Sugar Kiss

Capítulo Único


Todas as minhas manhãs são iguais. Quando não são exatamente a mesma coisa, são muito semelhantes entre si. O que posso fazer? Eu sou um cara de rotina. Eu gosto das coisas bem organizadas. Tudo isso mudou bastante depois que certa pessoa chegou por aqui, mas eu ainda consigo manter um pouco de ordem na minha vida.

Eu acordo às sete em ponto. Nossa aula começa às oito. Acordo e me visto antes de descer as escadas. Todos os dias, Star me espera para tomar café da manhã comigo. Normalmente ela está no sofá brincando com os filhotinhos que soltam laser pelos olhos. Às vezes ela está conversando com minha mãe na mesa da cozinha. Às vezes ela se atrasa um pouco, e eu vou até o quarto dela para encontrá-la com os cabelos em desordem total e olheiras grandes abaixo dos olhos.

Aquele dia não era para ser diferente. Acordei com o som suave do despertador. Eu não preciso de um alarme muito alto, tenho sono leve. Depois de dobrar o pijama cuidadosamente e deixa-lo em cima do travesseiro, coloquei meus jeans e o casaco vermelho de todos os dias. A última coisa que eu faço antes de sair do quarto é calçar os tênis.

Cheguei à sala de estar e, para minha surpresa, Star ainda não estava ali. Ela quase nunca dormia demais, mas acontecia. Então me sentei no sofá para esperá-la. Mas, às sete e vinte ela ainda não havia aparecido.

— Rafael, você pode trazer pra mim o abacate que está em cima da bancada? – Ouvi a voz suave da minha mãe na cozinha e ela apareceu na sala. – Ah, Marco. Você já está aí. Tome café logo, ou vai se atrasar para a escola.

— Ok, eu vou subir pra chamar a Star. – Respondi de prontidão, já indo em direção às escadas.

— Não, Marco. Star já saiu. Ela disse que tinha alguma coisa importante hoje. – Mamãe respondeu.

Fiquei alguns segundos estático, segurando o corrimão da escada. Impossível que haja algo de importante na escola que Star saiba e eu não, visto que eu sou um aluno nota A e ela costuma dormir na maior parte das aulas. E mais... O ônibus da escola passa às 7:30 exatamente. Como poderia ela ter ido antes disso?

Peguei uma torrada na mesa da cozinha e saí de casa, já que estava atrasado. Todo aquele tempo esperando a princesa maluca me fizeram sair da minha amada rotina. Agora eu irei com o cabelo bagunçado e sem escovar os dentes para a escola... O que significa que assim que chegar no colégio vou ter que ir até o banheiro e escovar os dentes lá. Ah, minha manhã já está uma zona. Star...

Quase perdi o ônibus, para coroar a manhã. É tão vergonhoso correr com mochila nas costas! Entrei na condução e agradeci mentalmente a todos os deuses por Jackie não pegar o ônibus. Ela sempre vai para a escola de skate. Se ela tivesse visto essa cena, com certeza todas as minhas chances com ela estariam perdidas!

Deu tudo certo e, assim que cheguei na escola, fui para o banheiro. Depois de escovar os dentes e arrumar os cabelos com as mãos – obviamente não ficou tão bom quanto quando eu arrumo em casa, mas... – eu resolvi que era hora de procurar Star Butterfly.

A cena que presenciei a seguir foi bizarra. Quando saí do banheiro, encontrei a princesa de Mewni com patins coloridos nos pés e um capacete com chifrinhos de demônio no topo. Ela usava a varinha para fazer impulso para os patins, num jato de arco-íris. Ela quase desequilibrava, mas continuava andando em círculos quase-graciosos pelo pátio da escola. O cabelo enorme e loiro que esvoaçava pelo vento tinha várias mechas cor-de-rosa. Fazia bolas de chiclete com a boca, e seus olhos estavam esquisitamente indiferentes. Suas roupas também eram muito estranhas, eu nunca a tinha visto vestida assim. Roupas tão normais, humanas. Um short cor de rosa e uma blusa branca simples, muito justa no corpo dela.

Corri atrás dela, na intenção de saber o que estava acontecendo.

— Star. Star! – Chamei, mas ela continuava a andar e se afastar de mim, fazendo-me engolir poeira de arco-íris. – Star! Eu tô falando com você!!!

Cansei de correr atrás. Fiquei observando aquela cena bizarra por mais alguns segundos, até que ela finalmente deixasse de usar a varinha para mágicas estúpidas. Star patinou até uma mureta e sentou. Continuou a fazer bolas de chiclete e olhava para o horizonte com aquela face inexpressiva que estava me dando nos nervos.

— Star! O que tá acontecendo com você?! – Eu indaguei me aproximando.

— Ah. Oi, Marco. Eu não te vi aí. – Ela respondeu.

— Quê?! Eu tô gritando atrás de você há minutos. Que que tá havendo, hein?! Por que saiu cedo hoje? Por que não me esperou? E desde quando você anda de patins?! – Quando estou nervoso minha voz sobe alguns tons e fica aguda, mas eu não conseguia me controlar. Quase gritava com ela. – O que você fez no cabelo?!

Star fingia não me escutar, e isso me irritou ainda mais. Ela tirou o capacete de uma forma muito lenta, como se fingisse ser descolada. Balançou a cabeça, fazendo a cascata rosa e loira dançar ao redor dela. O cabelo dela tem cheiro de algodão doce, e o aroma chegou até mim enquanto ela agia daquele jeito estranho.

— Ah, Marco. Você ainda está aí. – Ela sorriu, mas não era o sorriso radiante de sempre. Era um sorriso forçado, sem mostrar os dentes, meio de lado. – Eu cheguei há pouco na escola, vim de patins.

— Que droga é essa?! Você mora comigo há quilômetros daqui!

— Hora da aula. Tchauzinho, Marco. – Ela fez um movimento com a varinha e os patins sumiram de seus pés, dando lugar a tênis esquisitos e modernos que Star nunca usaria.

— A gente é da mesma sala, Star!

Mas ela não me escutava. Não me escutava nem um pouquinho. Então eu desisti de correr atrás dela feito trouxa. Resolvi andar lentamente e observá-la. Não estava entendendo nada do que ela estava fazendo. Por que esse comportamento estranho? Que diabos ela está pensando?

Durante toda a manhã, Star me ignorou. Não que ela ignorasse completamente... Ela até falava comigo, dizia meu nome e sorria daquele jeito esquisito e tão não-Star dela. Mas ignorava qualquer coisa que eu dizia, como se não me ouvisse, e continuava com aqueles olhos perdidos e comportamento corporal estranho. Impressão minha ou ela estava andando como uma modelo desfilando num palco?

No refeitório, Star se sentou com pessoas que eu nem sabia que ela conversava. Estava com o time de futebol americano, dando alguns sorrisos, mas não fazendo nada do que ela normalmente faria. O dia estava insuportavelmente estranho sem os gritos dela, sem a voz estridente falando sobre milhares de coisas aleatórias, os escândalos bobos e a magia colorida voando ao meu redor.

Passar das dez horas da manhã sem ser atingido por uma explosão de narvais era uma novidade desde que eu morava com Star.

Eu me sentei numa mesa sozinho, olhando para Star enquanto ela tomava o leite da caixinha. Às vezes ela olhava pra mim e, ao perceber que eu olhava de volta, desviava os olhos rapidamente. Mas não passou disso. Ela não veio até mim, não falou comigo e continuava conversando com aqueles caras de quem eu nem sabia o nome.

— Zup, Marco! – Ouvi uma voz e me virei para encontrar Janna sentada ao meu lado.

— Oi...

— Tudo bem? – Ela perguntou casualmente.

— Na verdade, não. O que tá havendo com a Star? Eu não consigo entender. – Admiti.

— Marco... Você não vê? – Janna disse com uma risadinha.

— Ver o quê?! Eu vejo minha melhor amiga sendo completamente bizarra, só isso que eu vejo. – Eu respondi irritado.

Senti a mão de Janna no meu queixo e meu corpo todo se retraiu. Ela era estranha e o contato físico era um tanto desconfortável. Ela guiou minha cabeça suavemente até que meus olhos estivessem na direção da menina que fazia meu coração acelerar. Com toda aquela confusão de Star, eu mal tinha olhado para Jackie durante a manhã.

Mas eu não passei muito tempo olhando para ela, porque Janna virou meu olhar novamente para Star Butterfly. Livrei-me da mão dela e encarei-a confuso.

— Que é, Janna?! – Bufei.

E então ela pegou meu queixo e fez o mesmo movimento várias vezes. Eu olhava para Star, olhava para Jackie, para Star, para Jackie, para Star, para Jackie...

— Você é cego, Marco?!

E, então, a minha ficha foi caindo. O cabelo colorido. O capacete. O jeito de falar comigo. O estilo de roupa. Star estava me tratando de um jeito tão parecido ao que Jackie me tratava. Uns poucos sorrisos que me enchiam de esperança. Uma indiferença que massageava e pisoteava meu coração. Aquele olhar que estava olhando sempre para todas as direções menos a minha.

— O que ela tá fazendo? – Perguntei fitando Star.

— Ela está tentando chamar sua atenção, bobo. Ela quer que você sinta por ela a mesma coisa que você sente pela Jackie.

Jackie é a garota que eu gosto. Mas, Star... Star é a pessoa que eu mais amo no mundo inteiro. É minha melhor amiga, é a minha mais fiel companheira, alguém que me entende e está sempre do meu lado, independente do quanto eu seja estranho. O sorriso da Star tem a intensidade de um milhão de sóis e me faz feliz, muito mais do que os meios-sorrisos de Jackie que me deixam nervoso, mas não fazem o meu coração sorrir junto.

— Então vai dizer isso pra ela. – Janna sorria.

— E-eu falei em voz alta?!

— Você sempre fala, Marco. – Ela riu.

Minhas bochechas assumiram um tom tão vermelho que eu acharia impossível fisicamente se não tivesse acontecido. Eu respirei fundo três vezes antes de me levantar e andar até a mesa dos jogadores onde Star estava. Ela agia daquele jeito todo descolado, mas aquilo só me fazia sentir falta do jeito Star Butterfly de ser.

Fui até ela e peguei-a pelo mão. A máscara de indiferença sumiu quando eu comecei a puxá-la e Star foi atrás de mim. Saí correndo do refeitório com a princesa de Mewni ao meu encalço. Fui correndo sem olhar para trás, subi as escadas do colégio até que chegássemos ao telhado do colégio. Ali, àquela hora, estava sempre vazio.

— Marco... – Ela começou, e seus olhos azuis estavam tão confusos.

— Eu não quero que você faça isso de novo. Nunca mais. – Eu disse, interrompendo-a. – Star, você é a pessoa mais importante da minha vida e eu a amo do jeito que você é. Por favor, não tenta me impressionar desse jeito. Você, sendo exatamente quem é, preenche todos os vazios que um dia já existiram na minha vida.

Ela começou a chorar.

— Agora pegue a sua varinha e tira todas essas mechas do seu cabelo lindo. Coloca seu vestido de arco-íris. E seus sapatos de narval. Eu quero ver o colar de aranha no seu pescoço e os arco de demônio na sua cabeça. Agora.

Ela balbuciou algumas coisas desconexas enquanto pegava sua varinha. E, chorando muito, fez alguns movimentos com a mão até ser envolvida por uma nuvem cor-de-rosa. Quando a fumaça se dissipou, Star era a minha Star novamente.

— Eu queria ser a pessoa que você gosta.

— Não é melhor ser a pessoa que eu amo? – Sorri, sem jeito. Minhas bochechas começaram a corar novamente e eu fiquei me perguntando como disse todas aquelas coisas sem hesitar. Agora, estava sendo consumido pela vergonha.

— Eu sei que você gosta da Jackie.

— Gosto.

— Mas vamos esquecer isso... Pelo menos por agora. Pelo menos aqui. – Ela disse, passando as mãos pelos corações de suas faces e livrando-os das lágrimas.

Assim que eu concordei com a cabeça, Star me beijou.

Um beijo doce. Que combinava tanto com a personalidade dela e o cheiro daquele cabelo enorme e loiro. Um beijo que era tão agitado e maravilhoso quanto a própria Star.

E, muito tempo depois de ter acabado, muito tempo depois de voltarmos para a sala de aula e sorrirmos um para o outro na volta para casa, eu ainda não conseguia tirar todo aquele açúcar da minha mente.

Muito menos do meu coração.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.