O inverno havia acabado de chegar. A neve cobria todo o acampamento e o resto da floresta que havia em volta. No pátio, onde tinha várias pessoas comendo o café da manhã tranquilamente, Patrícia descansava. A última caçada tinha sido árdua; o veado corria demais, e ela insistira em ir sozinha. Sua irmã, Nathalia, estava ao seu lado, comendo sua comida rapidamente. As duas tinham um combinado de visitar Ellie e Joel depois do café, e não podiam perguntar o porquê de não terem ido para o pátio naquela hora. Nathalia termina a comida, passando o prato para a mais velha, sorrindo amarelo. Estava com tantas saudades da mais velha que podia a esmagar em um abraço apertado. Apesar de parecerem distantes, as duas eram grudadas. Sempre que a mais velha tinha tarefas de não poder dormir em casa a mais nova ficava triste, porém não se negava em passar um tempo a mais com Tommy ou Joel, que ela os consideravam como os tios que nunca tivera. Apesar de seis anos, era uma garota esperta, sobrevivente de uma epidemia, um anjo de pessoa. Patrícia põe os pratos na bancada da cozinha, Maria, mulher de Tommy e cunhada de Joel, estava lavando os pratos. Quando, em um ato inesperado, segura as mãos da outra, olhando bem fundo em seus olhos.

—Algum problema, Maria?— a adolescente pergunta, não controlando o tom quase debochado em sua voz.

—Eu só estou estranhando o fato de você estar distante do acampamento.— ela segura seus braços com mais força, a probabilidade de uma marca surgir ali era enorme.— Você está aprontando alguma coisa, moça?

—Maria, eu saio todos os dias para caçar com o seu marido e o resto dos nossos amigos, você acha que eu tenho tempo para baboseiras? Desculpa, mas não sou uma desocupada como...

—Está tudo bem aqui?— Tommy pergunta, adentrando a cozinha, e estranhando o fato das duas estarem se atracando. Patrícia, por mais difícil que fosse de lidar, nunca se colocava contra Joel, Tommy ou Maria. Muito pelo contrário; ela sempre se mostrava grata pelo favor que faziam.

—Foi só um mau entendido.— Maria se vira, sorrindo docemente para o marido.

Uma marca diferente estava localizada em sua cintura, o avental junto com a roupa rasgada que usava denunciava o fato. Patrícia observava tudo em silêncio, nem se ligando na conversa que estava havendo ali. Fingindo estar lavando os próprios pratos, a moça segue para o armazém que havia na cozinha. Procurava insistentemente por alguma prova, e não tardou a achar. Sangue fresco, no assoalho do vasto cômodo. Ela pega um pano qualquer e o passa no chão, pretendendo guardar o líquido para o estudar mais tarde. Ela volta para o cômodo anterior como se nada tivesse acontecido. Conversa com Maria e Tommy gentilmente, dizendo o quão bom o inverno estava sendo para achar novos alvos para servirem de comida. Quando volta para o refeitório, vê apenas Nathalia, agarrada no bendito ursinho embolorado, a esperando para ver Joel e Ellie. Patty sorri, estava morrendo de saudades de Ellie, isso que tinha menos de dois dias que se viram.

A mais velha bate a porta três vezes. As irmãs, antes de seguirem o planejado, resolveram tomarem um banho juntas. Durante, Nathalia pediu para que a mais velha contasse alguma história de pescador eletrizante, e ela o fez. O conto sobre uma grande lagarta azul que enfrentara era o preferido de Alia, e foi esse que a mais velha resolveu contar. Quando saíram, a irmã mais nova pedira para que a outra lhe fizesse um rabo-de-cavalo exatamente como fazia em si, e agora as duas pareciam ainda mais gêmeas. Patty era uma adolescente de quinze anos, que teve que ter responsabilidade cedo demais. Quando a tragédia acontecera a moça tinha apenas doze anos, Alia tinha apenas três anos, e, sem entender nada, apenas seguiu a mais velha. Imaginar duas crianças correndo um apocalipse zumbi é medonho, agora ser uma das duas crianças correndo um apocalipse zumbi era assustador.

Um Joel sonolento abre a porta, já prevendo as duas criaturas que o chamava. Sorrindo, do jeito dele, pediu para que as duas entrassem:

—O que as duas moças fazem me acordando as...— checou o relógio, fazendo uma cara de espanto logo em seguida.— Oito e trinta da manhã?

—Nós viemos te ver.— Alia sorri, mostrando os dentes que restava. Ontem havia perdido mais um, ficando sem os dois da frente.— E eu perdi um dente, olha.

—Não é perdeu, é arrancou.— a irmã a corrigi, sorrindo para o mais velho.

—Perdi mesmo, eu fui o lavar para dar para você e ele caiu no ralo.— ela desperta o riso nos mais velhos, logo caindo na risada também.

—O que caiu no ralo?

Patrícia se vira, e quase perde o controle das próprias pernas. Ellie estava ali, com a carinha que sempre tinha antes do meio-dia. Com os olhos denunciando seu sono, ela sorri para a amiga, e corre para abraçá-la. As duas tinham uma conexão muito forte, pareciam irmãs ou até mesmo namoradas. Não que Ellie dispensaria a última opção, Patrícia não era uma menina de se jogar fora, era uma morena linda com os olhos castanhos flamejantes, sem tirar o sorriso lindo que fazia o coração da outra derreter. Era engraçado pensar daquele jeito depois de Joel ter falado que as duas fariam um belo casal, Tommy e Maria concordaram até. Maria. Patrícia há de descobrir o que realmente tinha acontecido com aquela mulher.

—Meu dente.— Alia sorri novamente, agora para se mostrar para Ellie.— Bom dia, borboletita.

—Já falei que odeio esse apelido que as duas inventaram.— revira os olhos, com um sorriso divertido nos lábios.

—O apelido é fofo.— Patty dá de ombros.

Joel era como um pai adotivo de Ellie. No começo foi difícil domar a fera desbocada que a menina era, mas no fundo, bem no fundo, ela era uma pessoa amável. Quando voltaram para o acampamento de Tommy, Joel pensou que Ellie ficaria brava. Contara uma mentira qualquer sobre a cura da humanidade, falou que desistiram de procurar, apenas para não a ver triste, o que não adiantou. Ellie passou algumas -várias- noites em claro, apenas vendo o movimento pela janela do quarto. Ela tinha chegado tão longe, tão perto da cura, e apenas desistiram de procurar. Desistiram da humanidade, e ela nem ao menos sabia porquê e nem se deu trabalho de perguntar a Joel. Achava que o homem era tão desinformado quanto ela. Patrícia fora um grande recomeço dela. As duas não se deram bem de cara, segundo Patty era tesão reprimido por parte de Ellie, e a única coisa que a salvaram foram as tão idiotas piadas. Foi ai que a amizade estorou e Joel nunca viu Ellie mais realizada.

—Ellie, você vai fazer alguma coisa importante agora?—a adolescente pergunta, se sentando no sofá. Joel e Alia estavam na varanda, a criança contava a história da lagarta pela vigésima vez, e a única coisa que Joel conseguia fazer era admirá-la. Joel via em Nathalia sua filha falecida: Sarah.

—Voltar a dormir é uma coisa muito importante para mim.— responde, se sentando ao lado da outra.

—Vem, eu tenho uma coisa para você!— a outra se levanta abruptamente, puxando a amiga pela mão.

—Hey, espera. Eu não vou assim. Não vou de pijama.— teimou.

—Vou te dar quinze minutos.

Enquanto Ellie se arrumava, Patrícia abriu a mochila que havia trago consigo. De lá, tirou um gravador. Era agora ou nunca. Caminhou até a varanda, vendo Alia brincando no projeto de quintal que tinha ali.

—Joel, posso falar com você?— perguntou, se sentando ao lado do homem. Consigo havia trago uma cerveja para o agrado dele.— Preciso te dar uma coisa...— entregou o gravador. De início ele pareceu confuso, sem saber o real sentido daquilo.— Me promete que se algo acontecer vai entregar isso ao Tommy, mas só se algo acontecer.

Tinham andado bastante. O erro de Patrícia fora colocar os arranjos acima da terceira colina mais alta. Os pés de Ellie pareciam que cairiam a qualquer momento. Quando chegaram Ellie não pode conter o suspiro de espanto quando viu tudo aquilo.

—Posso levar isso como uma aprovação?— Patty pergunta sorrindo para a amiga.

Em frente a elas, havia uma mesa feita de madeira, com duas cadeiras em volta, e com um almoço enorme em cima. Almoço ou café da manhã, não importava. Ellie parecia espantada, com a boca aberta em um perfeito "O". Um prato estava com um macarrão que parecia suculento, o outro estava com um arroz feito na hora com feijão e bife. Onde diabos ela tinha arrumado tudo aquilo? Era muita comida, parecia ser estoque de meses. Ellie olhou para a amiga, pedindo silenciosamente se podia sentar-se em uma das cadeiras, e a outra apenas assente sorrindo. Ela escolhe o macarrão, fazia tanto tempo que não comia um macarrão de verdade. Observou a outra sentar-se na outra cadeira, pegando o garfo e espetando o bife. Passaram longos minutos apenas saboreando a comida, Ellie não tirava os olhos de Patty, nem mesmo quando a mesma encarou de volta. E aquilo estava acontecendo de novo. Uma conexão tão fiel. Os olhos esverdeados conectados intensamente com os castanhos, parecendo tão fieis. Como se aquilo não fosse suficiente, Ellie posiciona o indicador sobre os lábios de Patrícia, ainda admirando-a. Quando, por instinto, Patrícia sorri. Aquele sorriso que poderia fazer Ellie se jogar na frente de um trem e morreria feliz.

—Você é linda.— Ellie sussura, ainda com o dedo indicador na boca da amiga, vendo-a corar violentamente.

—Sabe, se você fosse embora, eu me sentiria tão sozinha no meio desses adultos. Você é a coisa mais importante para mim dentro daquele acampamento de merda.

—Eu sinto muito.— ela muda, se endireitando na cadeira e retirando o dedo da outra de seu lábio. Juntou mais um pouco de comida no garfo e enfiou na boca, com as lágrimas presas na garganta.

"Eu te amo", era o que Patrícia queria falar para Ellie.—Eu gosto pra caralho de você, Ellie.— foi o que ela disse.

—ELLIE?— Tommy gritava na medida que ia quase espancando a porta. Estava irritado, e Ellie estava demorando quase um século para abrir a porta.

—O que é, porra? Eu estava no banho!— ela se explica estressada. Tommy, com menos paciência, entrou sem nem pedir licença. Joel, que estava logo atrás do irmão, estranhava a situação.

—Aconteceu alguma coisa, Tommy?— Joel pergunta, apressando o passo e entrando na casa.

—Se aconteceu alguma coi...— finge uma risada, irônico.— Eu só estou há duas horas procurando aquela peste da Patrícia e não a acho em lugar nenhum, daqui cinco minutos é a troca de turno da segurança da fronteira e ela ainda não apareceu.

—E o que eu tenho a ver com isso?— Ellie pergunta, arqueando as sombracelhas.

—Você foi a última pessoa a vê-la, achei que saberia onde ela está.— deu de ombros, andando de um lado para o outro. Seu apavoramento era significativo, uma vez que sua melhor soldado havia sumido.

—Ela me deixou aqui e foi embora, disse que tinha algumas coisas para arrumar.

—Que coisas?

—Já tentou na casa dela?— Joel revira os olhos perguntando o que era quase óbvio.

—O primeiro lugar que procurei.— Tommy dá de ombros novamente.

Por um minuto, Joel se permitiu pensar. Patrícia. Gravador. Sumida. Como um lapso do tempo, ele sente-se voltar quando ela disse que se algo acontecer errado para ele entregar o gravador à Tommy. Se ela tivesse mesmo fugido já havia algumas horas, o sol já estava até caindo. Ele corre até a gaveta da cozinha, abrindo-a e pegando o objeto metálico.

—O que é isso?— Tommy pergunta apontando para as mãos do irmão, o outro apenas pede para que ele espere e aperta o play do gravador.

"Hey, Tommy. Se você estiver ouvindo isso, tenho uma má notícia. Se o Joel te deu esse gravador quer dizer que você estava louco atrás de mim, e se você estava louco atrás de mim quer dizer que eu fugi. Não se preocupe, eu e Nathalia ficaremos bem, eu prometo. Se fomos embora, quer dizer que as coisas pioraram —ela dá um suspiro, parecendo cansada, o som de algum zíper se fechando se faz presente— Tommy, isso é um pedido de socorro. Não me entenda mau, só isso que te peço. Sua esposa, Maria, está infectada há muito tempo. Desconfio de ser quando ela saiu para pegar mais água no rio, pode ter sido atacada ou algo do tipo. Ou alguém pode ter entrado ai e colocado dentro dela. São muitas opções e nenhuma convicção. Eu não tenho certeza de nada, além de tudo ter acontecido no rastro de duas semanas. No meu quarto há algumas coisas que eu gostaria que você, Joel e Ellie, olhassem. Saímos do acampamento as quatro e quarenta e três, exatas trezentas e trinta e seis horas após Maria infectar-se, e quatro horas e cinco minutos antes da infecção se completar. Tommy, cheque o relógio.—o homem checa o relógio, sete horas em ponto.— Se for mais de sete horas, eu sinto muito, mas você precisa detê-la. Se meus cálculos estiverem certos, é claro. Eu sinto muito mesmo, com todo meu coração, vocês, Maria, Joel, Ellie, são minha família também."

—Ela foi embora?— Ellie perguntou, ressentida. Joel a observava, a menina parecia arrasada, prestes a estourar qualquer cabeça mais próxima.

—Maria está infectada?— foi a vez de Tommy, que parecia tão chocado quanto Ellie.

—Como Patrícia vai lidar sozinha no mundo com Nathalia? Porra. São duas crianças!— Joel desfere um soco na parede, a fazendo soltar resquícios de tinta. Foi quando, com um último suspiro, a voz de Patrícia se fez presente pela última vez.

"Tommy, me faz um favor? Fala para Ellie que eu a amo—fungou—, e eu vou voltar para buscá-la."