Sunburnt.

Capítulo Único.


Cynthia parece estar sempre com um sorriso no rosto.

É algo que Gerome percebe desde seus primeiros anos, quando a garota o puxa para a clareira dizendo que finalmente consertaria seu medo de altura. Ele quase desistira de última hora, mas seu próprio desejo de poder voar com Minerva e a insistência da ruiva que puxava sua mão o fizeram continuar – e, honestamente, tudo aquilo valera à pena.

Porque apesar de nos primeiros momentos ele não conseguir fazer nada além de se prender à cintura fina da garota à sua frente e esconder seu rosto por trás de sua cabeça, o riso animado dela e o brilho do sol eventualmente o fazem arriscar abrir os olhos.

A visão é algo que permanece impregnado em sua mente até hoje.

O sol está começando a se por no horizonte, espalhando pinceladas de amarelo, laranja e azul que se misturam no céu por entre as nuvens brancas. A brisa do vento e das asas do Pégaso branco fazem os cabelos ruivos da menina à sua frente tremularem como fogo, e ela têm os olhos presos à vista antes de perceber o seu olhar e se virar.

Parte das mechas de Cynthia caem na frente do rosto dele, mas isso não importa agora; porque ela está tão, tão brilhante com seu sorriso e seus olhos e a paisagem ao fundo que todo o ar parece escapar de seus pulmões.

Após isso, eles continuam a sobrevoar a clareira, e o modo confiante no qual ela os guia o deixa cada vez mais calmo até que o medo se torna um peso distante em seu peito comparado à sensação quente e confortável que toma seu lugar. Ao final do passeio, os dois estão rindo das manobras perigosas que ela faz com seu Pégaso.

Quando Gerome comenta de suas observações com ela, mais tarde, a garota cora e abre mais um sorriso grande e brilhante. Mas ele ainda não deixa de perceber a tristeza em seus olhos quando menciona o Pégaso.

– Ah, sim... Minha mãe sempre me levava para passear neles, então eu meio que me acostumei. – Ela responde, uma risada sem graça seguindo sua fala.

Para continuar sorrindo mesmo diante de toda àquela tristeza, ela era mesmo uma heroína - é o que ele pensa, naquele fim de tarde de Abril, ao observar a garota de cabelos de fogo enquanto retornam. Gerome pergunta-se brevemente se conseguiria fazer algo parecido se passasse por uma situação semelhante.

Infelizmente, ele sempre fora fraco demais.

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Os anos passam após isso, e o pesar da guerra perdida que corrói todos os seus amigos de infância acabam também afastando os dois. Gerome realmente achara que a veria pela última vez no dia em que realizaram o ritual para voltar no tempo; então ser de repente puxado de volta para a guerra ao lado dela e de clones bem sucedidos de seus pais realmente é uma surpresa.

Mesmo assim, ele não é mais o garoto de anos atrás; sua máscara é uma prova o bastante disso. O destino lhe roubou o suficiente para que ele parasse de acreditar em coisas como sorrisos ou felicidade. É por isso que tenta evitá-la ao máximo – e tudo e todos – durante seus tempos de descanso.

Cynthia, no entanto, é muito mais cabeça dura do que parece. Isso, ou ela só é incrivelmente densa.

– Mas então, eu adoraria saber a sua opinião sobre isso. Você tem um ar de herói com essa sua aura misteriosa e sombria, e-

Ele está tentando achar uma maneira de se afastar sem ser rude demais; isto é, até que a mão dela toca seu braço e Gerome sente sua pele em chamas por baixo da armadura. O garoto se afasta bruscamente, desviando os olhos e perdendo o olhar aflito que ela o lança.

– Estou indo. Não me siga. – É o que ele diz antes de sair, com passos largos na direção de onde deixara Minerva, ignorando os chamados dela por ele.

Gerome tem certeza agora; ele não pode deixar que ela se aproxime dele, que traga de volta esses sentimentos que ele enterrou dentro de si mesmo desde que perdeu seus pais. A felicidade que ela traz é falsa, assim como a desse futuro também fadado à tragédia.

Ele sabe disso, e ainda assim... Por um momento, enquanto a viu sorrindo, ele ainda...

O garoto encosta-se às escamas frias do dragão de sua falecida mãe e deixa uma risada amargurada escapar por sua boca.

Ela era, realmente, assim como o sol - brilhante, radiando esperança e inabalável. Mas Gerome ficara tempo demais envolto pelas sombras e agora temia se queimar caso se aproximasse demais.

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É inacreditável – o modo como eles conseguem subir em cima de Grima, de como podem desafiar o destino e vencer. Talvez Gerome devesse ter acreditado mais em Lucina, em Cynthia e em todos os outros.

E pensar que o pequeno raio de esperança queimando em seu peito estivera certo... Era muito para processar. Ele prefere então se afastar das cabanas iluminadas, pessoas bebendo e cantando num misto de felicidade e tristeza por todas as vitórias e perdas daquele dia.

Já deve ser bem tarde na madrugada quando o mesmo ouve passos por trás de si. Ele primeiro pensa ser Cherche, mas seus olhos se arregalam ao encontrar Cynthia andando até ele, olhos cintilantes e sorriso característico no rosto.

– Então é aqui que você estava! – Ela começa, dessa vez mantendo sua distância. – Sua mãe está te procurando por todo lugar, sabia.

Ele pausa por um momento, considerando responder o que quer ou o que seria mais adequado. A garota parece perceber seu conflito interno, e seu sorriso diminui um pouco.

–... Tudo bem, ela não é sua mãe verdadeira, mas... Ela ainda está preocupada, sabe. – Cynthia hesita antes de continuar, - Você deveria pelo menos dar uma chance a ela e ao seu pai.

Gerome não sabe o que responder por que ela está certa, mas também porque Cynthia está novamente com aquele brilho melancólico nos olhos do dia em que ele tinha perdido sua vertigem de voar, então pode ter um pouco disso também.

– Pelo menos antes deles seguirem adiante e terem seus próprios filhos desse tempo, – Ela continua, orbes cor de caramelo se desviando para o chão. – Você tem pelo menos um tempo para criar mais memórias...

– Cynthia...? – Ele pergunta, voz vacilando um pouco, pois essa Cynthia com voz triste e opaca é uma que ele só vira uma vez no enterro de Sumia e uma que ele não gostaria de ver nunca mais.

– Ah-! Mas, eu devo estar te incomodando, não é? – Ela rapidamente olha para cima, sorrindo de um jeito sem graça e errado.– Uh, eu vou voltar para lá agora, então não se esqueça de pelo menos falar com ela e o seu pai, ok-?

– Você não me incomoda. – Ele a interrompe antes que ela possa continuar, e agradece à lua e estrelas que ele está usando sua máscara e ela consiga esconder o nervosismo estampado em seu rosto, - Q-quer dizer, não do jeito que está pensando.

Cynthia parece voltar um pouco ao normal com isso; ela tomba sua cabeça para o lado, confusa.

– Existe um outro jeito?

– Bom, eu... – Gerome não sabe direito como explicar tudo aquilo, que ela às vezes queima muito e brilhante demais e o faz perder seu chão; que seu coração já deseja ser queimado por ela desde que eram pequenos, mas ele não faz ideia se quer arriscar tê-lo quebrado de novo. Aquilo tudo é complicado demais. – Eu não te odeio, e é exatamente por isso que eu te evito...

– Você me evita porque não me odeia? – Ela arqueia uma sobrancelha e um sorriso invade seus lábios. – Isso é estranho! E também não muito heroico.

– Eu nunca fui um herói. – Ele rebate, ainda nervoso, e ela bufa em protesto.

– É claro que é, Gerome! Você tem toda essa aura de um justiceiro silencioso, além de sua aparência que também é ótima-! – Cynthia para no meio da frase e cora escarlate. – Uh. Quer dizer, porque você é másculo que nem um herói- Não, erm, sua pose que é máscula, não o seu corpo, a-apesar de você ser sim bem forte, eu sei disso, talvez nós até pudéssemos começar a treinar juntos? Dois heróis trabalham melhor que um-

Ele parou de ouvir no começo da frase dela, porque Cynthia acabou de elogiar sua aparência e usar um apelido mais aplicável a ela para descrevê-lo. I-isso é um sonho, só pode ser. A vitória daquela noite já fora boa demais para ser real, então isso é-

Gerome engole em seco; ele estava se desesperando que nem ela.

–...Você me acha um herói, então. – Ele murmura em seguida, tentando retomar o pouco de compostura que lhe resta. – Mesmo sabendo da minha vertigem?

– Eh, você tá falando do seu medo de altura?- Cynthia sorri novamente para ele, o único vestígio de seu anterior nervosismo no vermelho ainda presente em suas bochechas. – Todo herói tem seu ponto fraco! E eu já te ajudei a perder isso, lembra?

No fim do horizonte, os pequenos raios de sol começam a surgir e pintar o céu de laranja e amarelo. O garoto sente seu coração acelerar ao observá-la ser iluminada aos poucos, e tem certeza de que, se ainda quisesse se salvar das chamas que a rodeiam, teria de fugir agora.

– E também... – Cynthia começa, seus olhos cintilando.

Só que era tarde demais.

– Eu sempre te admirei, Gerome. – Ela admite, iluminada pela luz do céu e do sol que começa a surgir no horizonte, seus cabelos cor de fogo e sorriso cálido derretendo as últimas dúvidas presentes em si mesmo. – Não é uma fraqueza de nada que vai mudar isso.

Ele já se queimara por causa dela ela há muito, muito tempo.

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Eles se beijam não muito depois disso, depois de uma série de revelações e confusões e “como você pode ser tão denso!” s vindos da garota. Cynthia tem gosto de pêssegos e o que poderia ser o equivalente a raios de sol em termos de paladar, mas ele está perdido demais naquele momento para ter certeza.

O nariz dela tromba com sua máscara e ela se afasta com um riso, mãos ainda envolvendo ele pelo pescoço enquanto um de seus braços se encontra enroscado timidamente pela cintura dela.

– Eu não acredito que demoramos tanto para fazer isso. – Ela ri, levantando uma das mãos para tirar a tal máscara do caminho. Gerome não a impede; não é como se aquilo fosse ajudar a esconder o vermelho de seu rosto quando ela está tão perto. – Você também gostava de mim quando éramos mais novos?

Ele gagueja por um momento porque não é possível que ela tenha tido uma queda por ele naquela época, mas isso só a faz rir mais.

– Por que eu não teria? Você sempre me enchia de elogios e me acompanhava para os lugares e conversava comigo sobre heróis! –Cynthia abre um sorriso divertido para ele. – Além disso, você sempre teve essa aura de justiceiro, sabia? Até agora, quando lutamos nessas últimas batalhas...

– Bom, isso é... – Ele desvia o olhar dela porque aquilo é embaraçoso demais para se admitir, principalmente para ele. – É porque eu queria te impressionar.

– Você queria me impressionar? – Dessa vez é ela que cora mais, mãos congelando por um tempo no pescoço dele. – Nós realmente devíamos ter feito isso mais cedo. Por que não fizemos, mesmo?

Gerome tem quase certeza de que é sua culpa e de todas as suas inseguranças, mas elas parecem tão estúpidas agora que ele a tem nos braços e eles ganharam a guerra que o mesmo prefere ignorar aquilo tudo.

Ao invés disso, ele a puxa pela cintura novamente, uma mão pousando em seu rosto delicado enquanto ele a beija. Cynthia retribui quase que imediatamente, e ele não consegue evitar o sorriso que abre caminho pela sua boca.

Talvez eles pudessem realmente virar um casal de heróis, agora.

End.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.