Surreal - Art and Insanity

Capítulo 70- Parece



"Uma conversa rápida e incomoda", assim que definiria nosso diálogo. Alice estava prendendo-me ali, tentei escapar dizendo que Anne estava me esperando e devia estar incomodada com a demora; o que não deixava de ser verdade. E ela apenas se desculpava de uma forma que fosse fácil encaixar outra conversa na qual não queria participar.

"E se você deixa-la falando sozinha?" indagou a voz de Albert dentro de minha cabeça. A muito não o encontrava, e talvez deva isso ao meu súbito controle nos últimos dias e às substancias, que me são tão necessárias.

Ignorei Albert e tentei ouvir o que Alice dizia tão rapidamente.

_... Ela pode esperar mais um pouco. Afinal, está conversando com o Adam e eu preciso falar com você. Quer dizer...

Alice continuou a falar rapidamente, mas logo parei de ouvi-la novamente. Não conseguia _e não queria_ ouvir o que ela dizia... Parecia tão desesperada, em alguns momentos lhe faltava o ar. E eu não podia deixar de imaginar que essa falta de oxigenação fosse o motivo de algumas palavras desconexas que pronunciava.

_Alice...

_Sebastian, não quero me intrometer em sua vida, mas tenho a impressão de estar fazendo isso todas as vezes que me aproximo de você. Então... _ Falou dando de ombros como se não tivesse outra escolha para o que se seguiria_ Tenho que te dizer que quero ficar mais tempo com você hoje, também quis nos outros dias, mas não é como se isso estivesse ao meu alcance.

Eu a vi sorrir e não soube se era de nervosismo ou se tinha feito alguma piada que apenas ela pudesse entender.Continuei olhando-a , mas minha maior vontade era afasta-la e levar a bebida de Anne, que perdia o frescor com o contato da palma de minha mão com o vidro.

Meus olhos piscaram algumas vezes em quanto forçava-me a compreender o raciocínio da garota a minha frente. Mesmo com tudo dizendo que eu já sabia do que se tratava toda aquela conversa.

_Alice..._ Tentei começar novamente o que seria uma curta desculpa, ou uma explicação que a agradasse e me livrasse de mais constrangimentos.

_Sebastian, pare de me evitar e me dê uma chance... Ou pelo menos tente ver algo em mim que te agrade. Sei que quando se trata de mim, você tem uma visão pronta, sem nada a ser reparado, mas tente apenas uma vez_ Alice pediu com o cenho um pouco franzido.

As coisas estavam indo além do que eu podia manipular. Aquela a minha frente não era a Alice que encontrava pelos corredores da escola, aquela que forçava exageradamente a simpatia, a que parecia sempre procurando a forma mais sutil de se expressar, aquela que tentava ser ardilosa, mas sempre deixava tudo muito perceptível.

A minha frente havia a real Alice, a essência desesperada dela... Não sei ao certo se o surgimento daquele seu lado foi causado pelo efeito do álcool, mas era ainda mais irritante que a sua versão "contida", cheia de rodeios e sorrisos.

O que eu sentia naquele momento não era paranoia ou algo que chamaria de pressentimento, mas me dizia que as coisas estavam fora de seu lugar.

Ler expressões e fazer deduções são coisas completamente diferentes de ouvir o que uma pessoa realmente pensa. Mesmo que sejam palavras confusas ou perturbadoras, são alguma certeza, têm um peso diferente de deduções... É claro que não se pode confiar cegamente apenas em palavras, mas posso afirmar que existem coisas que não podem ser apenas deduzidas.

Anne faz parte do que me ensinou isso...

Mas meus pensamentos são mais rápidos, a percepção também, mas Alice tinha algo naqueles olhos esverdeados vidrados que estava me incomodando mais do que nas outras vezes em que tive que encara-los .E depois da Anne aqueles olhos estavam ainda mais vidrados, tinha um ar histérico em Alice que de uma forma assustadora lembrava-me Rita.

Olhei diretamente para ela, que permanecia com sua expressão que ia de suplica a exigência. Eu pensava na melhor forma de afastar-me; talvez as sutilezas que costumava usar não funcionassem tão bem naquele momento. Afinal de contas, ela não estava sendo nem um pouco sutil, tentar ser com ela poderia dar-lhe alguma esperança; esperança que nunca quis que ela tivesse.

_Alice, eu não quero ter outra visão sua. Me basta pensar que você é a que sempre foi, essa pessoa... Ótima_ Falei dando um sorriso e a segurando pelos ombros a uma distancia._ Agora tenho mesmo que ir, depois a gente se vê.

Aproveitei o espaço que consegui entre nós e ia passando por ela quando fui impedido. Alice segurou meu antebraço com firmeza, a qual não combinava com aquelas mãos pequenas de unhas enfeitadas. Olhei a e senti sua mão perder a firmeza, ela sorriu tentando esconder a irritação que mostravam seus olhos.

_Em alguns momentos usar da sinceridade é mais louvável do que ter belas palavras e muitas mentiras.

_E em todos momentos é preciso ter bom senso e compreender sem que sejam ditas palavras, sinceras ou não.

Virei-me e segui de volta para o jardim, tinha perdido tempo de mais com Alice e deixei Anne esperando.

No meio do caminho de pedrinhas que levava ao lago, encontrei Anne, ela vinha em minha direção com passos pesados, parecia quase tão incomodada quanto eu.

_Você demorou...

Era uma observação, mas estava claro que cabia uma explicação naquele momento. Entretanto detestaria falar sobre o pequeno imprevisto que tive.

_Mas trouxe isso._Entreguei-lhe a garrafa que ainda se mantia consideravelmente gelada.

A expressão no rosto dela tornou-se menos tensa e vagarosamente surgiu um sorriso no canto de seu lábio.

_Onde encontrou?

_Na geladeira._ Disse em quanto caminhava até o lago.

_Não me responda como se fosse óbvio, esse tipo não se encontra em mercearias. É do tipo que se precisa ter dinheiro, paladar e excentricidade... É quase como acontece com os sommelier, só que esses excêntricos não recebem essa alcunha.

_Quanto animo por causa de uma cerveja! Me pergunto o que aconteceria se te trouxesse aquele grande barril que está na sala ou quem sabe algumas garrafas de whiskey...

De costas apenas ouvi o riso dela, parecia mais despreocupada, mas ainda assim tinha algo estranho.

_Poucos entendem sobre uma boa cerveja.__Ela ralhou alcançando-me.

_Não pensei que você tivesse apreço por bebidas alcoólicas

_E não tenho. É raro eu beber algo que tenha álcool, ainda mais por causa dos remédios, mas acho interessante esses modos de produção e a antiga fermentação... Tudo isso é interessante.

Sentei-me na grama vendo-a sentar-se ao meu lado com a garrafa aberta na mão. Ela levou-a à boca e bebeu um gole da cerveja. Pude observa-la sentindo o sabor, sua expressão era de concentração, parecia estar tentando encontrar mais do que uma cerveja tinha em sua composição, por fim ela sorriu e ofereceu-me a garrafa.

_Não bebo.

Meu tom saiu quase como uma lamentação e pensei em dizer novamente mas com outo tom.

_Motivos religiosos?_ Indagou com um sorriso brincando em seus lábios.

_Apenas gosto de me manter completamente lucido.

Era melhor assim, manter meus problemas longe dela parecia a melhor coisa a se fazer. Afinal de contas, ela já tinha seus próprios e eu preferia continuar parecendo seguro... Quem sabe tudo se tratasse disso. Parecer.

Um ponto de vista no qual estamos de fora e podemos pensar o que quisermos, podemos ser imparcial ou não.

Eu quis ver tudo e todos da forma mais distante possível, e todos estavam tão expostos que era quase impossível não agir assim. Me mantive do outro lado da cerca vendo-os agir como animais; alguns queriam apenas atenção, outros um pouco mais do que isso. Mas todos pareciam iguais... Exceto ela. E esse foi o meu erro.