Davi estava sentado em um dos bancos do trailer do caolho. Apenas sentia o vento de fim de manhã bagunçar seus cabelos enquanto observava tranquilo as crianças brincando ali perto. Era hora de almoço, ele havia acabado de encerrar sua aula. Estava sentindo-se maravilhosamente bem. Fazia tanto tempo que não dava aulas ali, às vezes sentia falta da simplicidade de seu antigo trabalho, dos olhinhos brilhando de empolgação, dos sorrisos inocentes.. Mas ele tinha feito escolhas, e todas elas direta ou indiretamente levaram-lhe até Megan e ele não mudaria nem uma vírgula sequer na trajetória deles dois.

Levantou-se então, indo procurar sua tia, para que almoçassem juntos. Andou alguns metros até o prédio, entrando no mesmo sem pressa.

— Tia? - ele chamou na porta de sua sala - — Estou aqui Davi! - ela indicou, levantando as mãos mostrando que se encontrava no fim da sala - Que foi meu filho?
— Vamos almoçar? - ele convidou - Estou com saudades da sua comida!
— Ah, querido, hoje o Matias que vai ter de cozinhar.. Até trouxe meu almoço pra cá - ela apontou para uma vasilha que se encontrava em cima da mesa - Desculpe. - deu de ombros -
— Muito trabalho né tia? - ele perguntou sentando-se em uma das cadeiras -
— Nem me fala.. - ela disse suspirando - Herval tá pensando em expandir a ONG. Ou seja, muitos projetos serão acrescentados..
— Eu fico tão feliz vendo que aquela simples iniciativa cresceu tanto, que está ajudando tanta gente. - os olhos dele brilhavam - É disso que esse país precisa! - ele afirmou com um semblante sério -
— Eu também, meu filho. Se não fosse a Plugar, acho que você estava fechado no seu mundo até hoje.. - Rita disse se referindo ao passado do sobrinho -
— Mas que bom que existe né? - ele disse feliz, ela assentiu - Bom, então acho que vou pra casa, encarar a comida do Matias..
— Boa sorte! - a mulher desejou divertida -

Davi saiu da sala da tia e seguiu para sua casa que ficava algumas quadras dali. Fazia tempo que não almoçava em casa, e mais ainda que não conversava com o irmão. Era bom ter esse tempo com a família e com as coisas que ele gostava de fazer.
Adentrou a casa e se deparou com Matias jogado no sofá, comendo macarrão com carne moída.

— Vim encarar sua comida! - Davi informou - Espero que tenha deixado um pouco para mim..
— Que milagre tu tá em casa uma hora dessas.. - Matias disse olhando para Davi -
— Jonas me deu folga hoje.. - Davi contou -
— E tu não quis ficar com a Megan? - ele zombou - Não me diz que estão brigados..

Davi remoeu tudo o que aconteceu desde que a namorada chegara de viagem, bem, contando tudo, eles haviam se acertado. Então, estavam bem..

— Estamos bem! - ele afirmou indo até a cozinha e se servindo, voltando em seguida para continuar a conversa com o irmão - Ela só queria descansar um pouco..
— Claro, porque com você lá, não ia ter descanso né? - insinuou o moreno com um sorriso malicioso -
— Deixa de ser cuzão! - Davi disse sorrindo - E tu, como está?
— Em que sentido? - Matias quis saber -
— Mulheres! - o nerd disse e deu de ombros -
— Conheci uma garota! - ele disse sorrindo largamente - Acho que ela gosta de mim..
— E você? - perguntou Davi levando comida a boca e fazendo uma careta -
— Eu o que? - Matias perguntou confuso -
— Você gosta dela? - incentivou Davi erguendo as sobrancelhas -
— Mas é claro. Ela é linda, inteligente, doce.. - ele começou a listar as qualidades da tal garota -
— Aha! Está apaixonado! - Davi disse fazendo uma certa algazarra -
— É, acho que estou! - Matias confirmou dando de ombros -
— O quê? Sem negação? - zombou Davi -
— Não sou como você que tenta negar o que sente.. - o outro disse desafiador -
— Nossa, essa doeu! - o nerd fez drama -
— Ah, vai se ferrar Davi! - disse Matias lhe jogando uma almofada -
— Aliás, essa comida tá ruim! - continuou Davi -
— Foda-se! - concluiu Matias e os dois riram -

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Era quase noite e Megan estava deitada no sofá da sala de estar. Ela estava distraída ouvindo música nos fones de ouvido.
O dia da loirinha foi bem monótono diga-se de passagem. Exceto é claro pela parte da manhã em que ela teve que resolver seu problemas com aquela criatura maléfica dos infernos, a Manuela.

Megan não gostou de Manuela desde a primeira vez que a viu. Percebeu que ela não era nada do que dizia ser, e a odiou quando entendeu que ela só queria se aproveitar de Davi.
Mas alguém lá lhe escutou? Claro que não! Ninguém levava a sério o que ela dizia, o que muito infelizmente era mérito próprio, por causa das tantas encrencas e confusões em que se via envolvida.
Agora ela teve que mostrar para a bitch quem é que manda, e que ela não e fácil na queda.

Sorte sua (da nerdestina) não ficaram hematomas em seu corpo, apenas as unhas foram prejudicadas. Depois da briga, ela levou sermão de Tuca e é claro que de seu pai também, que lhe chamou de irresponsável e mimada. Mas ela ficou sabendo que ele chamou a atenção da nerdestina também por isso não ficou com raiva dele, seu herói! Sorriu com esse pensamento.

Cansada do tédio a californiana marchou até seu quarto e decidiu que iria fazer uma surpresa para seu silly boy. Se arrumou e quando estava descendo as escadas para ir à procura de seu amor, ouviu uma conversa de seus pais..

— Temos que contar para Megan, Jonas! - Pâmela dizia baixinho -
— Pâm, não quero preocupá-la. Ela ainda está muito abalada com a morte de Jack! - Jonas respondeu -
— But, remember que ela ficou com raiva porque não contamos que Dad estava doente? - falou Pâm - Se não contarmos e você piorar.. Ela vai descobrir do pior jeito.. E vai se sentir excluída.. - A loira mais velha tentava persuadir o marido -
— Pâmela, eu não quero que ela pense que estou deixando-a. Ela está tão bem agora.. Tenho medo que ela volte a beber e se descontrole se souber que eu estou morrendo..

Megan estava estática na escada, ouvindo cada palavra que foi pronunciada. Aquela notícia a pegou de surpresa e como Jonas previu, não fez um efeito muito bom. Foi como uma contagem regressiva para uma.catástrofe. Um, ela sentia raiva porque eles não queriam abrir o jogo com ela. Dois, sentia a cabeça girar dando a impressão que iria desmaiar a qualquer momento. Três, não ia aguentar perder o pai, ainda não superou a morte do avô. Quatro, desceu as escadas furiosa. Cinco, já estava chorando. Seis, explodiu com eles.

— You está morrendo? - lágrimas grossas escorrendo pelos olhos - E não quer me contar? Será que algum dia vocês vai me levar à sério? - questionou furiosa -
— Megan, filha, keep calm! - sua mãe pedia - Calma querida..
— Não me peça calma, mom! - ela gritou - Porque será que vocês não conseguem enxergar que eu cresci, que mereço um voto confiança..
— Faça-me o favor Megan! - Jonas berrou - Como você pode nos pedir isso se a sua vida inteira desperdiçou todos os votos que te demos..
— ISSO NÃO É VERDADE! - ela gritou se sentindo muito magoada -
— Claro que é! Então não venha agora querer exigir uma coisa que você nunca fez questão de conseguir, ou melhor valorizar! - ele rosnou -
— Jonas! - Pamela chamou não querendo que aquela briga se estendesse -
— Não Pâmela, ela sempre teve tudo, nunca deixamos lhe faltar nada.. E como ela agradeceu? - perguntou o homem retoricamente - Se tornando uma adolescente rebelde e uma jovem problemática! - concluiu com o rosto vermelho de ira -

Megan sentiu as palavras do pai como uma bofetada. Eles nunca entenderam o porquê dela ter se tornado daquela forma. Pensavam que só por dar um cartão de crédito sem limites, deixar que ela fizesse o que quisesse em casa, era dar tudo o que ela precisava.. Não, não era.
E quando ela queria contar como foi seu dia, ou falar das garotas que a importunavam na escola por ela ser filha de Jonas Marra? As noites que tinha pesadelos, ou quando tinha medo dos trovões. Onde eles estavam? Nunca estavam com ela. Eram os empregados que escutavam sobre seu dia, era seu avô que lhe acalmava e que lhe fazia companhia para afastar o medo..
Mas seus pais, eles estavam trabalhando. Sempre cuidando da vida de outras pessoas enquanto em casa, sua filha clamava por atenção.

— I hate you! - ela disse olhando bem no fundo dos olhos castanhos dele e saiu porta afora -

Entrou na garagem pegando seu carro. Saiu cantando pneus, sentindo a cabeça pesada. Toda a mágoa que tinha deles voltando. As imagens de todas as vezes que chorou por falta deles sendo projetadas diante de seus olhos. Chorou de novo, estava atordoada, sua visão falhando. O carro em alta velocidade, costurando pela rua, enquanto o medo lhe encurralava. Por mais que tivesse acabado de dizer que o odiava sabia que isso não era verdade, não suportaria vê-lo partir.. Não assim.. Não agora.

“BUM” uma batida forte impulsionou o carro para frente fazendo-a bater a cabeça com violência no volante. O carro capotando. Uma. Duas. Três vezes. Parou, vidros quebrados, sua cabeça doía, levou as mãos a testa tentando ver se havia se machucado.. Sangue. Dor forte.. Sua visão turva.

— Sorry Dad! - ela sussurrou-

Tudo ficou escuro.

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O coração de Davi parece que tinha aumentado de tamanho, pois o espaço que o abrigava havia se tornado apertado demais, as batidas eram demasiadamente aceleradas e ele sentia que seu sangue havia escoado. As pernas perderam as forças. Aquela notícia foi uma das piores que ele já recebeu na vida desde a morte de seus pais quando tinha apenas oito anos de idade.

Ele estava na sala da sua casa tendo uma tarde maravilhosa com Davi, um dia aparentemente descontraído quando Murphy ligou para informar que Megan estava no hospital depois de sofrer um acidente de carro.

Parece que o mundo parou de girar, o ar faltou e o estômago começou a revirar.
Davi saiu de casa atordoado, sentindo que se fosse o mais rápido possível salvaria a vida dela. Como que isso pode acontecer?
Ela estava bem, tinham se acertado. Iam se ver em poucas horas. Porque as coisas acontecem assim, do nada?

Torcia muito para que nada de muito ruim tivesse acontecido à ela. Não aguentaria perder de novo um das pessoas que mais amava na vida. Não conseguia imaginar sua vida sem aquele ser eufórico que era Megan. Sem o sorriso travesso dela ou sem aquele gênio forte e aquela personalidade difícil. Sua caixinha de surpresas.

Chegou ao hospital em tempo recorde, sentido que as batidas do coração estavam sincronizadas com os passos largos e apressados que ele dava.
Andou até a recepção, quase cuspindo as palavras na recepcionista. Apressado querendo saber onde sua Bad girl estava.

— Davi! - ele virou-se buscando a voz que lhe chamava.. Os olhos estavam saltados, e ele tinha uma expressão de assustado.
— Brian.. - ele disse - Você, você sabe onde ela está? - Davi perguntou rapidamente -
— Sei.. Venha comigo! - o guru indicou -

Ele andaram em silêncio. Davi com medo. Queria saber como estava sua loirinha. Queria entender como tudo aconteceu.. Parecia um pesadelo. “Que tudo esteja bem” ele pedia internamente.
Alguns corredores. Andares.. Cada passo era torturante. Davi encontrou uma sala de espera, onde se encontravam Pâmela, Jonas, Dorothy e até mesmo Tuca.

— C-como ela está? - ele perguntou baixinho temendo a resposta -
— Ainda não sabemos. - Disse Jonas - Estamos esperando o médico nos dizer..
— Ela não se machucou muito, não é? - Davi disse, os olhos procurando um amparo -
— O carro capotou três vezes.. - falou Dorothy tristemente -

Ele olhou Pâmela, ela era a que mais se parecia com o estado dele. Os olhos estavam vazios, pareciam ter perdido o brilho que sempre tinham, ele se perguntava se os seus estavam da mesma forma. Suspirou, sentando-se na cadeira mais próxima que encontrou.

O tempo foi passando, e Davi ficava cada vez mais aflito. “Porque tanta demora.” questionava. Talvez fosse apenas a ansiedade e o nervosismo que o faziam pensar que já havia se passado tanto, pois sequer fazia hora que ele estava ali.

Um homem de meia idade e cabelos grisalhos, trajando jaleco e com uma prancheta surgiu.

— Familiares de Megan Lily? - ele perguntou olhando para as pessoas que se encontravam naquela sala -
— Here! - Pâmela pulou na frente de todos - Como ela está doctor? - Ela perguntou rapidamente -
— Estamos fazendo alguns exames, ela teve alguns ferimentos profundos, mas nada grave.. - informou o médico -
— Então ela vai ficar bem?! - disse Davi ansioso se deixando sorrir levemente -

Davi sentiu o coração bater mais lento agora, como se tudo estivesse sido normalizado, agradecendo por ela estar bem, por não ter tido nada aparentemente grave. Esperava a resposta do médico.

— Sim.. - ele falou e voltou a olhar a prancheta - Mas sinto informar que ela perdeu o bebê! - contou tristemente - Tentamos fazer o possível mas ela havia perdido muito sangue..
— Bebê? - Davi deixou escapar, como um suspiro estrangulado - E-ela estava g-grávida? - a voz saiu embargada, e ele sentiu o peito apertado novamente -
— Sim. Sete semanas. Eu sinto muito. - ele tocou o ombro do nerd - Daqui a pouco vão poder ir vê-la. - dizendo isso ele voltou por onde veio -

Grávida. A palavra em si trazia mil e uma interpretações e sentimentos, que ele jamais pensou que pudesse ter e sentir. Ela estivera grávida’. Estava esperando um filho seu. E perdeu. Acabou.

Sentiu vontade de chorar e foi o que fez. Deixou que as lágrimas rolassem, que sua dor saíssem. A mulher que amava, tinha dentro dela um fruto do amor deles, e esse fruto foi impedido de vir a vida por culpa de um maldito acidente.
Era inevitável não imaginar como sua vida estaria se este dia não tivesse acontecido.. Em como estaria feliz com a mulher e o filho. Deu um murro na parede.

— Acalme-se Davi! - pediu Brian ao vê-lo irromper em lágrimas -
— Como pode me pedir isso? - ele questionou - Acabo de saber que minha namorada estava grávida.. Nós íamos ter um filho.. Formar uma família. - ele rosnou - Eu não posso me acalmar..
— Vocês são jovens Davi, podem ter muitos filhos ainda.. - Arthur disse - Você precisa ser forte.

Ele sabia que eram jovens, e que talvez essa gravidez viesse a ser uma surpresa para todos, como de fato foi. Mas mesmo assim.. Ele ficaria com a garota, com o filho. Não por obrigação, mas por amor, porque esse plano de construir uma família só havia sido antecipado..

Era sempre assim em sua vida. Não poderia ter tudo “fácil”. Sempre tinha que ser de forma difícil, passando por todos os obstáculos possíveis, como se ele precisasse provar que merecia ter o que tinha. Estava simplesmente cansado de tudo, das rasteiras. Queria ele uma vez na vida, ser feliz sem ter que passar por coisas ruins.

— Eu tô tentando! Desde que me entendo por gente. Ser forte. Aguentar as rasteiras da vida. - ele berrou - Estou cansado! - ele disse escondendo o rosto nas mãos - Cansado! - disse deixando o corpo cair sobre uma cadeira qualquer -

Pâmela se aproximou e abraçou Davi apertado. Era disso que ele precisava. Colo de mãe, um aconchego de uma pessoa que o entendesse. Ela chorou com ele e lhe afagou os cabelos bagunçados, que Megan tanto gostava.. ficaram assim por algum tempo.

— Davi, sei o quanto está sendo difícil este dia para você, my dear.. - ela disse buscando os olhos dele - But, tenho certeza que Megan não sabia da gravidez. A morte de Dad só fez com que ela não percebesse o próprio corpo..
— Pâmela eu.. - ele disse mas foi interrompido -
— I know como está se sentindo Davi. Know como é essa dor. Eu já passei por isso.. - ela contou-lhe e ele ficou surpreso -
— Sinto muito. - ele disse cabisbaixo -
— Megan vai precisar da sua força, Davi.. Ela vai precisar muito mais de você quando souber que perdeu o baby. - ela falou - Por isso you precisa se acalmar..

E naquele momento ele teve certeza que a pior parte de todo aquele dia ruim, seria contar à Megan sobre a gravidez interrompida.