Space Boy

Único; I loved you so much, Space Boy!


“E eu caí do pedestal

Direto para a toca do coelho

Para encurtar a história, foi um momento ruim

Empurrada para o precipício

Escalei novamente o penhasco

Para encurtar a história, eu sobrevivi”

(Long story short — Taylor Swift)

15 de julho de 2016.

Washington, D. C.

O mundo parecia cair do lado de fora, o vento forte fazia estremecer a estrutura metálica das janelas, por reflexo Will deu um pulo na cadeira. Beverly Marsh, sua fonoaudióloga, riu e disse baixo algo que não conseguiu compreender, apenas assentiu para não parecer rude.

Estava concentrado, após longos anos na justiça, havia conseguido o direito de regravar seus antigos álbuns e os revender, não era muito, mas já era um começo. Ah, maldita ex-gravadora! Maldito ex-empresário!

Tocava, cantava e treinava sua dicção na maior parte do tempo, durante todos os dias sem pausa, a garganta começava a doer e os dedos a formar calos devido às cordas do violão, sem contar nas feridas ao redor das unhas, efeito de sua ansiedade. As pessoas exigiam muito dele e isso o fazia se cobrar para sempre ser o melhor.

Encolheu-se ao ouvir outra trovoada.

Bev suspirou, conhecia os medos de Byers devido aos anos que trabalhavam juntos e de amizade. Entrou para a equipe, no pior momento de sua carreira, quando sua reputação jazia na boca da mídia, envolvido em polêmicas por seus direitos autorais e polêmicas com outras celebridades. Não importava a circunstância, apoiaria seu ídolo, agora também melhor amigo, até o último momento.

— Que tal uma pausa? — propôs abaixando as partituras.

— Mas ainda temos muito que treinar, isso tem que ficar perfeito — respondeu ofegante e entortou a garrafinha d'água, trêmulo.

— Assim que a chuva diminuir continuaremos, e estou recomendando isso como profissional e amiga — disse ela pondo a mão em seu ombro. — A propósito, estava arrasando como sempre, Willy. Não precisa se forçar tanto, se seus fãs te acompanharam até agora, mesmo após tantas polêmicas, é porque eles verdadeiramente amam você e seu trabalho.

— Acho que tem razão. — sorriu de lado. — Obrigado Bev, precisava ouvir isso. — comentou deixando o violão encostado na cadeira, se afastando do microfone.

— Disponha — alargou um sorriso. — Agora descanse, se alimente, se hidrate e relaxe a cabeça. — depositou um beijo em sua testa e bagunçou seus cabelos.

— Ei! — exclamou brincalhão, ambos riram.

— Irei tomar um café, já volto — avisou pegando um copinho limpo e mudando-se de aposento. Will sabia decodificar aquele “café” e seu real significado. Ela havia saído para fumar escondida de seu marido Ben Hanscom na varanda, por mais sermões que ele desse, a esposa ainda parecia longe de se desprender do vício.

Will soltou o ar pela boca e preparou um chocolate quente para si. Durante o preparo ligou o aquecedor, o ambiente havia esfriado radicalmente devido a chuva.

Dirigiu-se ao sofá e ao puxar sua bolsa, para ter espaço, viu algo cair no chão. Agachou-se e viu uma foto, uma foto muito velha de sua adolescência, sorriu nostálgico ao analisar os rostos joviais dos antigos amigos, tanta coisa mudou.

Sentado no sofá, reparou melhor naquele cômodo onde se encontrava, percebeu o quão grande, branco e espaçoso era, com janelas enormes — dando direito a uma bela vista paradisíaca —, móveis das cores branca e cinza, diversos instrumentos e equipamentos espalhados. Apenas seu sofá custava o quíntuplo dos móveis que possuía em seu pequeno quarto quando mais novo.

Riu com tal comparação.

E agora olhem só para ele! Dono daquela casa de campo que tinha apenas funcionalidade de ensaios e composições, além de outras duas mansões em seu nome, mas ali era de longe sua propriedade favorita, ali era um refúgio da vida corrida de artista, um local de ar puro onde poderia sempre colocar a cabeça no lugar, com uma energia maravilhosa que o ajudava a compor suas canções.

Voltou seu olhar para foto e passou delicadamente o indicador num rosto cheio de sardazinhas em específico.

A mídia vivia espalhando rumores de um suposto romance entre ele e Bev e uma grande parcela de fãs sustentavam aquela loucura, outra parcela absurda o apoiava com Richie Tozier, seu tecladista — este assumidamente bissexual e em um relacionamento sério com Eddie Kaspbrak —, e especulavam que Will fosse um possível gay enrustido — bom, sobre esse último argumento Will não poderia negar, só a família e amigos íntimos sabiam desse segredo.

Chegava a ser cômico quando se lembrava de seu primeiro amor, das coisas que deixou de fazer pelo medo, de como era brega aquelas malditas borboletas em seu estômago e suas bochechas coradas com um simples toque de mãos. Aquela paixão em particular, inspiradora de uma dúzia de suas canções, possuía nome e sobrenome: Mike Wheeler, seu melhor amigo da escola.

Foi durante um dia chuvoso como aquele que se conheceram.

17 de agosto de 1979.

Hawkins, Indiana.

Will estava balançando sozinho no parquinho, na verdade, apesar da pouca idade, sempre esteve sozinho.

Olhando aos arredores, viu as outras crianças brincando e interagindo, encolheu-se e encarou os próprios pés.

Escola nova nunca é fácil, ainda mais quando se é uma criança com dificuldade para se socializar. Suaria frio só de tentar dialogar um simples: Oi, tudo bem? Posso brincar com vocês?

Sua família — que consistia em sua mãe Joyce e seu irmão mais velho Jonathan —, havia se mudado para aquela cidadezinha após o divórcio turbulento de seus pais. Seu pai, Lonnie, era violento, bebia mais do que o recomendado e descontava suas frustrações na mulher e nos filhos, não se contentando apenas com os gritos, só se satisfazendo quando via sangue. O Will criança o descrevia como assustador, já o adulto o descreve, com um tom de desprezo presente na voz, como sádico e desprezível.

“Estamos nos mudando por questão de segurança, querido” sua mãe lhe explicou no dia da mudança, enquanto levava as últimas caixas de roupa para o carro, Will abraçava calorosamente seu ursinho. “Um dia você irá entender.” deu um beijo em sua testa e o abraçou.

Jonathan, no banco do passageiro da frente, tinha um semblante triste na face, cobrindo os hematomas com uma pesada blusa de frio, desejando que tudo melhorasse dali pra frente.

A mãe estava certa, Will só se deu conta da gravidade de tudo aquilo quando completou mais idade.

De volta ao parquinho, Will sentia a impressão de que estavam o encarando, rindo dele e disfarçando os olhares. Não era pra menos, dava pra acreditar que no dia anterior, logo na sua primeira semana, o caçoaram por causa de suas roupas simples e coloridas, seu corte de cabelo e jeito de falar?

Aconteceu na hora que a professora saiu da sala e o intervalo começou, uma rodinha de garotos mais velhos se formou ao seu redor, despejando comentários maldosos como: “Você veio da onde novato? Das ruas?” e “Com certeza é uma bichinha de merda! Meus pais dizem que eles são os esquecidos por Deus, pecadores sujos condenados ao inferno, uma mancha para a humanidade” e esses ainda eram os mais amenos.

O segundo comentário em questão o deixou reflexivo, o que seria uma “bichinha”?

Apesar de seu silêncio e incômodo visível, eles iniciaram uma perseguição, Will correu mais do que nunca e tropeçou durante o percurso, sendo salvo por um dos inspetores. Mesmo assim seus cotovelos e joelhos ralaram e arderam, mas aquilo não importava, o importante era que estava a salvo, pena que seu lanche não teve a mesma sorte…

Em casa, sua mãe não caiu na sua desculpa inventada quando questionou o motivo de suas roupas voltarem rasgadas e com manchas de sangue.

“Caso esteja com problemas pode falar pra mim, ok?” disse após inúmeras resistências do filho e o abraçou.

— Oi — um desconhecido se aproximou, tímido, acordando-o de suas lembranças. Will prendeu a respiração e apertou as correntes do balanço.

— Oi — respondeu com a voz baixa.

— Sou Mike Wheeler, estudamos na mesma sala.

— É, eu sei. Você se senta na fileira do lado.

— Posso me sentar com você? — perguntou exprimindo os lábios.

— Claro. — Concordou meneando a cabeça, receoso. O garoto se sentou no balanço ao lado.

Will o analisou melhor. Ele era cinco centímetros maior que si, de cabelos pretos e lisos num corte tigelinha, vestindo uma blusa listrada vermelha e branca e uma calça larga. Magro, bem magro e com um machucado acima do lábio superior. Não parecia ser perigoso.

— Então… qual é a sua cor favorita? — Mike puxou assunto.

— Não sei…

— Não? — ficou atônito e franziu o cenho. — Qual é o seu programa de TV favorito?

— Não assisto muita TV.

— Banda favorita?

— Eu ouço qualquer uma.

— Então... — fez um bico. — Do que você gosta?

— Gosto de RPG, meu favorito é Dungeons & Dragons, sempre jogo com meu irmão quando ele tá livre. — abriu um sorriso, ele realmente amava aquele jogo e, apesar de ter crescido, ainda era um eterno obcecado por D&D.

— Legal, também curto bastante RPGs e D&D, é uma pena minha irmã mais velha ser tão chata e achar um saco jogar comigo — torceu a boca. — Quem é seu personagem no jogo?

— “Will, o sábio”, sou o clérigo.

— Prazer, “Will, o sábio”, eu sou Mike, o paladino — apresentou-se e apertaram as mãos. — Bom, sábio clérigo, que tal aprender a balançar de verdade?

— Mas estou balançando.

— Igual uma tartaruga — Wheeler apontou. — Anda, vai ser divertido! Eu te empurro.

— Vai me empurrar?

— Óbvio.

Will pensou, as probabilidades de aquilo dar errado eram meio a meio, todavia como seu irmão aconselhou: para ganhar amizades era preciso arriscar, era preciso arriscar para tudo na vida.

— Ok, mas não vá muito rápido e nem muito forte, não quero sujar minhas roupas de terra.

— Claro, claro — Mike se levantou e ficou atrás de seu balanço. — Se prepare! — avisou assim que segurou firme as correntes e as esticou para trás, soltando-as com força.

O balanço, com o impulso, voou com tudo para frente, Byers segurou-se a fim de não cair, colou as pernas e sentiu um frio na barriga. Ao retornar, Mike deu outro empurrão, Will por meros segundos cogitou que seu corpo fosse se soltar e com certeza aquela queda não seria nada boa. Engoliu em seco. Sendo capaz de flagrar as casas vizinhas por cima da cerca.

— Mais devagar, por favor! — suplicou entredentes e Mike riu alto.

Errado, estava completamente errado em seu primeiro julgamento, Mike poderia ser sim perigoso.

Iria ser empurrado pela quinta vez consecutiva, quando Will escapou, pulando do balanço ainda na base. Bateu de leve na região das coxas para livrar-se da terra.

— Quase me matou! Disse para ir devagar! — cruzou os braços, ofegante.

— Desculpe — pediu rindo baixo —, mas quase te matar é um exagero.

Entreolharam-se, Will tentou manter a postura séria, contudo caíram na gargalhada, uma gargalhada estonteante e infantil, a barriga começando a doer.

O sinal tocou.

Mike pôs a mão no seu ombro, aos poucos se recompondo.

— Poderíamos marcar de jogar uma partida qualquer dia desses, se você topar é claro, digo, podemos ser amigos? — indagou receoso — Apesar de falante, sou uma boa companhia.

— Sim, podemos ser amigos — aceitou e ambos esboçaram um sorriso sincero.

A próxima aula era de ciência, uma atividade em dupla e Will ficou feliz de poder realizá-la com seu recém-amigo.

Mike era muito inteligente, obtendo um conhecimento vasto de astronomia. Sabia de cor os nomes dos planetas, constelações, galáxias. Sabia suas distância e suas curiosidades na ponta da língua, seus olhos chegavam a brilhar enquanto explicava o assunto para sua dupla antes de preencher as lacunas dos exercícios. Byers admirava esse seu conhecimento e entusiasmo, tanto que escreveu sua primeira música Space Boy, aos doze anos, baseada nele, esta que por sua vez deu nome ao seu primeiro álbum de estúdio.

Durante o horário de aula, pequenas gotas embasaram a janela, o que já era esperado devido as carregadas nuvens de chuva que se aproximavam lentamente durante a explicação de Mike sobre o espaço sideral, porém o que imaginou ser um chuvisqueiro passageiro se transformou numa chuva de vento, que inundou a rua toda e invadiu os corredores pelas frestas das portas.

Droga! Justo no dia em que se esquecera de sua capa de chuva na cabeceira da cama?!

— Tomem cuidado, crianças! — pediu o professor quando os alunos foram liberados.

Alguns corajosos se arriscaram a encarar a chuva. O restante optou por ficar no pátio coberto da escola, uns para esperar a chuva diminuir, outros no aguardo dos responsáveis, Will era um deles.

Trinta minutos se passaram e nada! Will começou a ficar inquieto e a considerar a possibilidade de ter sido abandonado pela mãe.

Mike surgiu ao seu lado, com um guarda-chuva preto que havia acabado de encontrar no meio das tralhas acumuladas em seu armário, abriu-o com um click.

— Sua mãe ainda não apareceu?

— Não ainda, o estranho é que ela sempre é pontual.

— Deve ter acontecido alguma coisa, meu pai diz que as árvores daqui são suscetíveis para cair nas estradas quando chove bastante, algo assim, ele trabalha na manutenção das ruas.

— Não me alivia muito. — suspirou. — Isso dá azar, sabia? — apontou para guarda-chuva aberto em cima deles.

— Não acredito nessas coisas. — deu de ombros. — Enfim, quer encarar? Se minha suposição estiver certa, sua mãe só vai aparecer aqui daqui umas quatro horas.

— Sei não, ela pode ficar brava e, além disso, é perigoso.

— Perigoso? Pffft! Eu ando nessa cidade sozinho e continuo vivo. — gabou-se dando uns passos para frente, no limite da cobertura e esticou a mão livre. — A chuva diminuiu. — observou. — Vamos lá! Você pode ficar debaixo do meu guarda-chuva.

— Não sei não.

Piscou os olhos e Mike encontrava-se quase na curva do quarteirão.

Desesperou-se, metade de si queria acompanhá-lo enquanto a outra repetia as palavras autoritárias da mãe sobre nunca ir embora sozinho sem autorização, era perigoso, poderia ter um pedófilo à espreita, e deveria, principalmente, sempre ter o cuidado redobrado com estranhos — Mike, de certa forma, era um estranho, entretanto não parecia um. Que confusão!

Ou iria atrás dele agora ou ficaria sozinho com os demais até sua mãe chegar sabia-se lá que horas.

Inspirou fundo.

Correu e sentiu a água em seus tênis gastos e as gotas atingirem seu rosto, engoliu em seco ao ver a rua lamacenta.

— Oh! Byers… — fingiu surpresa. — Pensei que iria ficar.

— Já estou arrependido de ter vindo com você. — declarou assim que o alcançou.

Mike riu.

— Você é caladão, mas é legal — confessou.

O assunto do trajeto foi Star Wars e o porquê dele ser tão promissor quanto Star Trek — o qual Will não mostrou interesse na primeira vez que assistiu, não sendo de seu agrado, ainda assim, influenciado, decidiu dar uma segunda chance depois daquele dia, pegou gosto e criou o hábito de maratonar os filmes a cada seis meses.

Chegou em sua casa, viu Mike partir e foi recepcionado por Jonathan. A chuva abaixou e Joyce retornou a sua residência após uma ligação de Jonathan. Mike estava correto, havia caído uma árvore no meio da rua, atrapalhando o trajeto e causando um congestionamento de veículos.

Levou um sermão, um discurso típico de uma mãe protetora, afinal como ele ousou sair da escola assim? Ouviu tudo calado, nenhum pouco arrependido, pelo contrário estava feliz por ter feito a amizade com Mike Wheeler, uma amizade genuína, um laço sólido que duraria anos.

15 de julho de 2016

Washington, D. C.

Sorriu de orelha a orelha e deu um gole generoso no chocolate quente. Apesar dos trinta e sete anos passados as memórias permaneciam tão nítidas em sua cabeça. Aquele certamente ganhava o posto de melhor dia de sua vida, ultrapassando até mesmo o dia em que ganhou o seu primeiro Grammy.

“Isso é um tremendo exagero, Will!”, Max Mayfield, sua amiga da adolescência, provavelmente diria. “Sem comparações”.

— Ai! — ouviu Bevvie se aproximando, guardou rápido a foto dentro da bolsa. — O vento atrapalhou meu café, acredita?

Will riu e balançou a cabeça em reprovação.

— Ainda bem que foi o vento e não um sermão do Ben ou um chilique do Eddie — disse arrumando a postura.

— É, ainda bem — assentiu e passou a mão nos cabelos, sem jeito.

— Mas eles se preocupam e eu também. Deveria nos ouvir, principalmente o Ben, sabe? Ele te ama, quer te proteger e tá indo atrás de inúmeros métodos para te ajudar, se não parar esse cigarro ainda vai te matar.

Silêncio se fez. Não era a primeira vez que tinham essa conversa e pelo visto não seria a última. Will odiava cigarros e Beverly não era a única fumante de sua equipe, Richie Tozier também era.

Estremeceu.

Cigarro era veneno — veneno que matou cruelmente sua mãe, condenando-a a ficar presa num concentrador de oxigênio numa maca hospitalar.

— Eu tô tentando, ok? Dou valor a vocês. Só é… complicado. É uma incansável luta diária. — Beverly colocou uma mecha ruiva para trás da orelha, coçou a garganta. — A propósito te trouxe bolo, o seu favorito.

Bela tática para se esquivar do assunto Bev. — pensou.

Estendeu-lhe o prato com uma fatia de angel food cake — um bolo branco e aerado, coberto por frutas cortadas e dispostas em suas laterais. No topo da fatia, um creme branco e adocicado, compondo o prato elegante para uma sobremesa simples — e sentou-se ao seu lado no sofá.

Deu uma garfada e foi às nuvens. A massa macia desfazendo-se na boca.

Doce!

Doce igual sua amizade com Mike. Amizade e nada mais do que isso… amizade na qual sentia falta.

Às vezes se viam por vídeo-chamada — não parecia o suficiente —, às vezes se via se questionando: Será que Mike parava para pensar nele? Será que se recordava das brincadeiras, dos conselhos? De tudo que deu certo, de tudo que deu errado? Da vez que quebraram a janela da frente do vizinho ranzinza de Mike? Do puxão de orelha que levaram da Sra. Wheeler? Das risadas no walkie-talkie no meio da madrugada com cuidado para ninguém acordar? De quando se escondiam dos meninos mais velhos nas arquibancadas? Do dia em que conheceram Lucas? Do dia em que conheceram Dustin? No dia em que vibraram ao vencer a feira de ciências, que notaram ser um verdadeiro quarteto? Da chegada da Maxine e de seu irmão problemático em Hawkins e de seu mau pressentimento sobre ela? Do dia em que sua mãe começou a namorar com Hopper e conheceram a… Jane?

As bochechas de Mike coraram intensamente nesse dia, mais eufórico do que nunca. Reconhecia aquele entusiasmo, semelhante a quando ele tagarelava sobre astronomia, o brilho único nos olhos. De noite, após despedir-se de uma conversa de altas risadas com Jane e Will acompanhá-lo à porta, Mike arriscou dizer que ela era seu Sol — se incomodou com tal afirmação.

De início, perguntou-se o que tinha de incrível nela. Via apenas uma garota caucasiana, altura padrão de cabelos pretos e curtos. Com o decorrer do tempo se deu conta, Mike descobriu o amor com ela; sim ele a amava, não havia uma explicação lógica para isso. O que sentia por Mike, Mike sentia por Jane.

Segurava o choro e mentia estar resfriado para disfarçar a vermelhidão na ponta do nariz, sendo forte, sempre que ele desabafava aquela paixão, entretanto assim que cruzava a porta desabava na cama. Aquilo parecia o matar lentamente.

Horrível!

Receava ouvir suas poesias de amor baratas dirigidos a outra pessoa — Mike não percebia isso? Seu coração quebrantava.

O queria mais perto, queria experimentar seus lábios, ser consumido por sua paixão, porém só era possível em seus sonhos... Mike queria ser amigos para sempre, Will não o imaginava daquela maneira.

Sentia-se sujo. Ambos eram meninos, sua família, provavelmente, o repudiaria por isso. Era difícil aceitar, mas era a realidade.

Pelo menos o tinha nos seus sonhos. Em sua mentalidade de pré-adolescente aquelas migalhas bastavam.

“Ninguém mandou se apaixonar por hétero” Max disse sincera — sinceridade era sua especialidade — numa conversa sobre o passado. Acabaram se esbarrando num shopping de Nova Iorque, na casa dos dezenove anos, ela fazia compras e ele fazia publicidade para uma loja de roupas grã-finas. A amiga o aceitou sem julgamentos. “E, pra falar a verdade, você merece alguém melhor. Passou da hora de virar a página, não acha?”.

Max estava coberta de razão, odiou admitir. Mike era inalcançável e ilusório. Teve a comprovação da pior maneira.

28 de abril de 1987.

Hawkins, Indiana.

Achava-se isolado nas escadarias do segundo andar, precisava pôr a cabeça no lugar e respirar fundo. Perante a uma oportunidade única, se recusasse dificilmente ela bateria uma segunda vez em sua porta.

Após vencer um concurso de canto patrocinado pela prefeitura, um dono de uma gravadora renomada, de passagem pela cidade, mostrou interesse em seu talento e o convidou à Indianápolis para realizar audições. A família estava disposta a se mudar e a apoiar Will com seu sonho, mas e se não desse conta? E se decepcionasse a todos? E se não gostassem do seu trabalho? E se desse o seu melhor e mesmo assim não fosse o suficiente?

A garganta fechou e a respiração ficou escassa.

Ah! Se esse fosse o único de seus problemas…

Era o último ano da escola, cobranças vinham de todas as partes, cheio de incertezas sobre o futuro, sobre seus sentimentos e sobre sua sexualidade… tão delicado.

— Ei! Qual é o problema? — uma voz soou atrás de si. Girou 180º e deparou-se com Mike, o moreno com as mãos dentro dos bolsos dianteiros da calça.

— Ah, oi.

Mike se aproximou e assentou-se do seu lado no degrau.

— Por que saiu correndo daquele jeito da sala? Jane ficou preocupada.

Engoliu em seco. Como o explicaria que se sentiu coagido diante de tantos olhares, de tantas pessoas criando expectativas em cima dele? Jane não mediu palavras ao anunciar a boa-nova para os colegas de classe e para o Sr. Clarke no finalzinho da aula. Suou frio, sentiu um calafrio. Correr desesperado quando ouviu o sinal tocando e os amigos o parabenizando foi puro instinto.

Odiava expectativas, não queria decepcionar ninguém.

— Nada demais — mentiu. — Apenas precisava de ar.

— Sei — concordou desconfiado. — Mas caso esteja com problemas, saiba que estarei aqui. — dirigiu-lhe um sorriso. — Estamos todos orgulhosos de sua conquista.

Todos orgulhosos, será que realmente mereço?

— Obrigado. — respondeu e roeu a unha.

Completavam dois anos desde que sua mãe e Hopper decidiram juntar as escovas. Por consequência Jane era praticamente sua irmã e esse posto a deixou, digamos, grudenta. Sendo Jane a filha mais velha de Hopper, ela tinha uma irmãzinha, Sara, que faleceu devido a um câncer — Will não chegou a conhecê-la. Porventura isto motivasse a superproteção de Jane, tornando-a uma versão feminina e mais jovem de Jonathan.

— Você tá feliz, né? — voltou à atenção a Mike. — Digo, nós todos estamos felizes por você, cara, você é muito talentoso!

— Se eu te dizer que estou perdido, ficaria surpreso?

— Não entendo, não é isso que sempre sonhou? — franziu o cenho.

— É, mas agora que chegou a hora estou com medo. — encolheu a cabeça entre os ombros, abraçou as pernas. — Tenho medo de fracassar, de estragar tudo. Tudo é tão incerto… já se perguntou de como vão ser nossas vidas daqui pra frente? Realmente seremos amigos para sempre ou a vida adulta irá nos separar?

Wheeler prendeu a respiração, virou-se para frente e piscou os olhos algumas vezes.

— Compartilho a mesma sensação. — bufou. — Ultimamente me sinto distante do grupo de alguma forma. Dustin tá sempre colado na Suzie, Lucas tá concentrado nos estudos, você anda afastado com seus afazeres e a Max… a Max é um pé no saco! — enfatizou e Will o olhou surpreso.

— Por quê?

— Ela está sempre se intrometendo no meu lance com a Jane, se achando a dona da verdade. Ela tá corrompendo ela.

— Corrompendo a Jane, jura?

— É verdade, depois que ela começou a andar com a Max ficou rebelde, diz que eu a trato como se ela fosse meu “bichinho” e me deu um pé na bunda. Ela realmente acha que eu não a vejo como uma mulher independente, muito pelo contrário, ela é uma das pessoas mais fortes e destemidas que eu já vi. — cobriu o rosto com as palmas das mãos. — A única coisa que eu quero é protegê-la, pena que não consegue enxergar isso. — a voz saiu abafada.

Will roeu novamente as unhas, como a conversa levou esse rumo?

— Era melhor termos ficado só no D&D no seu porão mesmo, mulheres são complexas demais. — falou cuspindo uma unha.

— Bota complexas nisso… — as mãos deslizaram por seu rosto, parando por trás do pescoço, apoiando-o. — A questão é que a Max é incapaz de entender que eu amo a Jane e não posso perdê-la de novo.

Um soco no rosto doeria menos.

Jane quase morreu, devido ao trabalho do pai como xerife, ex-presidiários a sequestraram como vingança. Foram dez dias de puro desespero, encontraram-na na floresta, na margem de um rio, toda ensanguentada, os cabelos raspados. Uma corrida contra o tempo para levá-la ao hospital mais próximo. Uma semana em coma e despertou, retornando aos poucos os movimentos.

Will nunca viu Mike tão transtornado quanto naqueles dolorosos dias — todos estavam. A culpa — inexistente — atormentava Hopper.

— Só quero protegê-la, não tem nada de errado nisso. — falou com a voz embargada e limpou uma lágrima. — Depois do Starcourt a Jane saiu com vários garotos diferentes, alguns até mais velhos, só alertei que eles poderiam ser problema, tia Joyce concorda comigo.

Os garotos eram bons partidos, Will não poderia negar. Enrubescia só de vê-los de sunga na beira da piscina comunitária de Hawkins, onde o irmão de Max trabalhava, no verão passado.

Balançou a cabeça. Repreendeu tais pensamentos.

Bateu os dedos na calça e encarou o amigo que fungava.

— Quer um abraço?

Mike assentiu com a cabeça lentamente.

Aproximou-se receoso e o envolveu em seus braços, a cabeça encostada no seu peito. Wheeler retribuiu, passando o braço direito por seus ombros. Uma onda quente percorreu-lhe o corpo, relaxando-o, como se estivesse encontrando seu lar. Sentiu-se capaz de tudo sem medo. Permitiu que as lágrimas escorressem, a pressão interior se esvaindo. O perfume do amigo chegando a suas narinas. Definitivamente amava aquele contato.

— Lembra-se do dia em que nos conhecemos? — comentou Mike encarando os próprios tênis. — Brincamos no parquinho e fomos embora debaixo de chuva falando sobre Star Wars? — riram. — Aquela foi uma péssima escolha Willy, sua mãe achou que eu fosse uma má companhia.

— Mamãe estava errada quando disse isso.

O abraço acabou mais rápido do que gostariam, não obstante pareceu preencher um bocado do buraco que tinham no peito. Mike se afastou primeiro ao ouvir passos no fundo do corredor, coçou o nariz e limpou a face com a palma da mão.

— Obrigado, estava precisando. — agradeceu e levantou-se num sobressalto. — Bom, acho que é melhor ir embora, tenho que levar a Holly para a aula de balé agora de tarde. Tchau, Will! — disse por fim, dando-lhe as costas.

— Tchau, Mike — sussurrou o observando ir embora, as bochechas ruborizadas.

O último ano do ensino médio enfim concluído, a família planejou a mudança para duas semanas após a colação de grau, no início das férias de verão.

O grupo aproveitou cada minuto com Will e Jane antes da mudança para a capital do estado — dando direito a perambular no shopping, andar no máximo de brinquedos possíveis do Fun Fair e tentar se comunicar com seres extraterrestres através da engenhoca construída por Dustin, que como esperado não os levou a lugar nenhum.

Sentiriam muita saudade daquela cidade interiorana onde coisas estranhas aconteciam.

Marcou 18 de Maio de 1987 no calendário. Terminaram de encaixar a última caixa dentro do porta-malas quando os amigos surgiram no horizonte.

Foi durante os abraços calorosos de despedida, na frente de todos presentes, que Will fez o improvável, puxou Mike para um beijo. Movimentou lentamente seus lábios contra os dele, descobrindo que estes eram macios.

Mike ficou estático, sem retribuir nem nada, assustado. Jane ficou desacreditada e Max boquiaberta.

— Que porra é essa?! — pôde ser ouvido Dustin dizer antes de ter sua boca tapada por Suzie.

Não havia pensado muito bem, agiu por impulso. Ao se afastar, tardou a abrir os olhos, todos o olharam confusos, suas bochechas queimaram. Correu até o banco do passageiro dianteiro e hiperventilou.

Ouviu Hopper limpar a garganta e dizer mais alguma coisa antes de entrarem no carro.

Hopper deu partida. Abanaram a mão pela última vez, gritaram “tchau!” quando o carro andou. Pelo retrovisor, Will viu Mike ficando para trás, afastado dos demais com uma mão sobre a boca e a outra passando pelos cabelos, aflito.

Silêncio se fez ao longo do percurso, Jane se limitou a falar e nem reclamou da música country que tocava no rádio, como sempre fazia. Pararam em enésimos postos de beira de estrada para se alimentar e utilizar o banheiro.

Logo o sol parou de queimar e se pôs, podendo encostar o antebraço na janela do carro em paz. A lua cheia omnifulgente no céu acompanhada das estrelas e constelações.

Space boy…

Mike provavelmente lembraria uma informação que leu em uma coluna de revistas científicas ao vê-las.

Mike…

Afundou o rosto nas palmas das mãos e deixou a vergonha o consumir. Como pôde beijá-lo na frente de todo mundo, teria ele enlouquecido?

Joyce, sob comando do veículo, revezou o olhar entre seu filho mais novo e seus irmãos que dormiam no banco traseiro junto a Hopper que aproveitou para tirar um cochilo. A música country, estilo predileto de Hopper, ainda repercutia no rádio.

— Então… — sua mãe tentou puxar assunto. — Que tal trocarmos a estação?

— Por mim tudo bem.

Girou o botão, depois de muitas estações, escolheu a que tocava Should I Stay or Should I Go do The Clash — a música preferida do filho.

Will não disse nada, apenas balançou a cabeça no ritmo e cantarolou baixo. Joyce sorriu.

— Se quiser conversar sobre o que houve mais cedo, estarei toda ouvidos. — ela disse sem tirar a atenção da estrada.

O filho mais novo sentiu um nó na garganta, umedeceu os lábios. O grande dia que conflitou tanto sua mente chegara.

— Você me odeia agora, mãe? — segurou a respiração. — Me odeia pelo que fiz mais cedo?

— O quê? Mas é claro que não, meu amor! Não te odiaria por nada mundo. — sorriu doce. — Se gosta do Mike tudo bem, sem problemas. Meu único medo é do mundo, do que as pessoas possam fazer pra você... O mundo é mau. Você e seu irmão são os meus bens mais preciosos. — agarrou sua mão e apertou-a. — Mas ouça: a mamãe sempre estará aqui para o que precisar.

Will soltou a respiração, das suas orbes escorreram lágrimas.

— Te amo muito mãe!

— Também te amo muito, meu amor! — declarou e beijou-lhe as costas da mão.

O automóvel seguiu caminho. Will ajeitou-se e descansou, a mente mais leve após a conversa — sua mãe o amava do jeitinho que era, isso não tinha preço. Joyce exprimiu os olhos ao avistar um letreiro de uma hospedagem há menos de cem metros.

Estacionaram no estacionamento do hotel à beira da estrada. O hotel tinha uma fachada lisa em tons de salmão e bordô. Os dois andares de janelas enfileiradas, estilo colonial, detalhavam sua área frontal, atrelado aos pergolados de madeira no térreo, protegendo a entrada de pedestres frente ao estacionamento rústico. Um estabelecimento simples e bruto.

Enfim, seria ali que passariam a noite.

Acordou todos com cuidado. Will teve que esticar as pernas e espreguiçar-se ao se levantar, assim como os demais. Analisando de uma maneira otimista, ao pôr a mochila nas costas, se deu conta que não era um local tão medonho assim.

Fizeram a reserva em dois quartos do segundo andar. Hopper e Joyce em um com cama de casal; Jane, Will e Jonathan no outro com três camas de solteiro dispostas lado a lado, mesas de cabeceiras separando-as. O quarto dos jovens era espaçoso. Caso quisessem ir ao banheiro deveriam atravessar o longo corredor.

Will se revirou diversas vezes na cama, a luz fraca do abajur e o brilho da lua vindo da janela aberta com uma cortina esvoaçante eram os únicos que iluminavam o cômodo. Dúvidas rondavam sua mente, Mike ainda era seu amigo? O restante do grupo ainda eram seus amigos? Jane estaria brava com ele?

Desistindo de dormir, saiu do quarto a passos lentos e escorou-se na janela aberta do corredor, vigiando o carro da família, apoiando o queixo na palma da mão. Mike deveria achar que ele estava fora das suas faculdades mentais.

Olhou perdido a estrada. O vento forte bagunçou seus cabelos. Observando o nada, pensando em tudo. Sua coleção de futuros ex-namorados o chamariam de maluco, com razão. Era incrivelmente impulsivo, ciumento e tirava conclusões precipitadas — aprender a manejar as emoções seria o próximo passo da sua lista de melhorias.

— Ainda acordado? — a voz de Jane surgiu atrás de si. A garota havia saído para beber água quando o viu ali.

— Não consegui dormir...

— Qual o problema? — perguntou ela do seu lado da janela, também encarando a estrada deserta. — Não me diga que é por causa do colchão duro. — ela disse e ambos riram abafado.

— É, ele realmente não é nada confortável e maltrata minhas costas, mas não é esse o motivo.

— Então o que é? — disse o olhando com um olhar de incentivo.

— É por causa do Mike e do... beijo. — Jane assentiu abaixando o olhar, cabisbaixa. — Perdão, não quis magoá-la.

— Não é isso, é só que… — fitou fundo nos seus olhos. — Se quiser, termino com ele, apenas quero ver sua felicidade Will.

Will arregalou os olhos e coçou a nuca, sem jeito. Apesar da boa intenção das palavras, percebeu o quão difícil foi para ela dizê-las.

— Não será necessário, não é recíproco, nunca foi — como doeu dizer isso. — e além do mais vocês se amam, não sou louco de separá-los. Estava fora de mim na hora, a incerteza do futuro me deixou fora de mim, só isso, não se preocupe, ficarei bem.

— Certeza?

— Claro. — forçou um sorriso. — Aliás, você não está com raiva de mim por causa de eu ser… gay, está?

— Nenhum pouco. — sorriu. — Eu te amo, Will. Você é meu irmão. Te amarei de qualquer maneira. — declarou e se enfiou em seus braços, descansando o rosto no seu peito. Ele acariciou seus curtos cabelos, receoso.

Joyce, que prestava atenção na conversa, abriu a porta e assistiu a cena na ponta dos pés, sorriu de orelha a orelha. Orgulhosa pela família amorosa e unida que possuía.

Ulteriormente ao improvável, Mike e Will mal se falaram, nem ao menos trocaram correspondência. Era difícil saber o que dizer. O restante de seu grupinho se dividiu de taciturnidade da parte dos meninos e lembrancinhas da parte das meninas. Max escrevia para Jane e Will, todavia era perceptível sua preferência por Jane, sempre a destinando longas cartas sobre as últimas novidades e enviando-lá as últimas tendências em Hawkins, na última vez a irmã recebeu um par de brincos de três estrelas em cada par banhados a ouro. Por outro lado Suzie foi mais justa, presenteando-os igualitariamente com pedras que ela e o namorado colecionavam durante suas expedições no acampamento de verão junto a pacotes de figurinhas para seus álbuns do filme “A história sem fim”, o qual a amiga cantava a música tema de cor.

A recepção da família sobre sua sexualidade chegou próxima do agradável, Jonathan o abraçou dias depois, dizendo que amava o irmão mais novo do mesmo jeito. Hopper optou por não tocar no assunto, Will sabia muito bem como ele poderia ser ruim com as palavras, apesar disso sentia que não havia mudado nada entre eles após a descoberta.

Menos de três dias para o Natal e tiveram a visita inesperada da família Wheeler, pegando todos de surpresa. Joyce alegrou-se e tratou logo de planejar os mínimos detalhes para a ceia. Hopper torceu a boca devido à ausência de aviso prévio.

Jane e Mike ainda eram os “pombinhos” da família, dividindo o quarto da garota, Hopper supervisionava o quarto a cada dez minutos, sempre batendo na porta e ordenando que a mesma ficasse aberta, de preferência, ou destrancada.

Velhos hábitos eram difíceis de largar.

Will trancou-se no próprio quarto depois da recepção, falou o mínimo com todos. Ruboresceu ao cumprimentar Space boy, que mal se deu ao trabalho de apertar firme o aperto de mãos. O contraste das mãos frias com as suas suadas.

“Senti saudades” admitiu, tentou se aproximar, entretanto fora impedido por um leve empurrão.

“Tanto faz” respondeu ele fazendo pouco caso e foi para perto de Jane, que o envolveu com os braços.

— Eu te odeio por foder com a minha cabeça — sussurrou para si mesmo, cobrindo o rosto com o travesseiro. Martirizou-se por chorar.

A hora do jantar chegou. Brincou com a comida no prato com o auxílio da colher, mal se deu ao trabalho de prestar atenção nas conversas corriqueiras que rondavam a mesa e fez o possível para não cruzar seu olhar com os dele. Esforçando-se ao máximo para disfarçar qualquer vestígio que denunciasse sua crise de choro.

Deitou-se cedo naquela noite, descansou no máximo quatro horas seguidas e sentou-se na cama. 2h30min marcava no relógio do despertador eletrônico. Abraçou os joelhos, roeu o redor das unhas e franziu o cenho ao ver o antigo walkie-talkie empoeirado no topo das caixas de mudança empilhadas no canto do quarto, a qual sempre procrastinava a arrumar.

Pegou o aparelho delicadamente na ponta dos pés. Assoprou-o e sorriu ao vê-lo. Conferiu as baterias e os alto-falantes, tudo perfeito. Caiu em tentação. Seria ele inconveniente chamando Mike aquele horário? Se a dorminhoca da Jane despertasse consideraria-se um homem morto.

Riu sem vontade.

Puxou a antena para cima, ajustou a conexão. Prosseguiu arrancando as pelinhas dos dedos e inquietaram-se as pernas, indeciso.

Por mais que não quisesse, o que mais tinham eram assuntos para conversar.

— Mike, tá na escuta? — chamou receoso, umedecendo o lábio inferior. Dedos cruzados na esperança dele também ter trazido o aparelho. — Mike?

O que você quer William? — as palavras saíram com um pouco de desgosto de seus lábios, Will gelou ao escutá-las. Inspirou fundo, engoliu em seco.

— Sobre outro dia...

Wheeler interveio.

Pare — pediu, um estalo foi capaz de ser ouvido ao fundo, deduziu que o moreno tivesse sussurrado alguma coisa, se levantado da cama e mudando de cômodo, hipoteticamente para o banheiro do quarto da namorada. — Olha, me desculpe, eu fui um babaca, não deveria ser assim, mas precisa entender que o nosso lance é só amizade, não te vejo com outros olhos.

Agora me conte algo que eu não saiba... — pensou e fechou os olhos, sentiu os olhos lacrimejarem.

Novamente peço perdão pela forma rude pela qual agi — o moreno voltou a falar —, espero que possamos voltar a sermos amigos. Não quero ser babaca, mas… É só amizade mesmo, espero que não fique chateado. — ressaltou.

— Tá tudo bem Mike, tudo bem, eu já esperava — murmurou cabisbaixo. — Acho que eu confundi as coisas.

É… confundiu mesmo.

Um tapa teria doído menos. Um silêncio desconfortável se fez presente. Will se arrependeu até o último fio de cabelo de tê-lo beijado.

Idiota, idiota, idiota!

Qual era o problema com ele?!

— Boa noite! — encerrou depressa a transmissão. O peito apertou-se, largou o walkie-talkie no chão e deitou-se na cama, cobrindo-se dos pés à cabeça. Agarrado ao travesseiro deixou toda aquela tristeza se esvair através de lágrimas e soluços.

Se odiava. Se odiava por ser tão burro. Se odiava por ter criado expectativas. O que ele pensava? Que Mike simplesmente abandonaria Jane para ficar com ele? Patético! Ele não tinha nem metade da beleza dela e, principalmente, Will era um garoto e não uma garota, Mike nunca iria querer nada com ele. Iria continuar a morrer mais a cada dia ao flagrá-los juntos, morrendo lentamente sem se opor.

Avaliando melhor aquilo era ridículo! Nada fazia sentido, nada!

Como perguntava Mick Jones na canção: Devo ficar ou devo ir?

Em resposta ele deveria ir...

E ele, de coração partido, foi. Aquele amor unilateral não valia a pena, seria inútil continuar a semear solo infértil.

15 de julho de 2016.

Washington, D. C.

Retornou à realidade ouvindo Bevvie bebericando uma xícara de chá, o iPhone aberto nos aplicativos das redes sociais na mão livre. Vidrada na tela e dando risadinhas.

— Boas notícias, Willy — se virou bruscamente para o amigo e lhe mostrou a tela do celular. — O último post do anúncio do relançamento de Space Boy está bombando! — declarou orgulhosa abaixando a página com o dedo. — Está chovendo elogios e fancams. Eles te veneram. A notícia se espalhou em todos os sites mais importantes de notícias.

— Isso é bom.

— Viu? Estava certa quando disse que seu público te ama e te apoia muito.

— Ainda bem. — sorriu. — Não sou nem louco de duvidar mais de você, Bev.

Ela soltou uma risada doce e voltou a atenção ao aparelho que vibrava em sua mão.

Will encostou-se no sofá, inclinou a cabeça para trás e admirou o céu estrelado pintado no teto. Apesar das dores do passado, encontrava-se feliz pela pessoa que se tornou e pelas amizades maravilhosas que conquistou. Foi difícil chegar aonde chegou e era muito agradecido aos fãs, aos produtores e aos familiares que acreditaram em seu potencial.

Também era grato a Mike, apesar das dores, ele serviu como um aprendizado. Agora casado com Jane, morando com ela e suas duas filhas, Aiden e Jocelyn, em Londres, sendo uma família repleta de felicidade.

Nancy e seu irmão Jonathan também assinaram os papéis do matrimônio, mas infelizmente a união não durou mais de cinco anos.

Infelizmente nesse meio-tempo, se viu obrigado a presenciar a doença terminal da mãe e vê-la partir mais cedo do que desejara.

Para pensar positivo, via tudo, erros e acertos de sua trajetória — pessoal e artística —, como aprendizados e que nada do que viveu fora por acaso, aquilo o tornou mais forte.

Chegava a ser irônico os frascos de antidepressivos na mesinha ao lado da parede de prêmios.

No entanto, não poderia reclamar, seria ingratidão de sua parte, pois também encontrou o caminho para seu final feliz. Ansioso para a visita da assistente social que viria na semana seguinte para averiguar se ele era adepto para adotar uma criança. Pierce era o nome do pequeno, um serzinho adorável, meigo e bastante inteligente para sua idade. Cinco anos recém-completados, afrodescendente, de pele e cabelos maravilhosos. A aparência não importava, seu amor ultrapassava essas barreiras, e caso viessem hatear seu menino mandaria todos se ferrarem além de processá-los juridicamente. Logo, logo ele estaria correndo alegremente pelos quatro cantos de suas residências — seu coração se aquecia só de imaginar.

Sentia-se feliz, completo, amadurecido e ciente agora que a Disney errou, visto que ninguém precisa encontrar o príncipe encantado para viver feliz para sempre.

Foi uma longa história, mas no fim ele sobreviveu.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.