Stellarium

CAP.4, Epi.1: A runa que desenha o ar


— Então... podemos começar? — perguntou Rashidi, forçando um sorriso que não inspirava confiança.

Antes que alguém pudesse interrompê-lo, ele passou a concentrar os seus poderes, sentindo a energia emergir por cada uma de suas células. Conforme os segundos passavam, mais Rashidi sentia o seu corpo se tornando mais leve, e a energia agora mudava a coloração de seus olhos para um branco puro e brilhante. Ele deixou um suspiro escapar, e com a mão direita estendida, passou a desenhar algo no ar.

Uma runa. Uma única e solitária runa violeta.

Para um Vesper, aquela runa sequer faria sentido, visto que não existiria conceitos naquele universo para nomeá-la, e se não fosse as imperfeições de suas curvas, poderia ser facilmente confundida com uma magia roubada de um Primordial.

Ela soava como poesia.

Não era destrutiva como a erupção de um vulcão ou serena como a luz do luar banhando uma paisagem noturna. Ela não tinha forma, cor ou sabor, como se sua concepção tivesse saído da imaginação de uma criança — e, ao mesmo tempo, também fosse algo tão precioso quanto um abraço materno. Uma runa que significava tudo, mas que também não significava nada, e apenas Rashidi poderia compreender a sua grandeza: era dali que vinha o seu orgulho de Vesper de Fulgor F.

A runa passou a emanar um brilho semelhante ao cristal que Void mostrara mais cedo.

— O-o que...?! — Ayase estava espantada demais para completar a sua frase.

— Não se preocupe, não vai demorar muito tempo — sussurrou Void, tentando transmitir segurança.

Os passos seguintes costumavam ser os mesmos: a runa detectaria a presença do aglomerado, absorvendo sua energia e possíveis toxinas, transformando-se em um cristal roxo cujo tamanho variava pela quantidade de energia consumida. Após isso, era dever de Void guardá-lo em um lugar seguro, visto que Rashidi dizia não poder tocá-lo. Geralmente era um trabalho rápido e sem muitos contratempos, além de também evitar as possíveis sequelas que a toxina do aglomerado era capaz de causar.

Daquela vez, porém, foi diferente: a runa que Rashidi desenhou havia desaparecido.

— M-mas o que aconteceu?! A runa... ela... — Ele resmungava de maneira nervosa.

— Tem algo errad—

— Você é surdo, Void? — Rashidi o interrompeu ainda mais aflito. — A runa que eu desenhei desapareceu!!

— Tem certeza que desenhou ela direito? — perguntou Void, não acreditando nas palavras de Rashidi.

— Como diabos eu erraria a runa de absorção, depósito de Rytuslam'te?

— Estamos falando de você, não é? — Deu de ombros. — E também que é uma runa nova... Eu não me espantaria se você a errasse algumas vezes. Pode ter sido uma falha mínima, tenta mais uma vez — sugeriu.

— ...

Rashidi pensou em respondê-lo grosseiramente, mas apenas respirou fundo e desenhou a runa mais uma vez, atentando-se aos mínimos detalhes que uma pessoa normal jamais seria capaz de notar. Quanto terminou seu serviço, tratou de observar a runa com maior delicadeza e percebeu que ela estava perfeita.

Em poucos segundos, porém, ela desapareceu ainda mais rápido que antes.

— O QUE DIABOS?! Argh, por que ela continua sumindo? — Ele levou as mãos à cabeça, tentando disfarçar o nervosismo que sentia bagunçando as mechas brancas de seu cabelo.

— Estranho... A runa foi desenhada da mesma maneira de sempre e ainda assim não teve nenhum efeito? O que você acha que pode estar dando errado? — perguntou Void, logo se voltando em direção à porta da Arcadia. — Você tem certeza de que há um fragmento aqui, Ribbon? Nem a própria residente de Atlansha conseguiu perceber uma mudança significativa no planeta.

De dentro da espaçonave, uma voz infantil pôde ser ouvida:

— Porque é um planeta morto, oras. O que aconteceria de diferente? — Ribbon respondeu sem cerimônia; algumas informações estavam fora de sua programação, e medir as consequências de suas palavras estava incluso nisso. — Não é como se o aglomerado fosse deixar o planeta mais escuro ou as águas mais turvas; ele nem foi o responsável por isso. Rashidi mesmo falou que Ribbon nunca errou nesse cálculo, então por que está desconfiando de Ribbon agora? Há um aglomerado nesse planeta sim.

— Não estamos desacreditando em suas palavras, mas—

— Então por que a minha runa não consegue detectar nada, maldita? — E mais uma vez, Rashidi interrompeu Void. — Você deve estar precisando de uma atualização no seu maldito programa!

— De fato, Ribbon precisa de uma atualização — sussurrou a voz infantil pausadamente. —, mas não por esse motivo. Rashidi tem certeza de que desenhou a runa da forma correta?

— De novo essa pergunta?! — vociferou Rashidi com o olhar furioso. — Quem desenha essa droga de runa sou eu! É claro que ela está certa, eu conseguiria identificar caso ela estivesse errada. Ela é a minha runa, esqueceu?

Void, que até o momento refletia silenciosamente na solução do problema, finalmente voltou à conversa:

— Já chega — disse calmamente, se aproximando da borda do compartimento. — Acho que já sei o que está acontecendo.

Ele se voltou à Ayase — que mantinha-se quieta diante da situação — e fez uma versão diminuta do cristal ultravioleta emergir de sua manopla esquerda. Mais uma vez, o brilho roxo e caótico invadia a escuridão do planeta, fazendo Ayase sentir desconforto ao encará-lo por alguns segundos. Void estendeu a sua mão em direção à ela e disse:

— Segure isso pra mim.

Ayase desviou sua atenção para Ryuuki, como se pedisse permissão para executar aquele comando. O dragão-serpente assentiu com a cabeça de maneira silenciosa, e mesmo apreensivo com o que poderia acontecer, desenrolou o seu corpo em direção à Arcadia, criando uma ponte que levaria Ayase até o estranho monstro metálico que flutuava nas águas negras de Atlansha.

— Obrigada, Ryuu! — A garota agradeceu com um breve sorriso, e finalmente desceu da onda.

A cauda de Ayase se recolhia gradativamente, revelando um par de pernas decoradas com escamas translúcidas, como um dia eram suas barbatanas. Quando a cauda parou de encolher, transformou-se um elegante vestido assimétrico, cuja parte das costas desciam sob camadas e mais camadas de tecido multicolorido e transparente, brilhantes como a concha que pendia de seu pescoço.

Ela tocou as escamas metálicas de Ryuuki com os pés descalços, caminhando lentamente em direção a Void.

"Então era essa informação que a chave de acesso Daemonia escondia? Curioso", perguntou Void para si mesmo.

Quando parou de frente a Void, Ayase pinçou o pequeno fragmento com os dedos, passando a observá-lo cuidadosamente. Mesmo sendo tão minúsculo, o brilho que irradiava era nauseante, a fazendo refletir sobre o que realmente era aquela cristal; "Como assim 'não pertencem ao nosso universo'?", perguntou para si mesma, sequer compreendendo o significado das palavras que pensou.

Várias perguntas surgiam na cabeça de Ayase naquele momento ("Qual o problema desse cristal?", "Ele é tão perigoso assim? Parece apenas uma quinquilharia brilhante que encontramos em qualquer lugar em Althum", "O Ryuu sabe qual é a origem dessa coisa?", "Por que teria algo assim em Atlansha?"), e ela já estava pronta para confrontar Rashidi e Void; antes que pudesse confiar naqueles estranhos, precisava de respostas.

Porém, ela foi forçada a voltar à realidade quanto o fragmento se desintegrou em suas mãos.