As nuvens densas encobriam o radioso sol, mas ainda assim era possível, com nitidez, observar o nosso seco jardim. Sentia falta de todas aquelas flores perfumadas, das folhas verdes balançando contra o vento da primavera; e principalmente, do sol.



- Rosalie querida, retire-se por favor. – Pediu mamãe, naquela fria e úmida tarde de inverno. Suspirei e afastei-me. – Sabe que não é educado, que uma dama passe muito tempo na janela.



Caminhei, acompanhando-a pelo corredor de nossa arrumada casa. Maria, a empregada, passara a vassoura em todos os cantos pela manhã, e já seriam, dali a pouco, cinco horas da tarde. Minha mãe havia insistido que eu usasse meu vestido de algodão amarelo, e sua bainha arrastava solenemente pelo assoalho de madeira. Estava quase na hora do chá.



Chegamos casualmente à porta principal, e Alfred, nosso fiel e velho mordomo, estava próximo a sala. Andou até nós a passos lerdos – por causa de sua idade avançada – e entregou os respectivos casacos a cada uma de nós.



- Madame, William está pronto. – anunciou o idoso, abrindo a porta. Uma corrente de ar frio passou e nos atingiu, e saímos da casa depois de agradecer pelos cuidados de Alfred.



William é o cocheiro da família desde que me lembro, e por isso depositamos toda confiança nele. Will nos dirigiu pelas ruas gélidas, quase que totalmente desertas. Eu e mamãe permanecemos caladas durante certo tempo, e quando finalmente chegamos, descemos delicadamente - como uma dama deve descer - da carruagem, e fomos até a entrada da mansão dos Vangor.



Mamãe tocou na campanhinha, e satisfatoriamente, uma empregada abriu a porta rapidamente, e nos cumprimentou. Entramos e fomos dirigidas até a possível sala de estar, e a Sra. Vangor veio nos receber calorosamente.



- Juliet, fico muitíssimo feliz que tenha vindo. – Disse ela, dirigindo-se a mamãe. Ri encabulada e olhei discretamente para os lados. Percebi que agora o centro das atenções era eu. – E esta deve ser a jovem Rosalie. Ela é realmente linda, Juliet



- Oh, muito obrigada. – Agradeci pelo elogio. Nem mesmo era uma surpresa que a Sra. Vangor me dissesse isso. Todos diziam. – A senhora tem uma casa realmente encantadora.



- Ah, criança, pode me chamar de Georgina. – Pediu ela, sorrindo para mim. – E Rosalie, meu filho James está ansioso para conhecê-la.



- Também estou ansiosa para encontrá-lo, Georgina. – Disse, e mamãe deixava estampada sua expressão satisfeita. Senti que lhe dava muito orgulho.



Subimos as escadas escuras, seguindo a Sra. Vangor.



- Ah, sim. Georgina... - Escutei a conversa entre minha mãe e a anfitriã, rindo alegremente. Ao chegarmos ao primeiro andar, fomos até uma das portas, e Georgina a abriu, revelando uma biblioteca tão linda quanto à da festa de natal. Não consegui evitar sorrir verdadeiramente, ao ver minhas paixões enfileiradas numa estante.



- James? – Chamou Georgina, e logo um rapaz de cabelos castanhos e olhos claros apareceu por trás de uma estante. Reconheci-o da festa anterior. – James querido, veja quem está aqui. É a garota Hale.



James pareceu alegre ao encontrar meus olhos, e guardou rapidamente o livro que estava estudando. Caminhou em minha direção, e sorriu ao estender a mão forte e máscula para que eu pudesse apertá-la.



- Muito prazer – Ele disse.



- O prazer é meu. – Sorri, soltando minha mão.



Georgina e mamãe pareceram encantadas ao ver nossa relação, começando tão perfeitamente bem. A Sra. Vangor não mediu esforços ao dizer as palavras seguintes:



- Ah, Juliet, eu adoraria mostrar-lhe minha coleção de colares. – Disse Georgina, indo à porta. Mamãe a seguiu, murmurando algumas palavras inaudíveis a meus ouvidos. Fiz menção de segui-la. – Até, crianças.



A porta se fechou em três segundos, e tão rapidamente que quase não percebi, James e eu estávamos completamente sozinhos, naquela enorme e bonita biblioteca repleta de livros. Senti-me a vontade o suficiente para percorrer algumas estantes, procurando meus contos preferidos. James claramente me seguiu.



- Você gosta de ‘Romeu e Julieta’? – Perguntou ele, atrás de mim. Era o livro, como percebi depois, que eu acabara de pegar. Por sorte, meu preferido.



- É o meu predileto. – Confessei sorrindo para a capa azul escura. – Li tantas vezes que sei as falas decoradas.



- Também gosto muito deste livro. – Concordou James e pegou outro. Era um mais grosso e marrom. Velho, como notei. – Mas prefiro este: ‘A Lenda de Camelot’.



Confirmei com a cabeça, e mechas loiras claras caíram sobre o meu ombro esquerdo com o gesto. Passaram-se alguns minutos, e conversamos animadamente sobre


literatura, um gosto comum entre nós dois. Mas, assim como aconteceu com Vera na noite anterior, o ruído de uma porta de madeira sendo aberta nos atrapalhou a conversa.



- Crianças, é a hora do chá. – Anunciou Georgina, sorridente. Pude avistar mamãe atrás dela, esticando a cabeça para me enxergar. Eu e James nos retiramos do cômodo, e acompanhamos as senhoras pela casa até estarmos de volta à sala de estar.



Em uma mesinha miúda, que no máximo caberiam cinco pessoas, estava posto o saboroso chá. O odor que inalava era bastante agradável, tanto que fiquei satisfeita, quando a empregada encheu minha xícara até a borda. Entre goles e bolachas, o assunto entre nós foi fluindo.



Ao entardecer, mamãe e eu nos despedimos dos Vangor. Iríamos nos encontrar, com absoluta certeza, no domingo. Minha família inteira estaria no baile de máscaras na ultima noite do ano, e logicamente, todos os outros da alta sociedade haviam sido convidados também.



Acenei um ‘adeus’ para James, enquanto me dirigia para a carruagem. William era como sempre pontual.