessa.

Enquanto mais zumbis tentava as atacar, um homem com uniforme militar, com um rasgão no abdômen, passou por elas. Olhou com os olhos brilhantes para o kit médico que a mais velha segurava, como se pedisse para usá-lo. Patrícia, agora que pudera parar para respirar, notou o olhar mortífero do homem. Pensou duas vezes. Deveria ou não dá-lo? Alia estava machucada, poderia precisar dali alguns minutos, era arriscado demais. Com um olhar mesquinho, a menina apenas voltou a correr, agora, com um destino em mente.

Estava ofegante quando encontrou um celular ligado no chão, este vibrava incessantemente. Patrícia pegou-o, verificando que o aparelho ainda tinha área para ligar. Sorriu satisfeita, comunicando a irmã do feito. Discou o único número policial que sabia, com esperanças que pudesse comunicar alguém de fora da cidade. O país estava um verdadeiro caos, pouquíssimas chances de haver alguma base policial ativa pronta para ajudá-las. Mas Patrícia tentou. Tentou muito mais de cinco vezes. Tentou até perder a paciência e a esperança. Tentou até ter certeza que morreria como um deles. Foi quando o celular tocou, piscando "número privado" no visor.

—Alô?— perguntou afobada.

—Detetive Castellanos na linha. Qual a emergência?— uma voz grave soou. Patrícia não sabia se realmente podia confiar em Castellanos, porém, sua irmã estava muito machucada e precisava de socorros, ele não negaria ajuda agora, negaria?

—Eu... Minha irmã está machucada. A cidade está um caos terrível. Precisamos de ajuda rapidamente.

—De onde a senhorita fala?— o detetive parecia teclar algo em um computador, gritando ordens para seus assistentes. Ele era mesmo só um detetive?

—Kentucky, interior da capital.— de tão nervosa que estava, se esquecera do nome da própria cidade, se embaralhando toda. O detetive, esperto como era, rastreou a ligação para que tudo ficasse mais fácil. Grossery Street, ao lado de uma loja de doces conhecia pelo estado inteiro.

—Eu vou mandar o detetive Joseph Oda cuidar do seu caso. O problema é que estamos há mais de dez horas daí, não conseguiremos chegar antes do fungo atingir vocês. Eu sinto muito.

Patrícia era persistente, talvez tenha perdido a persistência durante os anos, mas naquela época ela era bastante. Esperou o tal Oda chegar com muita paciência e parcimônia. Nathália estava se contendo para não soluçar de dor, poderia denunciar seu esconderijo. Estavam escondidas no armazém da Candy Grossery Store, comendo alguns doces para enganar o estômago. E passaram assim por uma semana. Uma semana inteira sem nem ter contato com a luz natural, ouvindo gritos e murmúrios vindo da outra parte da loja, com medo de alguma coisa acontecerem com elas. Joseph chegou muito tarde na cidade; estava tudo destruído, as únicas almas vivas estavam infectadas, e ele temia que as garotas também estava.

Oda sentiu um alívio imenso ao constatar que as duas jovens irmãs estavam vivas. Tratou de contatar Castellanos imediatamente, avisando que faria uma parada na próxima cidade, já que elas precisavam comer, e, na próxima cidade, havia bases militares amigas que podiam os ajudar. Assim o fez.

Quando chegou com elas na base de Castellanos, a primeira coisa que as pediu foi que fizessem uma bateria de exames. Exames que mostrariam coisas importantes para eles; taxa de infecção, quantos dias sem comer, herdeiras de qual família, entre outras coisas valiosas para a base. Kidman, a mais recente parceira de Sebastian e Joseph, ficou responsável por aquela parte. Os exames de Nathália fora tranquilos, já que era uma criança obediente, e guardava a curiosidade para mais tarde; Patrícia fora seu grande desafio, já que fazia perguntas sobre tudo (quis saber até o estado civil da mulher), Kidman dava culpa aos hormônios. Estavam no quinto exame quando uma conversa estranha começou:

—E você já ficou com Sebastian?

—Que tipo de pergunta é essa?— aplicou touselina, uma dose que a deixaria zonza para os próximos procedimentos, pela seringa.— Eu nunca fiquei com nenhum dos dois, se é isso que quer saber.

—E com uma mulher?— balançou os pés, visivelmente desconfortável por estar tirando suas dúvidas com uma completa estranha. Juli a olhou como se outra cabeça estivesse brotando de seu pescoço.

—Deite-se na maca, Patrícia.

—Você não me respondeu.— cruzou os braços, se negando a seguir ordens naquele momento.

—Não me interesso por mulheres. Deite-se.— falou por fim, vendo a menina obedecer.

Era até cômico ver uma garota de doze anos tentando se descobrir com uma desconhecida. Quem visse de fora, com certeza, acharia que Kidman era a irmã mais velha dela, ou até mesmo sua mãe. Coisas que Patrícia nunca teve, pelo menos, não completamente. A mãe era ausente, ia trabalhar cedo, e voltava tarde da noite. O pai parecia uma programação perfeita, não trabalhava, e a ajudava quanto aos seus problemas. Nem tudo é tão perfeito. Alguns dias antes do surto, Patrícia perguntou para o pai algumas coisas relacionadas a sexualidade. O mesmo travou, ficou a olhando longos minutos, sem saber as respostas da pergunta. No dia seguinte, o verdadeiro Abraham apareceu em casa, com as respostas na ponta da língua. Porém, Patrícia era curiosa, queria sempre saber mais. Queria saber sobre a probabilidade de não gostar de homens, de nunca se sentir atraída pelo sexo oposto.

Quando a examinação acabou, Sebastian pediu para que levassem a menina para uma sala privada. Alia, enquanto isso, estava se distraindo com Joseph, já que o homem tinha experiência maior com crianças. Castellanos ficou feliz ao ver a jovem entrar de livre e espontânea vontade na sala, sorrindo timidamente. Pediu para que se sentasse, pronto para começar a fazer seu trabalho.

—Onde está seus pais?— havia uma prancheta junto com uma caneta a sua frente, para anotar qualquer estranheza que houvesse.

—Não sei. Minha primeira preocupação foi minha irmã.— seus dedos estavam cruzados acima da mesa, respirava fundo, com a cabeça baixa. Queria poder ter feito mais.

—Quando você viu eles pela última vez?

—Mamãe estava fazendo jantar quando subi para o quarto.— ameaçou chorar. Castellanos, sem a mínima ideia do que fazer, apenas colocou as mãos em cima das dela, com um olhar compreensivo.

—Preciso de seu nome, sobrenome, todas as informações pessoais que tiver.— assistiu-a pegar algo no bolso traseiro da calça, abriu-o, e o entregou ao detetive. Era seu registro, que ela nem sabia porque carregava.

—Isso é tudo que eu sei.

Seb levou alguns dias para coletar informações essenciais para poder devolvê-las para os pais. Foram dias árduos, sem parar um segundo para respirar, com Oda e Kidman em seu encalço. As meninas estavam alojadas no único quarto dentro da base, enquanto os militares estavam fazendo zonas de quarentenas. Pelo o que ouviam, estava sendo uma missão nem tão bem sucedida assim, já que havia muitos homens mortos voltando. Joseph era contra jogá-las na rua antes que tivesse tudo certo, e, sendo o responsável por elas, todos acataram seu pedido. Quando Castellanos viu o que o DNA de Patrícia mostrava, quase caiu para trás. Era compreensível não ter achado nada antes; ali, nos dados da Umbrella, ela estava com um nome diferente. Um codinome, na verdade. Estava protegido com um Código de Sobrevivência, que Castellanos estava penando para descobrir. Sorte dele ter alguns arquivos soltos sobre ela.

A página dizia: Survivor Rescue. Habilidade habilitada em setecentos e trinta por cento. Erros genéticos graves, possível arma nuclear. Habilidade desabilitada por precaução. Filha de [riscado] e Abraham [riscado]. Parente de Nathália. Memórias desabilitadas/mudadas. Localização atual: Foragida.

E agora, ela estava ali, na frente dos dois, provando que era mais forte que toda a corporação junta. Parecia mil vezes mais madura, uma vez que adquirira uma expressão maldosa. Os homens pareciam incrédulos e confusos, pedindo uma explicação rápida.

—Aconteceu uma coisa muito grave onde eu estava hospedada.— explicou cuidadosamente, virando-se para ver se seu robô estava intacto.— Preciso da ajuda de vocês.

—Você sabe que nós não te negaríamos ajuda.— ela assentiu, incentivando Seb a continuar.— Todavia, teremos que fazer a mesma bateria de exames de antes. E, também estamos com problemas.

—Uma ajuda pela outra, sim?— sorriu inocentemente.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.