Surreal - Art and Insanity

Capítulo 33 - Mudanças II


Andei mais rápido quando a vi descer a escada para chegar a área onde todos descansavam antes de voltar para as suas respectivas salas, mas acabai esbarrando em alguém e parei para desculpar-me e apoiar a pequena pessoa que não olhava para frente. Para meu azar era Alice, com aquele sorriso animado e assustador.

_Sebi, desculpa eu não queria..._ Ela dizia fingindo estar encabulada.

_Tudo bem, tenho que ir_ Falei interrompendo-a e voltando a andar rapidamente.

Quando encontrei Anne, ela estava sentada comendo distraidamente um bolinho, devia ser o preferido dela, ou era apenas uma rotina que seguia: comer um bolinho de chocolate, tomar um suco do qual ela visivelmente não gostava e voltar para a sala.

_Está cada vez mais difícil te encontrar._ Comentei sentando-se ao lado dela.

_Isso é musica para meus ouvidos._ Ela rebateu sem olhar-me.

Observei-a comer aquele bolinho concentrada em qualquer coisa a sua volta exceto eu, então resolvi captar sua atenção com qualquer coisa.

_Sua casa é bem diferente do que imaginei._ Falei, e era verdade, pois eu sequer tinha imaginado como seria a casa de alguém como Anne.

_E o que você imaginou? Uma caverna no meio da floresta?_ Perguntou sem muito sarcasmo.

_Não imaginei nada, você não permite que façam deduções a seu respeito._ Respondi ignorando seu sarcasmo.

Anne olhou-me, na verdade ela me encarou, como a muito tempo não fazia; havia um pouco de dúvida naquele olhar. Era bom ter sua atenção, mesmo que por pouco tempo.

_Eu não permito muita coisa e isso não te impede de fazer._ Ela disse amassando a embalagem do bolinho como fez na primeira vez.

_Eu quis dizer que você não dá deixas, não deixa que saibam coisas sobre sua verdadeira personalidade, sobre o que você é._ Expliquei.

_Somos um eco do que imaginamos ser, Sebastian. _ Ela rebateu olhando-me com um sorriso triste.

Fiquei em silencio analisando cada movimento dela e tentando descobrir mais do que podia ver, mais do que sua resposta sem sentido queria dizer, mais do que ela estava dizendo.

_Sabe, por sua culpa recebi um sermão de duas horas..._ Anne disse mudando de assunto.

_Por que?_ Perguntei acompanhando-a.

_Minha mãe resolveu perguntar tudo sobre você, e reclamar por eu não ter dito que receberia alguém. E ainda teve a pior parte que foi a suspeita dela de que estaríamos juntos._ Anne falou balançando a cabeça, como se aquilo fosse impossível.

Talvez fosse impossível, meu interesse era em seus pensamentos, em sua personalidade. É preciso mais do que um interesse nos pensamentos de outra pessoa para iniciar um relacionamento amoroso, a não ser que fosse algo totalmente carnal, o que não era muito comum em meu caso; é claro que aprecio a beleza física, assim como qualquer um que trabalhe com a imagem, com cores e formas e consequentemente com a beleza, mas eu não tenho isso como algo de extrema importância, acho mais interessante encontrar a essência de tudo, o significado das formas, das cores, de cada detalhe.

A fisionomia de Anne não chamava a atenção das pessoas, ela gostava disso, mas tirando aquelas manias ela era até bonita, de um jeito incomum... Ela tentava parecer comum e não chamar atenção, mas foi isso que me fez olha-la.

_E o que você disse a ela?_ Perguntei saindo de meus pensamentos.

_A verdade._ Anne respondeu olhando-me com a expressão seria, e até um pouco pensativa.

_E o que seria a verdade sobre mim?_ Indaguei franzindo o cenho._ Que eu tento aproximar-me de você, mas não sou seu amigo e que só quero saber sobre você, mas você não quer isso?_ Completei.

_Disse que éramos da mesma sala e que você havia ido entregar algumas anotações sobre o projeto. _ Ela falou parecendo irritada._ Não seria fácil explicar tudo a ela._ Terminou como se justificasse sua pequena mentira.

Ela queria poupar a mãe de preocupações sobre sua indocilidade, aquilo era... Tocante. Era como um pouco de amor por trás daquela expressão de indiferença.

Eu não poupava ninguém, não me preocupava com nada que não fosse me afetar.

Encontrei algumas diferenças entre nós e minha vontade de saber mais ainda estava ali.

Ficamos em silencio até que ela disse:

_Achei que você despejaria milhares de perguntas na minha cabeça quando me encontrasse.

_Você as responderia?_ Perguntei com um pequeno sorriso por saber a resposta.

_Não._ Ela disse e sorriu, aquele foi o sorriso mais genuíno que vi em muitos anos.

_Às vezes parece que você gosta disso, de me deixar curioso e te perseguindo. Seria mais fácil se você me deixasse te entender, depois disso eu de deixaria em paz. _ Falei quando consegui desviar meu olhar de seu rosto.

_Isso parece meio doentio..._ Comentou parando de sorrir aos poucos._ E me sentiria um pouco usada depois de tudo, mas não gosto de ter alguém analisando meus passos... É um constante dilema_ Ela disse fingindo estar confusa, o humor em sua voz era algo inédito para mim.

As coisas estavam mudando, e eu sabia que era uma mudança que se devia a minha insistência, essa era a melhor parte. Mas sei que nem toda mudança é crescimento, assim como nem todo movimento é para frente; então direi que aquela mudança era um avanço, uma evolução entre nós, na qual não tinha ideia no que acarretaria.