Capítulo IV

A Fábrica de Brinquedos

Outra vez, pela ultima vez, nós estávamos reunidos na sala de estar, dessa vez com um grupo levemente diferente…

Uma garota com um coração a vapor, um homem de dupla personalidade e um engenheiro caprichoso. Além de um cientista insanamente louco. Esse grupo estava esperando que um robô anunciasse que eles haviam enfim chegado a seu objetivo…

Não havia mais palavras a serem ditas, apesar de tantos problemas no nosso caminho, em breve teríamos que cruzar a fronteira…

Havíamos feito preparações, naquele mundo eu tive a sensação de que precisariamos nos preparar extensivamente para cruzar a fronteira, assim o fiz, nós preparamos “mercadorias” credenciais falsas, demos um papel para todos os membros da tripulação, o dirigível havia sido modificado manualmente para cumprir sua parte de enganar os olhos alemães e…

Tendo em mente o que houve no outro mundo, seria lógico imaginar que tal coisa se repetiria, seríamos parados por alemães ao cruzar a fronteira e teríamos que falar algo para escapar, possivelmente cairiamos de novo, talvez tivéssemos que repetir toda aquela história.

No entanto…

Bem, nós passamos sem problemas, sequer vimos sinais de alemães por perto.

O caminho então até Berlim foi tão fácil quanto antes, assim que tivemos a chance, nós descemos das nuvens, vimos um grande campo aberto e um pouco longe… a fábrica…

Uma construção feita a alguns vários anos, uma vinda do inicio da revolução industrial que vimos advinda do poder do vapor. Se houve algum dia que ela era uma humilde, mas harmoniosa construção, esses dias haviam passado. Agora o que eu via era as várias camadas de cimento expostas, buracos por cada lado que via, paredes estouradas e diversas caixas jogados aos ventos ainda do lado de fora.

A ferrugem era evidente para onde que fosse, nossos olhos não podiam fugir daquela visão, também não escapariamos do cheiro forte da poeira que chegava a atrapalhar nossa visão do lado de dentro.

Nós entramos sem temer, por uma brecha que era feita pela porta que estava a alguns centímetros de fechar definitivamente.

Foi bem ai que…

—Um momento, eu preciso ver isso…

Depois de tudo que havia acontecido, eu não estava fazendo muito mais durante as viagens do que brincar com os instrumentos de ciência que haviam naquele dirigivel, não eram muitos, mas… eu acabei tendo uma ideia que imaginei poder ser util para mim quando chegasse lá… mais cedo Haaji havia me feito uma pergunta que… estranhamente, não seria a ultima vez que eu a ouviria:

—Er… o que são esses óculos?

Eles provavelmente se referia a um par de lentes que eu tinha, pois apesar de terem o formato de óculos, as suas lentes tinham um claro e forte tom rosado sobre elas, que, obviamente, havia certa função…

Pois ao chegar na fábrica, ao abrir o compartimento onde aquele liquido rosa estava, eu imediatamente vi uma mudança que… não era natural.

O que havia lá era um reagente bastante sensivel, um que reagia ao ar e perdia sua cor, quanto mais rápido fosse a mudança, era evidência de que haviam mais pessoas por perto.

Eu prestei atenção, havia feito calculos do tipo de mudança que seriam esperadas quando todo meu grupo estivesse junto e após alguns momentos…

—Achei, nós conseguimos. Definitivamente tem alguém nessa fábrica, eu não sei onde, mas… tem.

Quando afirmei isso, eu ouvi o som de todas as armas do grupo sendo sacadas. Facas, revolvers e fuzis, logo eu segui e puxei minhas armas de mão também, agora seguiriaimos em frente, em busca das pessoas que deviam estar por aqui.

O primeiro ponto de nosso interesse foi acima, pois acima de nós, havia escadas de bronze enferrujada que levavam a alguma outra sala a qual não conseguiamos identificar daquele angulo, o grupo seguiu em frente, com Haaji na linha de frente. Até aquele lugar.

Apesar da escada parecer frágil, rangendo a cada passo que davamos, exceto os da Yuki, por razões que imagino serem óbvias para qualquer um, nós ainda assim conseguimos a atravessar sem maiores problemas e chegamos aquela sala estranha.

—Hum… isso é um escritório, mas não tem nada aqui…

Era um ponto abandonado, aquele lugar havia sido intocado por um bom tempo, tudo estava empoeirado e com teias de aranha, o resto do grupo resolveu conferir de perto, checando gavetas e forçando alguns cadeados a abrirem para que pudessemos checar o que havia dentro.

Para mim, era mais produtivo continuar a prestar atenção na mudança de cor da minha invenção, essa que…

“Estamos perto, esse deve ser o caminho certo”

Nós seguimos em frente, logo após o escritório, havia um longo corredor que dava até alguma outra sala, por aquela direção, eu sentia que estava cada vez mais “cheio” assim por dizer, parecia que as minhas leituras ficavam mais fortes por lá.

Assim, nós seguimos, mas dessa vez eu fui na frente, prestando atenção a todo tipo de coisa.

Porém, aquela porta também nos levou ao que parecia uma sala abandonada ao tempo, essa ainda mais vazia que a anterior, exceto por…

Uma invenção modernissima, algo que não deveria estar em uma fábrica abandonada de forma alguma, na verdade, uma que sequer parecia ter lugar em uma fábrica normal.

Era um computador.

—Aiwa, você pode analisar isso?

—Claro…

Eu me aproximei da máquina, uma caixa de bronze enferrujado, com poucas marcas de queimadas, muito maior que um rádio, com uma tela de algo parecido com vidro e… um teclado que possuia caracteres alemães.

Ao o ligar, fazendo ele até tremer e quase se desmontar pela força das engrenagens que rodavam dentro de si, ele também mostrava texto em alemão, contudo o que era pedido era um código de entrada.

“Essas porcarias realmente tem isso, são mais seguras que cofres até, pelo menos com algo assim você não consegue só explodir… hum… o que vai ser?”

Pensei um pouco, cheguei a considerar pedir que o robô fizesse algo, antes de lembrar onde Cake havia ficado.

“Sim, observando o nosso dirigivel… então eu estou sozinho nessa, vou tentar o meu melhor”

Não havia como adivinhar o código, eu nem sabia quem havia feito aquela porcaria, poderia forçar com o overclock, porém isso não seria nada bom, ainda mais pensando que em breve poderiamos entrar em algum conflito com seja lá quem estivesse naquela fábrica. Minhas leituras indicavam até dez outros indivíduos, fora meu grupo.

Assim, minha unica opção era tentar mexer naquilo.

Porém, eu lembrei como aquelas coisas funcionavam, a base era algo que eu entendia perfeitamente, engrenagens e vapor, portanto em vez de quebrar o código com as ferramentas dadas pelo sistema em minha frente, eu resolvi me levantar e abrir aquele computador.

Com algumas alterações, ao identificar certos sistemas e os pistões que pareciam coordenar a entrada, eu apenas desliguei alguns deles e quando voltei…

—Ha! Eu consegui! Essa foi fácil até demais.

As informações que consegui… elas eram pertinentes ao que ocorria naquele laboratório exatamente no dia em que estávamos, exatamente no ano em que estávamos, 1913.

“A conferência dos cientistas exilados começara logo, nós temos um novo participante desta vez… o gênio inglês Edwin Thursby… ele veio até nós com uma proposta que falou ser irrecusável e… seu projeto lendário do coração a vapor. Contamos com a presença de todos os nossos membros no próximo encontro.
Que a verdade nunca nos abandone”

E aquilo não era tudo, eu vi bem que havia informação de várias outras conferências daquele grupo o qual havia descoberto a pouco, vários outros encontros…

Tentei olhar através deles, os outros logo se juntaram quando viram que eu havia conseguido algo que parecia bem importante, mas logo desistimos, buscava padrões e pistas do que exatamente o grupo que se reunia naquela construção abandonada era, porém o nome extremamente preciso deles já dizia tudo o que parecia ser fixo e imutavel neles.

“Foi inutil então… além disso, Edwin realmente não saiu da Inglaterra por um sequestro, ele veio até esse grupo estranho por sua própria decisão… aparentemente ele é um traidor, então…”

Havia suspeita de tal possibilidade dos agentes ingleses, eles haviam deixado tal coisa clara para mim, assim como haviam dito…

—Você pode terminar o coração sozinho, então se o Edwin tiver traido nosso império… acabe com ele, da forma mais direta possível.

Foi essas as palavras dos agentes ingleses que eu consegui lembrar, não havia como interpreta-las de outra maneira senão de que a minha missão de resgate, naquele momento, havia se tornado uma de assassinato. Apagar vestigios.

—Vamos continuar em frente…

Eu falei logo, mantendo em mente o que havia comigo desde sempre, pois temi desde o inicio que tal coisa pudesse ser verdade, Edwin não era o tipo de homem a ser sequestrado, ele se preparava para todo tipo de coisa e não podia ser enganado por meios ortodoxos, portanto… poderia dizer que eu só precisava de uma confirmação da minha terrível teoria. E ainda assim, minha resolução era…

“Ao menos deixarei ele falar, talvez Edwin possa explicar isso, eu não acho que sua explicação servira de algo, porém…”

Meus pensamentos foram abruptamente interrompidos, quando minhas leituras aumentaram repentinamente, eu não via ninguém por perto, aquela veloccidade ainda, eu não tive duvida….

—Cuidado!

Ao olhar para os lados, para baixo e enfim para cima, foi quando eu encontrei a fonte da forte leitura, a unica coisa que poderia ter feito uma leitura como aquela era uma máquina algo que equivalia nas minhas leituras como algumas dezenas de humanos.

Não uma máquina qualquer, um robô, um automatro gigantesco, com o corpo que quase batia no teto daquele local.

Eu não fiz a comparação naquele dia, porém agora lembro, era exatamente o mesmo corpo do robô que Edwin guardava em seu esconderijo, mas dessa vez, não havia cabine alguma, nenhum “piloto fantasma” que eu pudesse facilmente atacar…

Imediatamente todos nós começamos a recuar daquela monstruosidade, tomando cobertura em duas pilastras dispostas no corredor, antes dele começar a atirar.

Haaji foi atingido, foi bem em sua perna, que quase explodiu com aquele impacto absurdo, contudo, ele ainda conseguiu entrar em cobertura, ele ainda segurava em seu fuzil.

Eu também, fui atingido, apesar de ter sido apenas um que não pegou verdadeiramente, tamanho era a velocidade e peso da bala, que eu imaginei se o sangue perdido não seria o suficiente para me fazer desmaiar.

“Droga!... aquilo deve ser um guardião, nós devemos ter chegado perto demais!”

—Aiwa! Como eu destruo aquela coisa?!

—Não faço ideia! Tenta atirar na arma dele!

Então Haaji pôs seu fuzil para fora do esconderijo, com apenas seus braços indo junto, ele decidiu atirar cegamente, parecia melhor do que se expor aquele monstro.

Me escondendo de lá, eu via o absurdo da resistência, as balas dele eram feitas para penetrar esse tipo de monstro, tanques dentre outros, contudo até mesmo aquelas balas estavam encontrando dificuldade para atravessar a carapaça que cobria o robô.

Isso, ao menos, deixava ele bem lento e se havia alguém que podia tentar tomar alguma vantagem daquilo… Yuki poderia.

Com um salto, usando a sua força extrema conferida pelo coração, ela pulou aos ares e se colou naquele monstro, a sua arma branca, felizmente, eu havia a tentado modificar também naquele mundo e ela a usou na outra arma daquele monstro, algo que parecia um lançador de granadas…

—Yuki! Sai dai!

Eu gritei quando vi o que acontecia, ela talvez soubesse do que estava prestes a fazer, talvez não, talvez o coração tivesse feito seu corpo ser rápido demais para sua mente acompanhar, tal qual, a deixando sem ideia do risco que corria.

Pois ao colocar todo o combustivel da faca em um unico golpe, naquele ponto.

Uma enorme explosão soou por aquele esconderijo…

O braço do gigante foi destruido por completo, sua carapaça, a que cobria seu corpo foi despedaçada, agora a caldeira, assim como as engrenagens que constituiam seu corpo estavam todas exposas, ao mesmo tempo…

Eu vi… voando pela janela, levada pela onda de choque da explosão… Yuki voou, claramente, já inconsciente.

—DROGA!

E como um homem que não podia aceitar derrotas de qualquer tipo, Christian perdeu a calma, ele ainda não havia atirado, mas isso mudaria.

Pulou para fora da cobertura, agora mirando seu revolver, ele usou algo que era como a técnica de seu pai, ele atirou diversas vezes, como se soubesse tanto quanto um outro eu sabia, ele mirava nos pontos “vitais” daquele monstro e atirava sem parar, não era refinado como o mercenário Christopher, eu podia discernir ainda o som de dois até três tiros, ainda assim, era um pouco impressionante.

Haaji também, continuou a atirar daquela forma, com as toneladas de munição que ele carregava consigo, as quais pareciam nunca acabar, ele continuava atirando e cada vez mais, o monstro se despedaçava.

Foi quando eu percebi, que devia tentar algo.

Puxando meu mais perigoso revólver, um que tinha balas tão grandes que eu só podia colocar cinco no tambor de uma vez, eu lembrei a posição do robô, mirei em uma parede, na minha mente… os fios que faziam a trajetória da bala apareceram, o corredor inteiro em minha mente e…

Eu atirei, o som foi quase como da explosão vinda mais cedo, então, mesmo sem vê-lo, eu sabia que uma bala havia acertado no monstro de bronze.

Apesar de segurar com ambas as mãos, eu quase perdi o pegar naquele revolver após atirar, era realmente uma potência a qual não veriamos todo dia.

E assim… pois sua carapaça já havia sido pesadamente danificada, apesar dele ainda estar atirando contra nós, o robô não durou muito tempo e eventualmente, todos os sons de tiro pararam e… estávamos exaustos, feridos, haviam perdido um de nós, porém…

Agora o que havia em nossa frente poderia muito bem ser uma estátua, não daria para perceber a diferença.

E logo após… estava o corredor que nos levaria ao fim da jornada.