Capítulo 7 - Sombra e Luz

Os remédios não são fortes o bastante para impedir que eu imagine ou lembre dela. Aquela distração de meus últimos dias livre, a indiferença que parecia sentir a respeito de tudo.

Os olhos dela estavam sempre perdidos, parecia estar em outro lugar. Eu queria acompanha-la, mas ela não direcionou um olhar a mim.

Em quanto ela mordia a caneta e fazia aquele barulho horrendo, eu a olhava: as pernas cruzadas sem muita classe, cabelos castanhos e longos, pele clara, olhos azuis acinzentados que ficavam por trás das lentes grossas, eles eram a única coisa diferente nela e quase ninguém reparava.

Fiquei impressionado com a capacidade que aquela garota tinha de passar despercebida por todos os lugares.

Eu sempre chamei atenção, não sei exatamente se pela beleza ou por meus talentos, mas nunca passei por algum lugar sem que me olhassem.

Em minha infância, meus pais faziam questão de mostrar meus não tão incríveis quadros para os familiares e amigos.

Olhe para ele, os quadros são esplêndidos. Se com nove anos ele está pintando assim, imaginem quando ele estiver com dezoito; estará na Galleria degli Uffizi , minha mãe dizia brincando com os convidados, todos sorriam educadamente.

Hoje tenho dezoito anos, como podem perceber, não estou na Galleria degli Uffizi em Florença.

Talvez eu passe minha vida toda trancafiado nesse lugar, e depois quando arrancarem meu corpo decrepito daqui queimem meus quadros. Nunca serei reconhecido como os que tanto apreciei em minha infância, quando tentava imitar os traços, a sombra e a luz.

Todos temos sombra e luz,
Na pintura de nossas almas, são invisíveis os tênues traços
que estão em nosso corpo preso por laços,
Como uma sombra em nosso encalço

Nasci para a luz, mas as sombras de meus olhos não me deixam tomar meu lugar.
Apenas vivo a criar na escuridão de meus olhos translúcidos algo para encantar.
Aquela de olhos perdidos, minha própria Gioconda, muito mais bela ,
Pintaria de vermelho seus lábios pálidos, com sangue para vê-la iluminar,
Seus olhos de alegria.

Morro a cada quadro, por tentar reproduzir sua beleza.

Qual verdadeiro artista não sofreu?
Viveu e em sonhos morreu,
por uma Julieta, talvez
Cada artista morre por algo,
recolhe seus pedaços para morrer outra vez.