Nossas interações se resumiam principalmente a provocações e implicâncias, não éramos assim tão próximos, mas poderia dizer que nos conhecíamos o suficiente (ou pelo menos era o que eu achava). Natsu era o palhaço da turma, um encrenqueiro profissional que fazia qualquer professor ficar à beira de um ataque de nervos, a diretoria era o lugar em que ele mais frequentava logo depois do refeitório, o que me fazia pensar em como ele ainda não havia sido expulso, talvez seria por conta das notas altas? Provavelmente. Natsu tinha seus contatos para conseguir colas (eu era um deles aliás), ele não era nem um pouco estudioso, preguiçoso demais para escrever mais de duas linhas no caderno durante as aulas. Não era um rapaz inteligente, mas era esperto.

Mas apesar das nossas infindáveis discussões e desentendimentos ainda nos dávamos muito bem, eu não era uma pessoa fácil de se tirar do sério, mas ele parecia me ler como ninguém. Como quando em um dos meus poucos momentos de paz que Natsu veio me perturbar.

—Veio na praça pra ficar com a cara enfiada num livro foi? Cê mal sai de casa e quando sai carrega sua biblioteca junto?

Sua frase me fez revirar o olhos e o encarar, o sorriso de divertimento se estampava no rosto dele como sempre, ele sentou-se ao meu lado espiando a capa do livro sem muito interesse aparente.

—É um dos lugares mais tranquilos pra ler ao ar livre, veio aqui só pra encher o saco? –Mesmo com meu tom de voz ele não se importou, apenas pegou o livro da minha mão e saiu correndo me fazendo passar longos minutos caçando-o pelo parquinho, e devolvendo-o apenas quando viu que eu não conseguia acompanhar o mesmo ritmo que ele. Sentamos na grama cansados e dando gargalhadas, mas não antes de eu usar o livro pra acerta-lo na cabeça.

—Vai ter uma festa hoje á noite lá perto do espelho d’água... e você vai. –Natsu descansava deitado na grama com os braços por trás da cabaça lhe servindo de travesseiro.

—Não vou não. Amanhã eu preciso acordar cedo pra ajudar a Erza a estudar pra prova de quarta-feira. –Expliquei, mas ele balançou a cabeça negativamente e me olhou desafiador.

—Eu vou te buscar, loira. Se prepare que ainda hoje eu apareço na janela da tua casa!

E antes que eu pudesse dar qualquer resposta, ele se levantou, tirou o pouco da grama que havia ficado em suas roupas e saiu sem dizer mais nada. Me deixando confusa e curiosa ao mesmo tempo.

Foi por volta das oito horas quando ele me mandou uma mensagem que estava vindo me “sequestrar”. Eu já estava pronta quando ele veio bater na minha janela, como o desgraçado conseguia escalar até o segundo andar com tanta facilidade era um mistério que eu nunca conseguiria descobrir. Ele usava uma blusa preta simples, calça jeans e o cachecol que nunca deixava de usar, eu usava apenas um vestido azul que ia pouco abaixo dos joelhos e sandálias, nem me dei ao trabalho de pegar uma bolsa.

O caminho foi num silencio confortável e a música que tocávamos quando chagamos era maravilhosa, eu podia até mesmo ver alguns rostos conhecidos pelo local.

—Não foi nenhum sacrifício sair de casa, foi loira? –Ele pergunto perto do meu ouvido. –Relaxa, a noite ainda nem começou! –E então me puxou para dançar.

Não sei quantas músicas dançamos, nem que horas eram e nem o motivo de eu estar adorando tudo aquilo. Mas o sorriso largo no rosto de Natsu conseguia ser contagiante não importasse a situação.

Saímos da festa seguindo um caminho de terra até o espelho d’água, o lago fazia jus ao nome, refletindo lindamente a lua e estrelas em sua superfície. Encontrei uma árvore pra me encostar e Natsu deitou-se como havia feito no parque naquela manhã. E conversamos sobre coisas bobas, sobre como a Erza ficava completamente sem chão quando estava ao lado do Jellal e como o mesmo ficava acanhado e sem jeito ao conversar com a ruiva, ou como a Cana virou um litro de vodka pura e mais alguns corotes e que iria acordar na tarde do dia seguinte sem saber o próprio nome.

Acabei confessando minha mágoa pelo fato de meu pai nunca apoiar meu sonho de ser escritora e dizer que eu deveria investir meus estudos à medicina ou advocacia. Seu medo de não conseguir publicar algum livro no futuro ou que não conseguisse escrever uma boa história.

—Cê se preocupa muito com o que você não pode mudar. –Ele sentou-se e jogou uma pedrinha que bateu na superfície do lago e afundou, ele fez uma careta pela tentativa falha e procurou por mais pedrinhas. –Vai ficar nessa sofrência pra sempre se continuar pensando só nisso sabia? –Lançou mais uma pedra, que desta vez quicou duas vezes e sumiu na água. –Olha as estrelas Lucy! Pensa nas coisas impossíveis que e doidas poderíamos fazer! -Ele disse quando a água se fez calma e o reflexo podia ser visto novamente.

Eu observei o lago tentando processar as palavras do rapaz, a proposta parecia tentadora. A melodia da festa ainda podia ser ouvida ao longe.

—Que tipo de coisas doidas? –Perguntei finalmente, Natsu riu e se levantou estendendo a mão pra mim, que a segurei mesmo que num reflexo. Ele me ajudou a levantar e me puxou junto a si.

—Dançar sozinhos na beira de um lago. Ir em aventuras épicas como as dos livros que cê lê! Entrar de penetra numa festa privada e fingindo sermos um príncipe e uma duquesa! Vamos agir como se fossemos uma luz estelar! –Dizia enquanto guiava os passos sobre a grama recém cortada.

—Esse último não faz sentido nenhum. –Eu ri enquanto olhava no fundo daqueles olhos cor de ônix, meu coração já batia descompassado no peito e eu já tinha a noção do rubor em meu rosto.

—Não precisa fazer. Não sonha com coisas impossíveis? –Ele parou a dança, mas nossos corpos continuavam próximos.

Somente a lua a as estrelas presenciaram o momento de loucura onde eu tomei coragem para beija-lo. As mãos dele apertaram minha cintura em surpresa (e eu riria muito disso tempos depois), nada mais existia ao nosso redor, nada de música ao longe, nem a beleza do espelho d’água ou o cheiro agradável de grama recém aparada. Deixei-me derreter no braços do rapaz à minha frente, ignorando as batidas frenéticas do meu próprio coração, entrelaçando os dedos pelos fios bagunçados de seu cabelo rosa. O beijo se encerrou apenas pra que retomássemos o fôlego, ele estava tão vermelho quanto eu e ostentava um sorriso bobo no rosto. Continuamos ali abraçados, afundei meu rosto naquele cachecol macio enquanto Natsu balançava nossos corpos de forma lenta, acompanhando a música que encerrava a festa daquela noite.

E só nós dois ali era como se realmente fossemos apenas como luz estelar... seja lá o que isso significasse.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.