Boh levou Chihiro para um lago, os dois sentaram-se lado a lado na grama macia e alta, admirando o reflexo do sol na água límpida. Não havia nenhum resquício de civilização. O lugar era lindo e desabitado, chegava-se a pensar que estavam em outra era.

- Você conhece tudo por aqui. - comentou ela, tocando algumas flores com a ponta dos dedos.

- Eu costumo sair muito para pensar. Tive que aprender a voltar para casa antes do jantar.

- Você vive aqui há muito tempo?

- Pouco mais de um ano. Tivemos alguns problemas e eu vim para cá com minha irmã. Tenho que agradecer muito a meus tios, foram muito bons para nós dois.

Chihiro teve vontade de perguntar quais eram os problemas, mas ficou calada. Sabia que às vezes é difícil se tocar em alguns assuntos.

- Não queria ser impertinente, mas...

- Mas o que? - disse notando a hesitação que acompanhava as palavras dela.

- Deixe para lá...

- Sabe que pode me perguntar o que quiser, Chihiro.

Algo no tom de voz dele, a fez encará-lo. Ela mordeu o lábio inferior.

- Você é diferente das pessoas da sua idade.

- Como assim?

- Não falou até agora sobre garotas, bebida ou festas. - franziu a sobrancela. - Você se afasta de sua casa para pensar no meio da floresta e consegue me ver de verdade. - corou com essa última afirmação. - Não que isso seja ruim, pelo contrário. E eu estou tagarelando.

Boh desviou o olhar do rosto de Chihiro, a qual ficou preocupada que tivesse dito algo de errado, mas notou um plácido sorriso nos lábios do rapaz.

Ele surpreendeu-a quando perguntou:

- Tem alguma noção do que quer de sua vida, Chihiro?

Ela enrubesceu, e ficou feliz por Boh encarar algum ponto a sua frente. Pensou em tudo que haviam lhe dito sobre o futuro, teria que ir para a faculdade e algum dia iria casar, ter filhos, uma vida normal. A idéia revoltou-a, por que tinha de ser da forma que eles queriam? Notou, que não sabia a resposta para a pergunta dele, nunca tinha pensado nisso.

- Eu não sei... - incerta. Boh virou-se novamente para ela.

- Sabe o que eu quero?

Chihiro fez um aceno negativo. A face dele se iluminou, ele esperou durante alguns segundos enquanto limpava a terra de uma pedra mais ou menos do tamanho de seu palmo, jogando-a no lado. Ela quicou duas vezes e depois mergulhou.

- Eu não almejo ser o melhor, ter destaque e chegar ao topo. Quero somente a calmaria e é isto que me faz ser diferente. Não ligo de ficar preso aqui para o resto da minha vida. - Chihiro estranhou o que ele disse, mas não mencionou nada. - Vou cuidar do templo quando meu tio morrer e vou viver, simplesmente viver. E isso será a magia.

O sol bateu em seus rostos, impedindo-os de enxergar claramente. A garota avaliou com cuidado as palavras dele e considerou-o verdadeiramente sincero. A obscuridão desaparecia. Sorriu.

- Quem compartilhar isso com você vai ser muito feliz.

Entristeceu-se novamente. Por imaginar que nunca seria completa, o coração era um fardo pesado demais para ela. Fechou os olhos. Boh encarava-a com estranheza, os dedos apertados em punhos. Por fim estendeu-os, encostando nas costas da mão dela.

- Nem tudo é eterno, Chihiro.

Ela entreabriu os olhos.

- Boh. - seus lábios formaram, era a primeira vez que deixava seu nome escapar dessa maneira. De onde surgia aquela familiaridade? Era como se... não sabia explicar. Como se em outros tempos hovessem se encontrado, sentia-se bem com aquele contato.

- Você não precisa estar sozinha, não mais...

- Quem é você?

- Um dia você vai lembrar.