Mamãe e eu demos uma rápida corrida ao redor do lago, senguindo as margens. E enquanto caminhavamos de volta pra casa, pude ver meu pai na varanda que dava para o lago. Ele devia estar nos espionando a algum tempo, mas acho que a essa distância ele não pode ter ouvido nada, e com a ajuda da minha mãe, ele também não pôde ler nenhuma mente por aqui.

Quando chegamos à casa, papai nos esperava na cozinha. Onde Tia Rose acabava de preparar o almoço. Ele fitou a pulseira no meu braço, me deu um beijo na testa, e sem falar uma palavra arrastou a mamãe pro quarto. Acho que ela ia levar uma bronca. Mais ela sabe dobrar o gênio do meu pai. Eles logo estariam numa boa.

–-Está aqui querida! – Tia Rose me indicava o prato de comida.

–-Eu vou esperar o Jake Tia. E a Leah também.

Fui até a sala. Peguei o telefone pra ligar pra o vovô Charlie, ele devia estar preocupado. O telefone chamou até a linha cair. Estavam todos nos seus quartos agora. Acho que ainda falavam entre si, sobre Leah e o Charlie. Mas estava inquieta demais pra prestar atenção.

Subi para o meu quarto e tentei não pensar sobre as coisas que a mamãe me falou. Embora eu soubesse que o papai não estava ouvindo me senti culpada em pensar no Jake desse jeito. Se ele ficou tão bravo sobre eu e o Scoot, imagina o que ele falaria sobre o Jake. O Jake sempre foi meu amigo mais próximo, como um irmão mais velho. Não parece certo. O que me surpreendeu foi mamãe falar sobre isso como se fosse absolutamente normal. No que ela estava pensando?

O adesivo da Pequena Sereia grudado na parede parecia estar me encarando. Se ela estava me julgando, o que diria a minha família. Todo aquele rosa ao meu redor já estava me sufocando. Comecei arrancando todas as princesas que estavam grudadas na parede. Depois subi na cama e tentei alcançar os adesivos luminosos do teto. Depois de alguns saltos eu consegui arrancar todos. Cai de costas sobre uma quantidade extraordinária de bichos de pelúcia. Me levantei e fui até o closet, peguei um lençol de cama e forrei no chão do meu quarto. Ali fui jogando todos bichos de pelúcia, Barbies e outros brinquedos que eu fui encontrando pelo quarto. Fiz um trouxa e joguei no fundo do meu closet.

O meu closet é imenso e abarrotado de roupas. Mas a grande maioria ou é rosa ou não me servem mais, e eu odiava todas elas. Eu sempre adorei fazer compras, mas é muito frustrante comprar toneladas de roupas e nunca ter a oportunidade de usá-las porque tenho que ficar trancada dentro de casa. Forrei outro lençol no chão. As de cor rosa foram as primeiras a serem arrancadas das araras. Depois fui pegando aquelas que não me serviam mais e aquelas que estavam completamente fora de moda. Quando terminei me restavam algumas peças de roupas que cabiam confortavelmente em uma das araras. Aquelas que eu havia descartado formavam uma pilha considerável no chão do closet. Peguei um outro lençol e fiz duas novas trouxas de roupas as quais eu larguei em qualquer lugar.

Eu estive tão concentrada me livrando das minhas coisas que não percebi o vampiro no meu quarto. Tio Jasper esteve sentado na ponta da minha cama, me observando o tempo todo.

– O que há de errado com você? – ele perguntou divertido.

– Eu também gostaria de saber. - respondi frustrada.

– OK! – ele olhou ao redor por um minuto e continuou – Onde estão suas coisas? – ele falou apontando para as manchas na parede onde antes haviam adesivos.

– Eles estavam me irritando.

– A Pequena Sereia costumava ser a sua favorita.

– Não é mais.

– Vem aqui. – Ele me puxou pelo braço e tencionou me por no seu colo.

– Eu não sou mais criança. – respondi bruscamente me afastando do abraço dele. Mas aquele nó na garganta apareceu novamente e eu não tive mais forças para mantê-lo afastado, acabei sentando no seu colo como antigamente.

– Então é isso que está te deixando tão chateada? – Eu tentei em vão conter as lágrimas. Ele ficou ainda mais assustado que a mamãe.

Seu abraço me confortou, e aos poucos a agonia foi passando, as lágrimas cessaram. Por um segundo eu me senti completamente vazia. Mas logo veio um sentimento de vergonha e eu me levantei.

– Falar às vezes funciona. – ele me encorajou.

– Eu não... – fui interrompida pelo toque do meu celular na mesinha de cabeceira. - Eu vou atender. – me virei para pegar o telefone e ele não estava mais lá.

Na tela do celular o nome do Scoot piscava insistente. Eu não tinha certeza se atender seria a melhor opção depois de eu não ter enviado a foto como prometido. Ele devia estar aborrecido comigo. Mas eu falei ao Jasper que eu atenderia o celular, e ele saberia se eu não o fizesse.

– Alô! Scott?

– Ness. Eu estava com a sensação de que você não atenderia.

– Olha! Me desculpa ter saído assim ontem. Eu...

– Ok! Eu já entendi. Eu não vou te pressionar novamente.

– Isso seria bom, mas eu ainda estou de devendo uma fotografia.

– Isso também seria bom. – ele fez uma pausa e o seu silêncio começou a ficar desconfortável.

Eu também não sabia o que falar e isso não era comum entre nós dois. Podíamos passar horas conversando ao telefone.

– É bom poder ouvir a sua voz. – ele continuou. Apesar do nosso desentendimento eu também me senti feliz em ouvir a voz dele.

– Também é bom ouvir a sua.

– E ai! O Jake chegou?

– Chegou sim! E não veio sozinho, ele trouxe uma amiga.

– Uma amiga ou uma namorada?

– Na verdade eu não sei dizer.

– E você esta com ciúmes?

– Ciúmes? O que?

– É que você falou de um jeito estranho.

– Não é isso. É que eles meio que parecem estar escondendo alguma coisa.

– Talvez seja um romance! – ele debochou.

– Talvez... – Esse é um assunto do qual eu estou fugindo. Por isso tentei mudar o rumo da conversa. – Eu me esqueci de te mandar aquela fotografia ontem. Eu vou fazer isso agora.

– Você tem certeza sobre isso?

– Está tudo bem. Foi bobagem minha não te mandar um foto antes.

Na verdade eu não poderia mandar uma fotografia antes porque eu parecia ter apenas doze anos quando nós começamos a nos falar, mas o meu crescimento vem refreando e eu acredito que eu não vá mudar tão bruscamente quanto antes. Fui até o computador e procurei um foto na qual eu não estivesse tão infantil. Acabei escolhendo uma em que estávamos eu e a mamãe na casa do lago. Esperei a imagem carregar e entao a enviei.

– Eu sou a de cabelos cacheados que está segurando a xícara de café. – ele não falou nada então eu pensei que a linha havia caído. – Scott?

– Eu estou sem palavras.

– OK! Não me zoa!

– Eu poderia dizer que você é a garota mais linda que eu já vi. Mas se você não quer, eu não vou falar nada.

– Sem elogios!

– Ok! Sua irmã se parece com você. Eu pensei que vocês fossem todos adotados. – Ops! Eu devia ter mandado uma foto só minha.

– Todos falam isso, mas não somos irmãs de verdade. Agora eu tenho que ir. Meu almoço está esfriando.

– A gente se fala a noite então?

– Tudo bem até mais tarde.

Surpreendentemente a conversa com Scott me deixou mais relaxada. Seria perfeito se nós dois pudéssemos voltar a ser os amigos de antes. Seria um problema a menos pra minha cabeça que já está tão bagunçada. Olhei pra o celular na minha mão. Já passava das treze horas e nem sinal do Jake. Não é da natureza dele se atrasar para qualquer refeição. Talvez seja a Leah que não quer vir comer na casa dos Cullen. Ou talvez o Scott tenha razão e eles estejam bem ocupados nesse momento. Esse pensamento me deixou irritada novamente. Como alguém pode mudar de humor tantas vezes em apenas algumas horas?

Desci as escadas e fui até a cozinha. A comida já estava fria e meu apetite já não era mais o mesmo. Pensei por um momento e decidi ir até o chalé tentar convencer a Leah a vir se esse fosse o caso. E se eles estivessem de romance eu ficaria sabendo em algum momento.

Aproveitei que estavam todos em seus quartos e que o papai não estava me vigiando e tentei não fazer barulho enquanto saia de casa. Corri pelo familiar caminho em direção ao chalé. Uma brisa vinda da praia soprou na minha direção e pude sentir o cheiro dos dois lobos.

Quando estava me aproximando, vi ao longe os dois conversando na frente da casa. Eles pareciam exaltados e não notaram a minha presença. Eu ainda estava distante e por isso não conseguia ouvir o que eles falavam e o vento que soprava na direção contraria não permitiu que eles sentissem o meu cheiro. Jake estava de costas pra mim e segurava com força os pulsos da Leah, ela resistiu por um momento mas logo começou a chorar, então ela falou algo que eu não pude escutar, virou as costas e correu em direção as árvores. Aquilo começava a parecer com uma briga de casal. Jake a chamou, mas ela desapareceu em meio a vegetação. Ele, que só vestia um calção e um par de tênis, jogou o sapatos pela janela, tirou o calção e o amarrou na perna. Ele se lançou para frente, e antes que suas mãos tocassem o chão, elas se transformaram em um par de patas.

O lobo correu em direção ao ponto da floresta onde Leah desaparecera. E só então eu consegui perceber o que estava acontecendo. Aquilo caiu sobre mim como uma tonelada. Senti-me como se tivesse sido atropelada por uma dúzia de caminhões. A aflição tomou conta eu não consegui pensar em mais nada. O nó na minha garganta, ao qual eu já estava me tornando íntima, apareceu novamente. Ainda estranhando a sensação de chorar, apoiei minhas mãos nos joelhos, tentando cuspir pra fora a dor, só então eu percebi que esquecera de respirar.

O mais difícil era admitir que o que eu realmente estava sentindo era ciúmes. Era pensar na vergonha que eu sentiria do meu pai e do próprio Jacob. Pensar o quanto eu estava sendo estúpida por deixar isso acontecer. A dor que me sufocava ia se transformando em uma raiva insana. Queria nunca mais ter que olhar nos olhos dele, pra que ele não percebesse quão estúpida eu era. A única coisa que pude pensar foi em ficar bem longe daquele lugar, bem longe dele. Corri para a floresta, não sei bem em qual direção. Queria nunca mais ter que voltar e encará-lo novamente. A mata foi se tornando mais e mais densa.

Em algum tempo, não sei o quanto, eu comecei a sentir uma dor que eu jamais sentira. A dor não vinha do meu peito, mas do meu ventre. Mais alguns passos e a dor se tornou insuportável. Eu tive que parar. Me encostei na raiz de uma árvore, e me curvei abraçando minha barriga. Me sentia exausta. Inclinei minha cabeça, e só então percebi aquele cheiro. Um cheiro tão familiar, era sangue, o meu sangue. Ele escorria por entre as minhas pernas, encharcando o meu jeans. A dor se transformou em pânico, e comecei a olhar ao meu redor. Não sabia onde estava, nem o quanto havia corrido. Levei minha mão esquerda até a parte interna de minhas coxas e toquei aquele sangue. Eu mal podia acreditar que ele era realmente meu. A raiva se sobrepôs ao pânico, e eu o culpei. O culpei por não estar comigo agora. A dor pulsou novamente, e eu me deitei na terra úmida, com as mãos na barriga. Eu não queria mais correr. Só queria estar em casa, nos braços da minha mãe.

Fiquei assim por alguns minutos, até que senti uma pulsação na terra. Agucei minha audição, e notei que era alguém correndo bem longe dalí. Mas não eram passos humanos. Era um animal, eu podia sentir o cheiro, era o cheiro dele. Mas como eu podia ouvi-lo de tão longe? Sentir seu cheiro? Percebi que meus sentidos haviam mudado. Me levantei por impulso, e isso me fez desequilibrar. Só então percebi que meu corpo também estava diferente, eu havia crescido novamente. Me segurei na árvore tentando me apoiar, e então sentei novamente. Eu não queria que ele me encontrasse transtornada daquele jeito. Apoiei minha cabeça com as mãos, escondendo meu rosto. Senti vergonha pela minha situação, e medo pois não sabia como eu me parecia agora.

Em poucos minutos ele já estava comigo. As lágrimas rolaram novamente quando o percebi tão próximo. Por que ele voltou? Pensei em mandá-lo embora, mas as palavras não conseguiam sair em meio aos soluços.

–-Nessie?! -- Jake falou, me olhando desesperado. --Eu não vou embora. Você está sangrando. -- ele parecia suplicar.

Eu respirei profundamente e olhei diretamente para ele. Ele podia ler mentes ou o que?

–- O que? -- eu perguntei.

–-Co-como você fez isso? -- ele me respondia com outra pergunta.

Eu respirei novamente tentando engolir o nó que teimava em apertar minha garganta.

–-Fazer o que? Como você sabia o que eu estava pensando?

–-Você me mostrou.-- ele respondeu, se ajoelhando na minha frente.

Eu não entendi o que ele quis dizer, e vendo minha expressão ele se aproximou um pouco mais e continuou.

–-Como quando você me toca. Você me mostrou. -- ele repetiu.

Não entendi o que ele falava. Como eu poderia ter mostrado algo? Eu não o havia tocado.

Ele me estendeu a mão. Eu não queria a ajuda dele, mas queria voltar pra casa, e eu não conseguiria sozinha, não no estado em que eu me encontrava. Estiquei a minha mão direita, a que ainda estava limpa, e ele me ajudou a levantar. Foi então que ele reparou na corrente em volta do meu braço. Ele pegou o pingente em forma de lobo e olhou bem de perto, esticando meu braço pra perto do seu rosto. Quando seus olhos encontraram o meu, parecia que todo seu medo e preocupação haviam sumido. Ele pôs um de seus braços em volta da minha cintura e me puxou pra si. Nossos rostos estavam bem perto agora, e eu pude ver como ele me olhava intrigado. Com a outra mão ele enxugou uma lágrima que se fixou no canto da minha boca. Ele tocou todo o meu rosto com sua enorme mão, como se procurasse alguma coisa nele. Então ele me puxou mais pra perto e me abraçou apertado.

– Vai ficar tudo bem.

Eu pude sentir o quanto ele se importava comigo e percebi que ele não merecia toda a raiva que eu senti. Eu não podia culpá-lo pelos meus sentimentos. Ele me colocou nos braços, não como quando eu era criança, mas como um noivo carrega uma noiva na noite de núpcias.

–-Eu tenho que te levar ao Doutor. -- Ele me disse, agora sorrindo.

Então, ele correu em direção ao leste. Eu não fazia idéia aonde eu havia ido parar. Mas o cheiro e o calor dele sempre me passavam uma sensação de conforto. Eu confiava nele, e me sentia segura novamente.