Surreal - Art and Insanity

Capítulo 46 - Explicações


Ouvi o som da maçaneta, mas sequer me movi, permaneci de frente para uma tela em branco que estava esperando num canto a algum tempo.

Eu não tinha vontade de criar, não tinha vontade de fazer nada; as vezes vislumbrava alguma imagem, mas não tinha vontade de esticar meu braço, escolher uma cor e transformar aquele nada em cores vibrantes ou não, com formas sinuosas ou não...

Doutora Fisher sentou-se de frente para a parte traseira de minha tela em branco, o enfermeiro encostou a porta e como sempre fazia, foi andar pelo corredor.

_O que está havendo?_ Perguntei antes de qualquer cumprimento. Não precisei explicar o porquê da pergunta, ela sabia do que eu estava falando.

_Aquele procedimento, os remédios que aplicaram... Eles eram estimulantes de funções cerebrais, aquela máquina captava cada resposta de cada área. _ A doutora explicou olhando para os lados, querendo ter certeza de que estávamos a sós.

_Por que fizeram isso?_ Perguntei sem nenhuma emoção.

_Foi um teste, eles queriam saber quais são as regiões mais afetadas do seu cérebro, e como elas respondem aos estímulos, para talvez, futuramente recorrerem a algo mais nociva..._ Ela disse escolhendo as palavras certas, que não causassem tanto impacto, mas eu entendia o que ela queria dizer de verdade.

_Mais nocivo? Mais do que injetarem um monte de coisas em alguém e observar como seu cérebro reage? Mais do que te usarem como cobaia? O que é mais nocivo?_ Indaguei fora do controle, fora de meu personagem e acabei assustando um pouco a doutora.

_Eu... Eu também acho que o que fizeram com você foi horrível. Eles estão passando por cima da ética, mas não posso fazer nada para impedi-los, já que seus responsáveis legais permitiram o procedimento. _ Respondeu-me, como se lamentasse.

De repente tive uma ótima ideia, um complemento para os planos que já tinha...

_Pode sim, lembra-se de nosso acordo?

_Sim, mas minha carreira não...

_Não se preocupe, não acabará com sua carreira brilhante.

Ela pareceu mais tranquila e disse:

_Não me falou o que teria que fazer.

_E não direi até o momento certo, você terá que confiar em mim, sei o quanto deve estar insegura por ter que confiar em alguém como eu, mas posso lhe garantir que não se arrependerá._ Falei tentando passar um pouco de tristeza, como se estivesse sentindo-me mal por estar fazendo-a se sacrificar.

_Tudo bem Sebastian._ Doutora Fisher disse depois de um longo suspiro.

Longos segundos de silencio se seguiram, ela olhava-me como se procurasse algo muito importante.

_Sebastian... O que houve naquele dia?_ Perguntou por fim, era a pergunta que o psiquiatra antes dela fez e ficou sem resposta.

_Não lembro._ Respondi, e estava falando a verdade.

Ela fitou-me atentamente procurando algo em meu rosto que provasse que o que eu dizia era verdade. Depois de mais alguns segundos, deu um longo suspiro e pareceu mais convencida de que eu estava sendo sincero, mas isso não a faria parar de fazer perguntas.

_Por que nunca disse isso a alguém?

Eu poderia respondê-la de muitas formas; poderia adotar uma atitude mais hostil dizendo que não quis dizer nada a ninguém porque não precisava explicar nada. Ou poderia ter uma postura mais vitimada dizendo que não estava preparado e tudo aconteceu muito rápido, deixando-me desestabilizado.

Decidi escolher uma atitude que acompanhasse essa nova fase de tocar corações de psiquiatras solitárias e influenciáveis.

_Não me senti confortável para falar que simplesmente não lembro... E todos só queriam algo para provar que sou culpado, ninguém queria saber o que houve apenas por querer saber ou por se preocupar comigo. Mas você... Você não me vê como os outros vêm, por isso, confio em você doutora Fisher._ Falei com a voz baixa, tentando controlar o nível de minha dramatização, se ela percebesse um exagero não ficaria convencida de que sou sincero de verdade.

A expressão da doutora era a de alguém que está tocada, que ficou sensibilizada... Ela gosta de pensar que o que digo é verdade, que realmente deposito muita confiança nela.

_Estou feliz por confiar em mim..._Disse ela, um pouco hesitante, e por fim concluiu._ Mas isso muda muita coisa Sebastian; se você não se lembra de nada do que houve naquele dia... Pode ser que você não seja o verdadeiro culpado, e, eu não sei muito sobre direito, mas acho que seu advogado pode até entrar com um pedido de liberdade provisória... E se eu disser que você teve um surto psicótico naquele dia e que seus remédios não eram os mais indicados para seu caso, talvez as coisas mudassem e...

A doutora falava animadamente, mas não lhe dei atenção, voltei a fitar a tela a minha frente procurando algum ponto para começar a pintura. Mesmo concentrado ainda podia ouvir a voz da mulher que não parava de falar nem por um só segundo de como eu poderia sair daquele lugar ou diminuir meu tempo de reclusão.