Surreal - Art and Insanity

Capítulo 58 - Tudo que há a dizer II


_Pode dizer._ Falei calmamente como se não ligasse para o que ela diria... Mais uma mentira para a lista.

_É uma história muito longa, eu não conseguiria contar aqui._ Ela explicou olhando para os lados.

Eu estava indo em direção da satisfação por estar em vias de consegui o que queria, mas não deixaria de querer desvendar o que se passava pela cabeça da Anne.

_Porque decidiu contar-me?

Eu precisava de um motivo, nunca quis apenas ouvi-la por ela ter desistido ou por querer acabar com tudo isso, precisava saber se tudo isso era por causa da trégua, ou por qualquer outro motivo... Não aceitaria receber tudo que quis sem uma justificativa convincente.

Anne olhou-me com demasiada atenção, decidindo o que iria responder.

_Se alguém tem que ouvir o que tenho a dizer, esse alguém é você. E acho que só conseguiria te contar._ Ela respondeu rapidamente, como se soubesse que se esperasse muito poderia mudar de ideia.

Eu estava surpreso com as palavras que ela disse, não tinha como duvidar da veracidade de suas palavras. Mas minha cabeça só se enchia de mais e mais perguntas.

_Por que acha que só conseguiria me contar? Sabemos não sou a pessoa mais compreensiva...

Anne deu um sorriso triste e um longo suspiro; uma preparação para responder-me... Para ela aquilo parecia muito difícil, e realmente devia ser.

Para alguém acostumado a silêncio sepulcral, qualquer som o mais baixo que seja será um som ensurdecedor... Ela não estava acostumada a dizer o que sentia, o que pensava; isso nunca deve ter sido necessário. Entretanto, agora ela precisa dizer, quer dizer e não sabe como fazer isso, o que deve ser algo desesperador.

_Quando conhecemos alguém por seus defeitos, por seu pior lado como te conheço... Sabemos com quem estamos lidando, sabemos até onde essa pessoa iria por seus objetivos, e isso torna tudo mais claro._ Ela falou fitando meus olhos_ Além disso, você parece ser a única pessoa querendo ouvir o que tenho a dizer._ Falou por fim, dando de ombros.

_São bons motivos._ Comentei sem conter o sorriso que se formou em meu rosto.

Ficamos em silêncio por algum tempo, talvez estivéssemos ensaiando os próximos passos.

_Então... Quer ir à minha casa, para eu poder falar com você?_ Ela perguntou cautelosamente.

_É a primeira vez que você me convida... Sinto-me como uma garota que foi convidada para o baile pelo garoto mais bonito da escola..._ Falei usando todo o sarcasmo que era possível.

_É bom que se sinta lisonjeado, não sou de convidar pessoas._ Anne comentou erguendo uma sobrancelha.

Estávamos tentando tornar as coisas mais leves, o que era uma coisa incomum. Nós nunca tentamos tornar nada leve, tudo sempre foi carregado de tensão, de raiva e mentiras; mesmo quando as coisas estavam mais calmas, ainda havia a tensão, Anne tentava ficar preparada para qualquer interferência minha.

Pensando na situação em que nos encontrávamos, tive uma ideia. Não adiantaria manter as coisas mais calmas, nunca foi assim, manter as pessoas confortáveis não é a melhor forma de conseguir mudanças; como a situação em que estávamos era propicia a mudanças resolvi tornar as coisas mais pesadas, mais exigentes.

_Vamos fazer algo diferente... Você vai á minha casa _Vi a expressão da Anne mudar então continuei_ Talvez não se sinta tão à vontade num ambiente diferente, mas acho que essa é a minha função: Fazer você se sentir desconfortável e superar o que te mantem assim.

Anne continuou olhando-me, observou atentamente meu rosto, ela devia estar pensando em todas as possibilidades, devia estar pensando em tudo que poderia dar errado; até que desviou o olhar e disse:

_Acho que seria justo, você já visitou minha casa e eu sequer sei aonde é sua casa.

Havia curiosidade no olhar que ela direcionou a mim, nunca imaginei vê-la interessada a ponte de ficar curiosa, ver seus olhos sem a indiferença que eram como uma película que impedia que vissem o que havia por trás.

Ser um alvo ou motivo de curiosidade não me incomoda, não sei se pelo fato do meu ego ser maior do que minha paranóia ou pelo simples fato de haver em mim uma certa satisfação ao ser notado.

_Certo, te espero no final da aula. _Disse levantando-me e acompanhando a multidão que caminhava até o corredor.