Capítulo 2

Não preciso dizer que essa notícia certamente mudou o meu dia. Quando Jack respondeu: “Está sim, algum problema?” e me olhou estranho, não tinha nada que eu pudesse fazer pra sair dessa.

Mas talvez eu pudesse amenizar as coisas.

FLASHBACK ON– (8 meses atrás)

– Cara, não acredito! – Gritava Jennifer, sem parar. – Warped! Tour!

– Dá pra acreditar? – Lizzie se juntou a gritaria. – Há uns 3 anos a gente só tocava em bares e festas, e agora estamos na nossa segunda Warped Tour!

– I’m 18 and a beauty Queen! – Cantava Annie. – Tá, mentira, tenho 20, mas to na WARPED! – Parece histeria demais pra uma segunda Warped, mas é porque não pudemos ir no ano passado por ALGUMA RAZÃO. Então é como se fosse a primeira vez na Warped novamente.

Só eu permanecia em silêncio.

– O que foi, Em? Você tá tão calada. – Disse Jenn. – Não está animada?

– Estou, claro. Vai ser demais.

Todas me olharam.

– Não Emily. Tem algo acontecendo, conta. – Disse Annie.

– Acho que estou com um pouco de dor de cabeça, mas ta tudo bem. Vai ser DEMAIS! – Forcei um sorriso. – Tocar com bandas como The Maine, Never Shout Never!, Panic! At The Disco, 3oh!3, ALL TIME LOW… – Lancei um olhar significativo para a Jennifer. Acho que ela entendeu.

– Que fome! – Gritou, de repente. – Vou comer uns cupcakes, alguém me acompanha?

– Não, to sem fome. – disse Lizzie.

– To com preguiça… – Frase favorita da Annie.

– Em? – Jennifer me chamou.

– Eu topo, vamos.

Quando já havíamos saído do apartamento da Annie e estávamos fora do alcance dos ouvidos das duas, Jenn me encarou, e depois de um suspiro disse:

– Em, você precisa superar isso. Eu sei que faz apenas algumas semanas, mas foque-se na música. Agora a coisa ta ficando realmente séria, não queremos correr o risco de perder mais uma Warped. Você não pode deixar o Alex destruir tudo isso.

Assenti.

– Vou tentar.

– Emily, não fica assim! Pensa em quantos gatos vai ter nessa Warped! Vai dar tudo certo, confie em mim.

FLASHBACK OFF –

A Starbucks que a gente estava era a mais próxima, e mesmo assim ficava a uns 3 quilômetros do nosso ônibus. Eu sei, estamos numa turnê independente e dormimos num ônibus e não num hotel. Mas isso foi opção nossa. A gente fica no máximo dois dias em cada cidade, é muito cansativo ficar pulando de hotel em hotel cheias de malas, então ficamos no ônibus mesmo. Acabou sendo mais fácil para todas nós.

Hillary sempre dizia que a gente podia gastar o dinheiro da gravadora, mas ninguém achou necessário. Por enquanto.

Levamos sorte, nenhum fã nos parou. Não é muito bom quando um fã te reconhece na rua. É claro que é ótimo ser reconhecido pelo seu trabalho, mas se você tira foto e dá autógrafo pra um, de repente já tem uma fila de 100 querendo a mesma coisa. E se você fala que não vai dar pra atender todo mundo, no dia seguinte haverá uma manchete em algum tablóide dizendo que você maltrata seus fãs. É complicado.

Já passava das quatro da tarde, tínhamos que chagar logo para pelo menos tomarmos um banho e ficarmos apresentáveis para o pessoal da gravadora. Foi uma caminhada engraçada, provavelmente não nos reconheceram porque estavam ocupados demais olhando para a Jennifer.

Com seus longos cabelos castanhos e seus olhos ora cor de mel ora verdes, Jenn geralmente consegue a atenção masculina. Não que nós fossemos feias, Jennifer era apenas a mais bonita. A gente simplesmente morre de rir, é quase impossível comermos em qualquer lugar sem que o garçom dê seu telefone a ela.

Uma vez a gente fez uma aposta, e em apenas um dia ela conseguiu 29 números de telefone. Eu sei, isso é chocante.

Enfim, chegamos à reunião em cima da hora, e ela foi mais rápida do que eu pensei. Durou apenas 40 minutos. Eles nos disseram que iríamos fazer uma turnê mundial em dois meses, mas a gente já sabia disso (Hillary tinha nos contado); mesmo assim tivemos que fingir surpresa.

Vai ser cansativo, mas nada se compara a rodar o mundo com a sua música, e graças a ela. Passaremos pela Austrália, quase toda a Europa, Brasil, Argentina, Canadá, e finalizaremos com um show gigante em Nova York. Mais duas bandas nos acompanharão em parte do trajeto, só que ainda não foram definidas.

A novidade era que teríamos 2 meses livres!

Saindo da reunião, me lembrei que ainda tinha de pensar em maneiras para amenizar o desastre que seria a noite de hoje.

– Annie, Saporta está por aqui?

– Erm… na Philadelphia? Não, por quê? – Revirei os olhos.

– Não aqui, na Philadelphia, mas aqui por perto, né. Dã.

– Na verdade, está sim. Mas por quê?

– Você devia chamá-lo para ir conosco hoje.

– Ah, é mesmo! – Deu uma risadinha. – Porque eu não pensei nisso antes? Vou ligar pra ele! – Sorriu.

Depois de alguns minutos e muitos “Amor”, “Fofuxo”, “Baby”, “Berinjela” e “Desliga você” vindos de ambas as partes do casal, ela finalmente desligou o telefone.

– Gabe vai conosco, isso não é ótimo?

Jenn e Lizzie me fuzilaram.

– Isso não tem nada a ver com você não, né Em? – Lizzie perguntou.

Obviamente, neguei.

Assim, não é que nós não gostamos do Gabe. Ele é legal, Annie é louca por ele. Mas… calma, como eu posso dizer isso? Bem, a gente tem quase certeza de que ele é gay.

– Annie, olha pra ele! É claro que ele é gay! – Dizia Lizzie.

– Ann, ele tava olhando a bunda do Caleb Thurman. Ele. É. GAY! – Dizia Jenn.

– Ann. Tudo indica que ele estava tendo um caso com Bill Becket! Preciso repetir MAIS UMA VEZ o que todas estamos querendo te dizer? – Dizia eu.

– Isso é mentira, ele não é gay. – Foi o que ela sempre respondeu, calmamente.

Ainda temos esse pensamento, mas achamos melhor ficar de boca fechada. É mais seguro.

Oito horas. Bem, na verdade já eram oito e meia, mas o Jack sempre foi atrasado mesmo. Gabe já estava com a gente, e como Jack iria fazer para levar 5 pessoas para uma pizzaria, eu não sei.

Estávamos sentados no sofá. Lizzie e Jenn conversando, Annie e Saporta se pegando no meu (eca!) bunk, e o nervosismo só crescia por baixo do meu vestido floral. Nem minhas botas de camurça favoritas conseguiam me acalmar.

– Quem está com fome? – Ouvimos Jack gritar do lado de fora. É, não tem mais como evitar. Peguei meus óculos Drew pra me sentir mais confortável.

– Emily! Já te falei pra não usar esses óculos com essa bota! – Disse Jennifer assim que me viu.

Na verdade, esses óculos têm uma história engraçada. Por causa do, hm, “incidente”, Christofer e eu somos amigos até hoje.

–FLASHBACK ON– (2 anos atrás)

– Não acredito que estamos em Pariiiiis! – Disse Jenn, estrondosamente – A capital mundial da moda! Ei, Em, está tendo a Fashion Week, que tal se entrarmos sorrateiramente em alguns desfiles, huh?

Revirei os olhos.

– Não importa aonde a gente vá, você sempre pensa em moda, né Moore?

– Mas eu estou tão animada!

– É, eu percebi.

– Alegria Emily! Imagina quando a gente for superfamosa? Poderemos vir a Paris quando quisermos!

Era nossa primeira vez em Paris. Eu estava sozinha com a Jenn. Meus pais haviam me dado a viagem de aniversário de 18 anos. Tínhamos formado a banda há uns dois anos, e só agora estávamos conseguindo certo destaque em alguns festivais dos EUA. Mas eu só tinha direito a uma acompanhante. E Jenn era minha amiga mais próxima na época.

Nosso hotel era divino. Divinamente horrível. No quarto tinha apenas uma mini cama de casal, que mal cabia nós duas. E tudo no frigobar, além de ruim, custava uma fortuna. Seis euros por uma garrafinha de água? Isso são tipo dez dólares!

Tínhamos uma semana livre para fazermos o que quiséssemos, então nem ligamos muito pro hotel. A gente só ia usá–lo pra dormir, não é? Quando a gente fosse dormir. Foi uma semana muito louca.

Mas nada se compara ao terceiro dia.

Estávamos no Louvre. Estava quase na nossa vez de ver a Mona Lisa (que, aliás, era um quadro pequeno demais para uma fila enorme daquela) e estávamos esperando na fila há quase uma hora, quando Jennifer começou a dar tapas violentos no meu ombro.

– Emily, olha, olha, olha! – Ela dizia baixinho – É o Christofer Drew!

– Não brinca! – Sussurrei de volta. – Assim que vermos a Mona Lisa vamos lá falar com ele.

– Não podemos esperar! Vai que ele vai embora?

– Jennifer. Eu estou há mais de 40 minutos nessa droga de fila pra ver esse maldito quadro e tá quase na nossa vez. O Chris pode sim esperar mais 5 minutinhos.

– Por favoooor, Em! É o Chris Drew! Duvido que ele espere pela gente. – E lá veio aquela maldita cara de cachorro abandonado que ela sabe que sempre me faz ceder. Encarei-a por alguns segundos.

– Eu não acredito que você está me convencendo a fazer isso. – Resmunguei e começamos a sair da fila enquanto Jenn sorria triunfante.

Mas foi aí que aconteceu a coisa mais louca.

Estávamos indo em direção ao Drew, que estava sentado num banquinho de costas pra nós a alguns metros. De repente, Jenn pisou numa pedra que surgiu do meio do nada e, para não cair, segurou-se em mim. O que foi uma PÉSSIMA ideia, já que eu não estava nem um pouco a fim de cair, então me apoiei na primeira coisa que eu vi, que por sorte era uma pessoa, e por azar, tinha uma bandeja com uns três copos de café que foram parar na cabeça do Christofer Drew.

E o cara começou a gritar comigo em francês e eu simplesmente não sabia o que fazer.

Mas senti que devia desculpas ao Chris, então tentei chagar o mais calma possível para não assustá-lo ainda mais com um ataque de fã.

– OMG, CHRIS DREW! FOI ELA QUEM ME EMPURROU, ME DESCULPA! – Apontei pra Jennifer. – Por favor, não me processe!

Pra minha total surpresa, ele começou a rir.

– Te processar por derramar café em mim? Acho que isso nem é permitido! – Riu, mesmo coberto de café.

– Me desculpa, muito mesmo! De verdade, posso fazer alguma coisa? Ai meu Deus, por favor, me diz que você ta bem! – Eu estava completamente desesperada.

– A última coisa que eu esperava do Louvre era isso. Não se preocupe, eu estou bem. Só acho que queimei minha testa, mas estou bem, sério.

– Não, de verdade, deve ter algo que eu possa fazer. Deixe-nos apenas mandar sua blusa pra lavanderia.

– Não precisa.

Mas ele viu que não íamos desistir tão fácil.

– Tá, já que insistem… – E começamos a andar em direção a lavanderia. Por sorte, o Chris falava francês, então encontramos uma lavanderia bem fácil.

Quando finalmente resolvemos isso (Jenn pagou, eu estava sem dinheiro. Até hoje ela me cobra os 23 euros), eu perguntei:

– Aceita um café? Por conta dela – Apontei pra Jennifer, que me fuzilou com o olhar.

– Acho que não vou tomar café por um tempo. – Ele riu – Não se preocupe Jennifer, não vou mais tirar seu dinheiro.

– É bom mesmo – Ela respondeu entre risos, e eu lhe dei um tapa.

– Sorvete? – Ele ofereceu, e aceitamos

Quando me dei conta, estava tomando sorvete com o Christofer Drew em Paris.

É, a vida é cheia de surpresas.

Mas, infelizmente, ele recebeu uma ligação e teve de ir.

– Foi ótimo conversar com vocês, garotas. – Ele sorriu. – Tenho que passar o som para o show de hoje à noite. Aliás, vocês duas são minhas convidadas especiais. Se quiserem, podem aparecer! – Ele se levantou e foi pagar nosso sorvete. Mas esqueceu os óculos na mesa. Não eram óculos de sol, e sim de grau, mas sem grau. Acho que talvez ele estivesse com lentes de contato, e usasse os óculos só por charme, mesmo.

E eu nem hesitei em colocá–los no meu rosto.

– Em! Tira isso! – Dizia Jenn, morrendo de rir.

– Não mesmo! São os óculos do Chris Drew!

– Ficaram bem em você. – Ele surgiu atrás de mim.

Eu adoraria dizer que ele me deu os óculos de presente, mas não foi bem assim.

– Mas eles são meus. Anda, me devolve.

Neguei com a cabeça.

– Sério, Emily, preciso deles. São meus favoritos. – Ele riu.

– Você tem outros? – Perguntei.

– Tenho, mas eu gosto desses. Vai, me devolve.

– Hm, não! – Dei um beijo na bochecha dele e saí correndo e gritando “Au revoir, Chris Drew”. Jennifer me acompanhou quase caindo de tanto rir.

–FLASHBACK OFF–

Saindo do ônibus, vi que todos me esperavam. Todos me cumprimentaram. Menos o Alex, é claro. Mas não vi nenhum veículo. Segundo Jack, pegaríamos um táxi no meio do caminho. Idiota. Ele não poderia ter simplesmente vindo em um táxi, e o Alex em outro, aí iríamos com esses mesmos táxis até a pizzaria. Não. Ele teve que vir com o Alex em um único táxi e ainda dispensá-lo depois! Tinha que ser o Jack mesmo.

Antes que ficasse tarde demais, começamos a andar.