Superando Você

Capitulo 7 - Despedida


No fim do dia, House se encontrava jogando sua bola colorida, de maneira que ela batia na parede, quicava no chão e voltava para sua mão. Porém sua mente não estava ali. Por incrível que pareça sua cabeça foi parar em uma jovem e bela médica daquele hospital. Ele estava em conflito interno, poderia - se dizer, ele nunca havia se sentido assim antes, ele nunca havia tido remorso ou arrependimentos, muito menos culpa ou ter se importado com alguém. Houve sim um tempo em que ele era diferente, que ele era 'suportável' socialmente. Tudo bem que ele não era um dos mais gentis ou dos mais educados, mas ele não implicava tanto com todo mundo ou causava tantos problemas para o hospital como agora. Ele fazia sim suas brincadeiras, mas elas eram divertidas e animavam as pessoas. Tudo só mudou por causa da sua perna. Aquele episódio em sua vida o tornou amargurado, rude, insuportável, chato, mal-humorado e essas tantas outras coisas que todos falavam em suas costas. Diziam que ele era louco, que ele era um viciado, mas a verdade era que ninguém o entendia de verdade, ninguém sabia como ele se sentiu naquele dia, todos ficaram do lado de Stacy, dizendo que ela salvou a vida dele, ninguém nunca entendeu a sua preferência em morrer do que ficar sem a perna.E claro que ele não se importava com o que os outros pensavam dele. Pelo contrário,ele gostava de ser visto assim. Pelo menos assim ele conseguia manter as pessoas longe dele, para que ele não pudesse ver a pena que cada um deles carregava em seus olhos quando olhavam em sua direção.

Afastar. Essa pequena palavra, com tantos significados. E que ironia não? Justa aquela que ele não queria afastar, era a que ele sem querer estava, praticamente, chutando para fora. E isso era o que ele mais temia: Que ela se afastasse e nunca mais se aproximasse dele novamente. A verdade era que ele se importava com ela. Mas o que deu nele para fazer isso com ela? Onde ele estava com a cabeça? E será que tudo isso valeu a pena? Ele conseguiu finalmente atingir seu objetivo? Aliás... Qual era, realmente, o objetivo disso tudo? Ele não saberia dizer.

House é tirado de seus pensamentos ao pegar um movimento pelo canto do olho, alguém abrindo a porta e caminhando até parar em frente a sua mesa. Ele ainda não se vira totalmente, mas é capaz de identificar o quê causou o movimento agora: curvas graciosas, cabelos castanhos escuros, pele clara, jaleco branco cobrindo uma blusa rosa com leve decote e uma saia preta, saltos não muito altos os tornando confortáveis e elegantes, aptos para o trabalho intenso. House sempre disse a Wilson que a escolha dela em relação aos sapatos, foi uma das primeiras coisas que ele observou nela antes de contratá-la, na verdade. Ele então se vira, ficando de frente para sua visita. Olhos profundamente azuis se encontram com verdes claros suaves. A culpa bate mais forte agora de frente pra ela e vendo a decepção se escondendo no fundo de seus olhos.

Do ponto de vista dela, ele parecia acabado. Como se tivesse esquecido de que precisava dormir, ou comer, ou sair um pouco à luz do sol. Ela viu como este estava deprimido e não pôde deixar de se sentir um pouco culpada, bem pouco, mas ainda sim sentia isso. Ela conseguiu ver o arrependimento nos olhos dele, e esperou pra ver se ele iria dizer alguma coisa. Ao ver que não, ela puxou a conversa desconfortável com a situação.

"O Wilson me explicou tudo, depois que eu sai."

"Cameron, eu realmente não podia fazer nada, quanto à criança." - Ele não queria ter aquela conversa agora, então foi direto ao ponto, sem mais rodeios.

"Eu sei." - Ela disse naturalmente. House olha para ela curioso.

"Você sabe?"

"É eu sei. Eu sou uma médica House. A doença havia atingido o coração, não havia mais jeito, ela não aguentaria um transplante." – Um leve tom de ironia foi percebido em sua voz.

"Ela era uma boa menina." - House afirmou, entrando em seus pensamentos de novo e dando um pequeno sorriso que saiu sem sua permissão.

"Eu sei." - Disse Cameron fazendo o mesmo que House.

"É. Parece que você sabe de tudo, não é mesmo Doutora?"

Cameron deu uma pequena risada, mas sua expressão caiu para um sorriso triste, quando voltou a falar.

"Quase tudo. Eu ainda não sei o que eu fiz pra você. Apesar de eu saber que você não teve culpa sobre a morte de Lucy, ainda tento entender o porquê que você escondeu o diagnóstico."

House sentiu um alívio em seu peito, ao perceber que as palavras de Cameron saíram sem nenhum rancor ou mágoa. Saiu normal. Mas ele também se sentiu culpado por estar aliviado. Ele não tinha o porquê de estar, da mesma forma que não sabia a resposta para a pergunta da mulher. Então ficou com um simples encolher de ombros e um ‘Eu não sei’ tão baixo que Cameron quase não ouviu. Quase. Cameron aprofundou-se em seus próprios pensamentos, durante o silêncio que se estabeleceu ali. Depois do que pareceram horas, a voz de House é ouvida.

“Cameron. Eu... Eu sin... Eu quero dizer que.. Você me conhece a muito tempo. Sabe como eu sou e como eu ago como um idiota às vezes e-"

“Sempre” – Cameron interrompeu. Ela sabia que era difícil pra ele se abrir, ela sabia que House estava tentando se desculpar. Ela pegou o olhar confuso que House mandou a ela. – “Você sempre. Age como um idiota.” – Ela sorriu e ele riu com a sua brincadeira.

Cameron nunca tinha visto House rir de alguma coisa, não de verdade. Mas agora ele parecia realmente achar graça de alguma coisa, e mais estranho ainda, uma coisa que ELA falou, e ainda mais estranho que isso, ele riu de uma brincadeira sobre si próprio. Cameron estava abismada. Ela gostara da risada dele, gostou de ver ele feliz pelo menos por alguns meros segundos, e poderia arriscar que ela mesma sentira um pouco de alegria por ver ele assim. Razão bateu em sua mente e Cameron sorriu, mais amplamente, ao perceber que fora ELA que o fez rir. Sua consciência a pegou desprevenida e a lembrou que não deveria estar feliz, não por ele, não depois do que ele fez, a alertou para não se encantar por ele de novo, para não se deixar levar por um simples ato dele para com ela. Mas seu coração também a lembrou que estava lá no seu corpo, e que passou vários anos batendo por um motivo: House. Sim seu coração batia e clamava por ele, toda vez que ele a olhava, toda vez que falava com ela. Se lembrou dos olhares trocados, da tensão sexual crescente entre eles quando se encontravam sozinhos no laboratório ou no escritório. Será que ainda era assim? Ela não sabia, mas seu coração continuou mandando imagens para seu cérebro até que parou em uma memória. As palavras de House ecoando em sua cabeça: ‘Cameron... Eu te Amo’ mesmo sendo apenas para o teste de HIV, ela não pôde deixar de ficar mexida com o que ele disse. Mesmo não querendo, mesmo sabendo que não era real, ela se entregou ao sentimento e a ingenuidade, não se importando se iria se machucar mais tarde, porque ela sabia que iria. Ela sabia de tudo relacionado a House. Mas ainda que preparada, o momento veio como um choque, um baque em seu coração. Ela não imaginou que ele a atingiria nesse ponto, um ponto em que ela era frágil: seu lado Maternal. Ela não poderia culpá-lo, ele não sabia o que tinha acontecido com ela. Nem ela sabia até 3 meses depois da morte do seu marido. Mas então sua consciência ataca seu coração de novo e desta vez ela ganha. Ela não deve se sentir assim só por causa de uma risada. Aliás, por quê mesmo ela está se importando tanto com isso? Como ele consegue fazer com que um simples gesto dele, a faça fazer uma reflexão sobre sua relação com ele, sobre toda a sua vida? Isso está errado, ela não iria mais pensar dessa forma. Ele não merece com que eu fique feliz por ele, ele a magoou o suficiente, para isso.

Sua atenção se volta novamente para House, quando sua pequena risada cessa e ele volta a falar. O sorriso de Cameron? Havia simplesmente desaparecido, fazendo com que a culpa retornasse em House, fazendo o momento leve desaparecer como vapor. Rápido e imperceptível. O que aconteceu, agora? Estava tudo indo bem.. House se questionava.

“É você tem razão. Eu sempre fui um idiota, principalmente com você. Eu sinceramente, não sei o que estava fazendo Cameron. Acho que por ver como você evoluiu tanto como médica, tanto como pessoa, me fez sentir como se... Como se você... Você sabe. Eu gosto de ter controle sobre tudo, e você estava fugindo disso. Mas o que me incomoda é... Por quê você ficou tão abalada? Achei que já tinha se acostumado com a morte de pacientes. Isso tem alguma coisa a ver com a mesma coisa que aconteceu durante a epidemia dos bebês, aqui no hospital?”

Cameron riu. Isso é bom, certo? Ela voltou a rir. Mas por quê tenho a sensação de que estraguei tudo de novo agora? House estava certo, Cameron voltou a rir, e estava certo sobre a sensação de ter estragado tudo. A risada de Cameron não foi de divertimento, muito pelo contrário, foi de sarcasmo e ele podia sentir o veneno e indignação na sua voz. Em seguida, sua certeza de ela não ficara feliz com o que ouviu.

“Eu estava até acreditando nas suas palavras House. Quase que de novo eu caio nessa. Tudo não passa de um quebra cabeças pra você, néh? E eu claro! A vítima principal, a mais interessante: uma médica viúva que nunca quis falar sobre o seu passado, a arte do lobby, a médica gentil, ingênua e sentimental. Nunca foi por como eu me senti, mas por como você queria descobrir mais, sobre o que você não sabia. Quer saber do mais, eu ao vim aqui pra bater papo, nem pra remoer o passado. Toma.”

Cameron joga então uma folha em cima da mesa de House, que não percebeu que ela tinha o objeto em sua mão até aquele momento. O médico de olhos azuis estava estático, surpreso com a explosão repentina de sua pupila.

“Cameron esta não era minha intenção. Eu juro! Não em tudo..”

House tenta se explicar. Cameron toma uma respiração profunda e se acalma um pouco, afinal House era assim, ela o conhecia: ele sempre estragava tudo no final, era normal dele, fora que ela sabia que isso era o mais próximo de um pedido de desculpas que ela iria receber dele.

“Tudo bem, House. Isso não é mais importante agora. Eu só precisava por pra fora o que guardei por um tempo.”

“Durante todos esses anos você só tem isso pra me dizer? Esperava mais de você, Cameron”

House se levanta e vai na direção dela. Ele para apenas quando está a centímetros de distância da morena. O menor sinal de um sorriso está de volta aos lábios de Cameron e House se permite sorrir também, consciente de que estava tudo um pouco mais calmo que antes.

“Não Dr. House, não era nem um terço do que queria falar pra você.” – Seu sorriso cresceu, mais um pouco. Principalmente pelo nervosismo tomando conta de seu corpo, ao tomar conhecimento da proximidade repentina de House. Mas isso ela não deixou transparecer.

“E o que mais você tem pra me falar?”

Mais um passo para mais perto dela. Ele está contente que ela não se move, mas desapontado por ver que não está causando o efeito desejado. Ela parece sem expressão, seu sorriso não mudou, tornando tudo confuso pra ele. Daria tudo pra saber o que estava se passando na cabeça dela. Mesmo perto seus corpos ainda se encontravam um pouco afastados um do outro. Sem invadir o espaço pessoal de cada um, os deixando um pouco mais confortáveis.

“Bom, você me magoou muito saiba disso. Mas sei que faz parte do seu ser. Só acho uma pena você ter confundido minhas ações. Meus sentimentos. Eu realmente amava você, eu já te disse isso. Mas eu amava você pelo que você era, não me importava com a sua perna ou com a sua personalidade. Eu entendia você, entendia sua amargura pelo que a Stacy fez...”

“Espera. Você não concorda por a Stacy ter salvo minha vida?”

“O que eu não concordo, foi ela ter ido contra a sua vontade. Qual é? Todos sabemos que você é um médico brilhante, você sabia o que estava fazendo. E se esse era o seu desejo, assim ela tinha que fazer. Foi o que eu fiz pelo meu marido. Por mais que me doeu, eu tinha que respeitar sua escolha.” – Ela sorriu tristemente com a lembrança do seu falecido. House surpreso não sabia o que fazer, então retribuiu o sorriso que lhe foi dado.

“Devo dizer que estou impressionado. Ninguém nunca havia visto o meu lado.”

“Eu sei. Sei de tudo, lembra?” – Ela se inclinou um pouco pra frente lhe dando um sorriso e uma piscadela, e depois voltou a sua posição ereta. House riu de sua ação, o mesmo riso de antes de tanto encantara Cameron e ele nem havia percebido.

“É. Você, realmente sabe. Mesmo assim, todos defenderam a Stacy, até mesmo Wilson não entende o por quê. Devo dizer que você sabe o por quê?”

“Não. Desta vez eu não sei o por que e também não precisaria saber e ainda não o faço. Eu apenas confiaria no seu julgamento, mesmo que isso causasse o meu sofrimento, minha consciência estaria tranqüila, eu teria feito sua vontade. Eu já te disse que te entendo. Mas enfim, voltando ao assunto... Como você mesmo falou, passei alguns anos aqui e acho que evolui como médica. Não tenho mais nada para aprender com você e recebi várias propostas boas de emprego, graças a você, então.. Adeus House, obrigada por tudo.”

“Ei, ei, ei. Espera um minuto ai! Você está indo embora?”

“Ah é, você não abriu o papel. Minha demissão e minha recomendação feita inclusive por você. Já ia me esquecendo! Não se preocupe eu já assinei pra você não precisar se incomodar com isso..”

“Recomendação? Eu não me lembro disso nã.. Oh-ho-ho Você fez de novo. Já sabia que eu não iria aceitar sua demissão e muito menos perderia meu tempo te fazendo uma recomendação, certo?”

“Não me faça repetir que: eu já sei de tudo.”

Eles riram juntos dessa vez. Pararam apenas quando seus olhos se encontraram novamente, azul e verde, em uma batalha intensa de calor com vários sentimentos em conflito e transparecendo em seus olhos. Em um ato inesperado, Cameron avançou para frente e abraçou House. Ele ainda assustado com o gesto repentino, demorou um pouco para perceber a situação. Mas logo caiu a ficha que ela estaria indo para longe dele, e que era sua última chance de dizer a ela. Talvez ela poderia até mudar de idéia, mas era tão difícil falar para ela.. Ele nem sabia o que dizer. Então como um impulso, ele retribuiu o abraço, a apertou como se ela fosse a única coisa que o permitia ficar de pé, de uma certa forma era, já que ele estava sem a sua bengala e longe da mesa como apoio, mas ele não se importou. Precisava daquilo naquele momento, precisava sentir ela antes da sua ida, sentir seu perfume suave, o cheiro do seu cabelo sedoso que ele tanto amava. Sem perceber ele a apertou ainda mais forte, se fosse possível, e repousou sua mão no cabelo dela, alisando seus longos fios escuros e macios.

Cameron se sentia nas nuvens. Lágrimas picavam seus olhos, mas ela não chorou, apenas respirou fundo o cheiro de House, e retribuiu o aperto que ele lhe estava dando. Ela estava aproveitando o último momento, até que ouviu a voz de House em seu ouvido, a fazendo estremecer com o sussurro.

“Estou orgulhoso de você. Você não precisa ir embora. O que você quer dessa vez? Outro encontro? A vaga do estacionamento e o aumento, ainda estão de pé. O Que você quiser, só... Só não vai.”

A esse ponto eles já haviam se separado, mesmo que de má vontade por ambos os lados. Cameron riu da tentativa dele de fazê-la ficar. Ela apenas ficou em negar a cabeça.

“E se.. E se eu disser que gosto de você? Você ficaria?” – Ela não deixou de ficar surpresa com a pergunta de House. Mas logo a consciência falou mais alto que o coração de novo.

“Não House. Dessa vez não vai adiantar, você já teve a sua chance de dizer isso. E eu sei que você não gosta de mim, já disse isso uma vez, só não vá me procurar depois, eu não irei voltar dessa vez... Eu vou sentir sua falta.”

E então, ela faz algo ainda mais inesperado do que antes... Ela se inclina e o beija na bochecha. Os dois ignoram o formigamento que foi assumindo o corpo dos dois, mas não deixam de apreciar cada sensação que era ter seus corpos ligados por esse gesto doce e tão dolorido ao mesmo tempo. O beijo é apreciado por ambos de olhos fechados, para que pudessem sentir mais profundo. House ainda permaneceu com seus olhos fechados, até mesmo depois de sentir os lábios de Cameron se separando da sua pele e ouvir suas últimas palavras de despedida, e como uma medida de segurança para não deixar que as lágrimas que juntaram em seus olhos, de sua própria conta, escapassem. Apenas depois dele ouvir os passos anunciando que Cameron deixou a sala, é que ele se permitiu abrir os olhos novamente. Tristeza tomou conta dele.

“Vou sentir sua falta também... Allison”

Com sua confissão solitária e um suspiro tristonho, ele voltou a sentar em sua mesa. Observou o papel que havia sobre ela e com receio o pegou para ler. Ao levantá-lo da mesa um bilhete menor caiu em seu colo. Ele o abriu primeiro e sorriu ao ver seu conteúdo: Uma receita de Vicodin por prescrição da Dra. Allison Cameron e uma pequena mensagem que dizia ‘Use com cuidado’ pregado nela. Ao partir para o papel maior e abri-lo, pôde ler com certa dor em seu peito, a recomendação e o pedido de demissão de Cameron, então ele olhou para onde deveria estar a sua assinatura e sorriu mais amplamente, porém com sua tristeza e saudades futuras sendo expressos. Ele se lembrou que ela havia dito que já tinha assinado o documento, mas ele não esperava por isso: o 'G' de Gregory. Finalmente ela aprendeu.

A voltinha do G estava finalmente igual a dele.